É também comum, em determinados serviços - como o caso dos de saúde, no que se refere aos exames de diagnóstico - o uso de diversos expedientes para condicionar a prestação dos serviços das próprias instituições de modo a desviar-se a demanda para as entidades privadas afins, paralelas, nas quais os agentes do Estado têm interesses. Tais práticas acontecem em quase todas as instituições públicas, entre as quais tribunais, ministérios, governos provinciais, administrações locais, institutos públicos, hospitais, escolas, instituições militares e paramilitares e empresas públicas.


Em geral, nos documentos formais constitutivos das referidas empresas, tais agentes do Estado normalmente não figuram como os titulares ou beneficiários nominais, antes optando por testas-de-ferro, que vão desde parentes, passando por amigos, até empregados seus, e, para salvaguardarem os respectivos interesses, socorrem-se da emissão por estes de procurações irrevogáveis a seu favor. Acontece então que os processos de contratação visados, quando não realizados por adjudicação directa, são viciados, com concursos de fachada. E se a capacidade técnica das empresas às quais são assim adjudicados os contratos é quase sempre questionável, os valores dos contratos são sempre sobrefacturados.

Ora, processos dessa natureza geram ineficiência e ineficácia da despesa pública, assim como distorcem a estruturação de uma economia competitiva e sustentável, pois o ecossistema empresarial vai sendo dominado por empresas que assim surgem e se mantêm no mercado, não pela sua capacidade concorrencial enformada pelas competências técnica, operacional e financeira, mas pelo compadrio.

Faz, por isso, falta, que Angola adopte as melhores práticas no que ao combate à corrupção e ao branqueamento de capitais diz respeito. Uma dessas práticas está relacionada com a existência de uma base de dados de identificação dos beneficiários efectivos das empresas.

A lei angolana, designadamente a Lei n.º 5/20, de 27 de Fevereiro - Lei de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais, do Financiamento do Terrorismo e da Proliferação de Armas de Destruição em Massa, estabelece, no seu artigo 3.º, n.º 9, alínea a), que Beneficiário Efectivo, conforme as circunstâncias, designa: (i) a pessoa ou pessoas singulares que detém uma participação no capital de uma pessoa colectiva ou controlam esta e/ou a pessoa singular em cujo nome a operação está sendo realizada; (ii) a pessoa que exerce, em última instância, um controlo efectivo sobre uma pessoa colectiva ou entidade sem personalidade jurídica, nas situações em que as participações no capital/controlo são exercidas por meio de uma cadeia de participações no capital ou através de um controlo não directo; (iii) a pessoa que detém, em última instância, a propriedade ou o controlo directo ou indirecto do capital da sociedade ou dos direitos de voto da pessoa colectiva, que não seja uma sociedade cotada num mercado regulamentado, sujeita a requisitos de informação consentâneos com as normas internacionais; e (iv) a pessoa que tem o direito de exercer ou que exerça influência significativa ou que controla a sociedade independentemente do nível de participação.

Uma tal base de dados suportaria as acções de due diligence das empresas candidatas a contratos públicos - as quais deveriam ser obrigatoriamente conduzidas pelas entidades públicas contratantes -, bem como as acções dos órgãos de fiscalização - como a IGAE e o Tribunal de Contas - no escrutínio dos processos de contratação, prevenindo assim a realização de "negócios consigo próprio", assim como sancionado tal prática.

Na verdade, o governo tinha em vista a implementação de medidas de tal natureza, de tal modo que no seu Plano de Estabilização Macroeconómica 2017-2018, havia estabelecido como um dos objectivos, "convergir para concursos públicos abertos e obrigatórios para todas as despesas públicas, apoiados por uma robusta plataforma informática". E como medidas que concorreriam para o alcance de tal objectivo, foram estabelecidas: (i) a apresentação de uma proposta de legislação que proibisse os titulares de cargos políticos, titulares de cargos de direcção e chefia e gestores públicos de deter capital, cargos ou de receber remuneração de empresas privadas, considerando as melhores práticas internacionais; (ii) a apresentação de uma proposta de legislação que obrigasse os titulares de cargos políticos, titulares de cargos de direcção e chefia e gestores públicos a declararem as empresas sobre as quais se apresentassem em conflito de interesses na circunstância em que entrassem em negócio com instituições do sector público; (iii) a introdução no processo de contratação pública da observância de procedimentos de due diligence das entidades a contratar de modo a determinar-se os seus beneficiários efectivos; e (iv) a criação de uma base de dados de beneficiários efectivos das empresas que contratam com as instituições públicas administrativas e empresariais.

O facto, entretanto, é que não se conhecem progressos em tal direcção, de modo que recursos públicos continuam a ser apropriados indevidamente por particulares, com prejuízos para a sociedade com a prática da corrupção na forma de "negócio consigo próprio".