O comércio mundial está em polvorosa. Se antes os Estados Unidos eram o grande dominador da escala global e ditavam as leis das negociações nos bastidores, desde o surgimento da China "capitalista" nas últimas décadas que temos uma nova luta comercial a nível mundial, um confronto que ganha cada vez mais relevo um pouco por todo o mundo. É verdade que a Europa procura instalar-se no tabuleiro do xadrez mundial, mas são estas as duas nações que comandam o panorama actual do comércio cada vez mais globalizado.

Este será, sem dúvida, um dos principais temas (senão o principal) da agenda de Okonjo-Iweala nos próximos meses e anos. Primeira mulher a dirigir a OMC desde a sua criação, datada de 1995, a nigeriana terá, no entanto, outros arquivos, nos quais deverá centrar a sua atenção. Por exemplo, olhar para dentro do seu próprio organismo, que necessita urgentemente de se reinventar após a machadada final dada pela administração de Donald Trump no ano passado, quando boicotou a OMC (curiosamente, Trump que vetou o seu nome para ocupar o cargo de directora-geral da OMC, uma decisão que foi depois revogada pelo actual Presidente norte-americano, Joe Biden, o que permitiu a sua eleição).

Descredibilizada a nível internacional desde então, agora a ex-ministra das Finanças da Nigéria tem como compromisso restaurar a própria credibilidade do organismo, uma tarefa que muitos acreditam ser hercúlea. Para entendermos o tamanho do desafio da nigeriana, e segundo vários especialistas, muitos outros evitaram, a todo o custo, assumir o cargo agora ocupado por Okonjo-Iweala.

Apesar dos desafios, ninguém coloca em xeque as potencialidades da nova líder da OMC, que passou, por exemplo, cerca de 25 anos pelo Banco Mundial. O seu historial curricular é um exemplo para muitas pessoas e foram raras as vozes contrárias à sua eleição.

Contudo, mais do que olharmos para a capacidade de Okonjo-Iweala, uma capacidade inegável e que todos esperam que seja reflectida na OMC, também temos de olhar, obrigatoriamente, para o exemplo que a sua nomeação representa para África, mas também para as mulheres. A realidade é que raramente temos representantes africanos nos organismos de expressão mundial, muito menos mulheres. Portanto, esta nomeação deve ser aplaudida, por fugir ao padrão do que acontece há muitos e muitos anos.

É chegada a hora de todos fazermos uma reflexão e questionarmos este comportamento seguido há muitas décadas, de finalmente lutarmos por um equilíbrio representativo a nível geopolítico e de género. Neste mundo cada vez mais global, é necessário defendermos o pluralismo nos mais variados órgãos mundiais, não centrarmos as nossas escolhas sempre nas velhas peças do xadrez mundial, ou seja, um xadrez desde sempre inclinado para a Europa/Estados Unidos e para o género masculino.

Curiosamente, também temos hoje uma mulher na presidência da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que classificou a nomeação da nigeriana Ngozi Okonjo-Iweala na OMC como um «momento histórico para o mundo inteiro».

A líder do executivo comunitário não deixou de enfatizar a sua felicidade "por ver uma mulher africana" à frente da OMC). Esta simples frase de Ursula von der Leyen, "uma mulher africana", demonstra o longo caminho que ainda temos de percorrer hoje e no amanhã.

Ngozi Okonjo-Iweala tem, portanto, uma enorme carga de trabalho sobre as suas costas. Não só pela guerra que hoje travam os Estados Unidos e a China, não só por ter de reestruturar e reconstruir a credibilidade da OMC, mas também por ser uma mulher e ainda por cima oriunda de África. Desses três enormes desafios, o último nem deveria ser considerado. Todavia, tal não é possível, o que aumenta a pressão sobre si. O que esperamos é que a nigeriana cumpra com as expectativas e prove ser possível ter africanos nas grandes instituições mundiais, mesmo que sejam mulheres africanas.

Num momento decisivo para a história da OMC, uma entidade que precisa de ser reformulada com regras actualizadas e adequadas ao mundo de hoje, centrando-se muito provavelmente nas transformações sustentáveis e digitais da economia global, será precisamente uma mulher africana a ser o rosto da entidade.

Por último, refira-se que Ngozi Okonjo-Iweala vai assumir funções a 01 de Março e o seu mandato, que pode ser renovado, expira a 31 de Agosto de 2025. ¦

*Economista e especialista em Energia e Meio Ambiente