Aparentemente, apenas uma miudeza sem importância - nos países mais avançados em matéria de futebol isto é já algo rotineiro -, o facto ganha relevância, na medida em que em quase meio século de história nunca o Girabola foi programado de forma tão atempada. Em face da nossa realidade e em virtude das muitas baldas dadas pela FAF, o sucedido não deixa de ser algo extraordinário. Afinal, até agora e mesmo com Direcções bem mais expeditas, o Girabola quase sempre andou aos solavancos, ao sabor da improvisação no que diz respeito à programação.

Nos primeiros anos da competição, a situação militar, que obrigava a que as missões desportivas ligassem as distintas capitais do País apenas por avião, os jogos em atraso sucediam-se, passando a ser normal. Mesmo depois do fim da guerra, a situação não melhorou muito. Na verdade, praticamente só já à entrada da década de 2010, o cenário mudou para melhor, diminuindo substancialmente a quilométrica "composição de carruagens" de desafios em atraso, embora vez por outra o fantasma voltasse a bater à porta do "Girabola", como aconteceu na temporada transacta.

Na década de 1980, a primeira do "Nacional" da I Divisão, o que mais os técnicos estrangeiros que trabalhavam em Angola criticavam era a programação algo empírica da época. António Clemente (Petro-Atlético de Luanda) era o rosto visível de um movimento de treinadores que sempre se bateram por uma programação atempada, de modo a beneficiar o próprio futebol. Em momentos distintos, o jugoslavo Ivan Radanovic (1.º de Agosto), os argentinos Mário Imbelloni (Sporting de Luanda) e Eduardo Gonzalez (Progresso do Sambizanga) e muitos outros fizeram coro com o brasileiro do clube "tricolor". Todos coincidiam em que um calendário sem datas fixadas era igual a caminhar numa floresta de olhos vendados...

Ao programar antecipadamente o Campeonato Nacional da I Divisão, o CTD da FAF demonstra maioridade administrativa e alguma organização. Isto, mesmo tendo em atenção que, dispondo das datas FIFA antecipadamente e da programação oficial da Confederação Africana de Futebol (CAF) em tempo hábil, conformar o calendário nacional às competições internacionais é relativamente fácil. A verdade, porém, é que este "fácil" nunca havia sido feito, o que torna o CTD da FAF merecedora de elogios neste capítulo.

Mais do que apenas passar uma imagem de seriedade e de alguma organização, com esse procedimento, o CTD da FAF presta um serviço relevante ao futebol nacional - nisso, não faz favor algum - como, aliás, deveria ser sempre. É assim que as federações (ou Ligas) sérias trabalham, de modo a facilitar o trabalho dos demais agentes do respectivo segmento. Dessa forma, os técnicos poderão planificar melhor a temporada, apontando, por exemplo, picos de forma da equipa em função dos timings estabelecidos pelo calendário. Por outro lado, as estruturas administrativas dos clubes também beneficiam com a medida, pois saberão exactamente quando devem, por exemplo, contratar um empréstimo bancário para fazer face a uma determinada despesa. Além disso, em função das datas aprazadas podem também programar eventuais mini-estágios ou jogos de manutenção ao longo da temporada, isto em função das brechas do calendário.

É verdade que, conhecendo a realidade do nosso País, muito dificilmente o calendário será cumprido à risca. Ademais, as coisas mais insólitas acontecem em Angola. Mas se não for possível em alguns casos, pelo menos as datas indicativas para a disputa de todas as jornadas estão devidamente especificadas, o que, em teoria, vai seguramente diminuir o número de jogos em atraso. De resto, estão criadas as condições para que não haja partidas disputadas fora das datas indicadas.

O que o CTD da FAF acaba de fazer em relação ao calendário do "Girabola" será que teve a ajuda do núcleo constituinte da Liga de Clubes de Angola? - pode funcionar como elemento-charneira, catapultando para patamares de excelência os restantes órgãos da FAF, cujo desempenho é pouco mais que sofrível, a julgar pela saraivada de crítica que se abate amiúde, procedente de vários quadrantes da "tribo do futebol" nacional. Se os restantes órgãos da FAF (principalmente a Direcção) trabalhassem do modo como agora se desempenhou o CTD, provavelmente teríamos um futebol melhor.

A "pedrada no charco" protagonizada pelo CTD faz subir a fasquia da qualidade de desempenho para os demais órgãos da FAF e pode obrigar a entidade reitora da "bola doméstica" a andar apenas a uma velocidade, em vez de duas ou mais, como acontece agora, com o CTD bem na frente dos demais. Para já, os restantes órgãos ainda estão atrasados no salto qualitativo que se espera venha a ser dado.

Não fosse assim, a Direcção da FAF já deveria ter vindo a terreiro dizer algo sobre o superpatrocínio prometido aos clubes do "Girabola" por altura da campanha eleitoral. Logo após o término da primeira volta da edição 2020/21 do Campeonato Nacional, oficiais da FAF anunciaram quanto haviam dado aos emblemas participantes na prova. Agora, passados quase dois meses do fim da competição, nada se sabe sobre se houve ou não outros aportes financeiros.

E o dever de prestar informação por parte da Direcção da FAF é ainda maior, depois de no mês passado o Kuando Kubango FC ter anunciado, na voz do vogal de Direcção Adelino Pessela, a respectiva desistência do "Girabola"21/22" por incapacidade financeira.

Diz a sabedoria popular que "não há mal que nunca acabe". Por isso, depois da lição dada pelo CTD, há motivos para encarar o futuro com esperança, embora sem optimismo.