As imagens e atitudes de centenas de crianças, adolescentes, jovens e adultos de ambos os sexos que deambulam pelas ruas dos grandes centros urbanos à procura de comida nos contentores de lixo e às portas dos centros comerciais, solicitando um ou outro bem comestível para partilhar em casa com a mãe e irmãos.

Há muito que o alerta foi dado: a fome e a má nutrição se têm revelado ainda mais mortais do que a Covid-19. Entre nós, desde a altura que foi identificado o primeiro caso positivo de Covid-19 qual é o número exacto de pessoas que em Angola foram empurradas a níveis extremos de insegurança alimentar? Em que região do País elas se encontram em maior número? Antes do início da pandemia, qual era o número de pessoas que viviam em condições de fome estrutural em Angola? Quantas vezes este número terá aumentado até aos dias de hoje? Os dados, as informações e o conhecimento necessário para responder correctamente a estas perguntas deveriam estar ao alcance de todas as pessoas interessadas ou, no mínimo, daquelas que têm o dever e a responsabilidade de elaborar a proposta e aprovar o Orçamento Geral do Estado (OGE) para 2022. Caso contrário, como poderão estabelecer prioridades ou até alocar recursos suficientes para enfrentar este problema pela via de orçamentos públicos?

De certeza que em Angola, desde o início da pandemia, o percentual da população que vive na extrema pobreza aumentou. Acontece, porém, que não dispomos de dados fiáveis e actualizados que nos possam informar acerca dos números exactos deste aumento. Contudo, temos a sensação de que nos dias de hoje é elevado o número de cidadãos nacionais que sofrem. E este número pode ultrapassar até os milhões de pessoas que enfrenta algum nível de insegurança nutricional/alimentar.

A menos que sejam tomadas medidas urgentes e inadiáveis. Não acredito que, por si só, em 2022, a situação da fome em Angola venha a conhecer melhorias, e que as despesas para implementação de muitas delas deverão constar da proposta de Orçamento Geral do Estado para o próximo ano, cujo processo de elaboração pelos diferentes departamentos ministeriais e outras unidades que compõem o sistema orçamental esteja já em curso.

Dentre as acções urgentes e necessárias para no mínimo interromper, ou amenizar o impacto da crise da fome, eu gostaria de destacar todas aquelas que a médio e longo prazos ajudariam a construir um conjunto de sistemas alimentares, mais justos e sustentáveis, que funcione, ou seja, que ajude todas as pessoas a viverem e não a sobreviverem.

Por exemplo, a par da assistência alimentar e com carácter de emergência e o intuito de salvar vidas, é igualmente importante que se identifiquem outras acções, tais como: implementação e apoio através de micro créditos, reforço de competências para desenvolvimento de actividades geradoras de rendimentos e outros programas que visam facultar recursos e a recomposição de meios de sustento às famílias mais carenciadas.

Como dizia a dona Manuela, de 38 anos, mãe solteira, tendo a seu cargo, para além de seis crianças, quatro dos seus dez irmãos, órfãos menores de 18 anos. "Antes da pandemia, eu tinha um negócio pequeno, mas dava para viver com dignidade com a minha família. Mas as medidas decretadas pelo Executivo para conter a pandemia me tiraram toda a possibilidade de vender bem. É o preço dos meios de transporte que aumentou, é o teste de viagem, que tem de se fazer e é pago, enfim... Com o aumento dos preços dos alimentos e as perdas no meu negócio e com todas estas situações eu não consigo suportar o custo de vida. Há dias que o sono anda muito longe da minha pessoa, pois os meus filhos e familiares, os que estão sob os meus cuidados por vezes têm que ir para a cama com fome".

Que rubricas orçamentais terá o próximo Orçamento Geral do Estado para acudir a situações como estas? Qual seria o seu valor? Para apoiar quantas pessoas e onde?