E, caso único na história de descolonização de Africa, a proclamação da independência de Angola, à meia-noite do dia 10 de Novembro, ocorreu horas depois da última tentativa de tomar a capital pelo Norte com a implicação directa de um exército estrangeiro, o do Zaire. Quando, ao pôr-do-sol daquele dia, o navio da marinha portuguesa levantava a âncora da base naval da Ilha de Luanda com o último alto-comissário português a bordo, ainda se ouviam os obuses da artilharia zairense rebentarem em Kifangondo.

Mais ao Sul, as unidades do exército regular da África do Sul, que já tinham percorrido centenas de quilómetros no interior de Angola, continuavam a avançar em direcção a Luanda, seguindo os planos da poderosa coligação internacional que se tinha criado contra o MPLA. A chegada-surpresa das forças cubanas que traziam o indispensável armamento pesado para combater contra o maior exército da África subsaariana permitiu, nas semanas seguintes, pôr fim (provisoriamente) à espectacular aventura de Pretória, que pôs no teatro angolano pelo menos 3.500 homens, transportados por tanques e blindados. Um episódio dramático que não ficou devidamente gravado na história do continente, nem na própria memória dos angolanos.

Apesar dos imponentes meios empregues, a totalmente injustificada operação sul-africana não ocupou as primeiras páginas da imprensa mundial. Mercenários, tropas irregulares ou combatentes não identificados era o que constava dos principais media. As raras, se bem que significativas excepções do Observer inglês ou do International Herald Tribune americano, cujos correspondentes em Angola relatavam (nas páginas interiores) a 15 de Novembro, terem identificado no Lobito e em Benguela tropas regulares sul-africanas tomando conta do porto e abastecendo a UNITA em armamento, não suscitaram as devidas reacções das capitais ocidentais.

Uma luta diplomática desenrolou-se na OUA, que convocou, de 10 a 13 de Janeiro de 1976, a primeira cimeira extraordinária da sua história, a fim de decidir a admissão de Angola.

Participei com a imprensa angolana, na viagem para Addis Abeba, desde Luanda. Infelizmente, foi uma sucessão de pequenos infortúnios. Depois de semanas de trabalho para as transcrições em três línguas dos interrogatórios dos soldados regulares sul-africanos e de mercenários portugueses, para o qual contribuí com um militante anticolonial alemão e sob a direcção de José Mena Abrantes da ANGOP (os outros membros da agência encontravam-se em greve!), pusemos o material policopiado em caixotes para seguir no avião da delegação angolana dirigida pelo ministro das Relações Exteriores, José Eduardo dos Santos. O plano de voo previa uma paragem em Lagos (Nigéria) para subir ao avião do Presidente nigeriano Murtala Mohamad. Este dinâmico chefe de Estado tinha-se tornado num paladino da campanha em prol do reconhecimento de Angola e um áspero crítico dos compromissos dos outros dois movimentos angolanos com os inimigos de África. A TAAG, por razões para nós desconhecidas, voou com muitas horas de atraso. Chegámos a Lagos quando o avião de Murtala já tinha seguido para a Etiópia, sem aparentemente deixar instruções a nosso respeito. Não havia ninguém para nos receber ou para nos dar de comer. O aeroporto parecia abandonado. Lembrei-me, então, de ter o telefone de um opositor congolês, Victor Mpoyo, próximo do chefe da Segurança da Nigéria, onde ele tinha interesses petrolíferos. Telefonei-lhe discretamente, para não embaraçar a delegação, e, meia hora depois, fomos todos levados para hotéis de Lagos, que até abriram os seus restaurantes. No dia seguinte, seguimos para o destino, com uma escala em Yaoundé e um dia perdido.

A batalha da contra-informação na OUA podia, enfim, começar. Mas, para o nosso espanto, os nossos caixotes tinham sido trocados co os posters do ministro da Informação, João Filipe Martins, que também se encontravam guardados na cave do Palácio! Entretanto, a reunião preparatória da cimeira não tinha chegado a nenhuma sugestão para os chefes de Estado a quem cabia pronunciar-se.

O Presidente Agostinho Neto decidiu, então, enviar à Cimeira o primeiro-ministro Lopo do Nascimento com os cinco prisioneiros sul-africanos e um punhado de mercenários. Mas a tensão já tinha subido entre os dois campos, graças também às manobras do Presidente em exercício, Idi Amin, e do general Mobutu. A Cimeira concluiu com um empate: 22 países a favor e 22 contra a admissão de Angola.

O acontecido não surpreendeu o Presidente Neto. Em finais de Dezembro, tinha-se mostrado céptico quando o entrevistei para a revista "Afrique Asie": "Não temos muitas ilusões sobre a próxima cimeira da OUA. Parece-me improvável que sejam tomadas decisões que visam condenar a África do Sul e o Zaire. Vamos assistir a uma disputa com consequências imprevisíveis, por causa das posições ambíguas de certos países no seio da OUA". Clarividente!

A Etiópia, país hostil que não quis tomar posição na altura da cimeira, fê-lo um mês mais tarde, abrindo, a 11 de Fevereiro, as portas da OUA a Angola independente.

*Jornalista