As autoridades locais demoram a reagir e só fazem comunicados mediante pressão social. O Presidente da República, João Lourenço, e os seus ministros não reagem com uma mensagem às famílias enlutadas e à Nação. Morrem cidadãos noutros países e há uma pronta e rápida reacção ao mais alto nível, mas com os nossos há um estranho e preocupante silêncio. Será que as vidas angolanas não importam? Quantas pessoas precisam de perder a vida para provocar uma reacção ao mais alto nível?

Parece haver, entre nós, um verdadeiro desprezo e banalização da vida, começando pela imprudência e intolerância de grande parte dos motoristas. Daqueles que ainda olham para estas estradas como espaços individualizados e não como um bem colectivo. Um desleixo e descaso das pessoas que deixam um pedregulho durante semanas na via pública e nada fazem. Mesmo perante a tragédia, há sempre dificuldades em prontamente deixar uma palavra de conforto às vítimas e aos seus familiares, em esclarecer aos jornalistas e à sociedade, em apurar-se responsabilidades e em criar condições de segurança. Mesmo em termos de critérios de noticiabilidade, percebe-se que surgem certas forças externas e ordens superiores que tudo fazem para se abafar o assunto.

Não se promovem debates e discussões em torno da segurança rodoviária, estado das estradas, policiamento e assistência aos sinistrados. Infelizmente, vivemos tempos em que não valorizamos a vida. Num passado recente, tivemos o caso de vítimas das chuvas no nosso País e em que o Estado angolano só fez uma nota de condolências após o Presidente e o primeiro-ministro de Portugal, Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa, respectivamente, terem-no feito. É preciso eliminar esse certo desprezo, falta de preocupação e descasos pelas nossas vidas. A vida está acima de todo e qualquer valor. Na era do "trabalhar e comunicar melhor", não se pode ignorar a morte de 21 pessoas numa mesma estrada nacional num curto espaço de nove dias. Temos de ter um Governo, uma sociedade e cidadãos que valorizem a vida. Temos de ter jornalistas e um jornalismo que coloque a vida e segurança dos cidadãos nas suas prioridades. Não podemos ter sentimentos diversos e opostos, quando está em jogo a vida e a dignidade dos cidadãos angolanos.

Quando vimos o próprio Presidente da República partir para o exterior em viagem privada, sem fazer um pronunciamento, sem deixar uma mensagem ao País pela morte de 13 cidadãos, é preocupante e também revelador que precisamos de ter outro olhar sobre a vida dos nossos cidadãos. Envia uma nota de condolências ao seu homólogo da Indonésia, pela morte de mais de uma centena de cidadãos daquele país (é justo que o faça), mas não deixa uma mensagem de conforto aos seus concidadãos? Tem de começar a existir uma tomada de consciência e uma nova atitude em relação ao assunto. O mesmo reparo se coloca, embora noutra dimensão e outro nível de responsabilidade, aos partidos políticos que devem, também, ter uma postura solidária e de atenção aos cidadãos. São precisas outras formas de ser e de estar na política. As estradas devem deixar de ser um local de morte e desgraça para os cidadãos.