Nesta edição, o Novo Jornal traz aos leitores aquilo a que chamo "o Discurso do Rei". Para além do soberano do Bailundo, foram abordados o seu advogado, a juíza de Direito e presidente da causa, Maria Imaculada Lussianga, bem como um trabalho do comunicólogo e professor universitário Celso Malavoloneke.

O Rei desmaiou na sala de audiências quando ouviu a sentença. Entretanto, o seu advogado interpôs recurso ao Tribunal Supremo, mas, enquanto isso, Ekuikui V cumpre uma espécie de prisão domiciliar na sua Ombala, no Bailundo, que fica a 75 quilómetros da cidade do Huambo.

Entretanto, 70 sobas da corte do Reino do Bailundo, acompanhados por populares, manifestaram-se contra aquilo que consideram "perseguição dos órgãos de Justiça do Huambo" ao Rei Ekuikui. Eles consideram o seu soberano inocente e que está a "pagar o preço" por "tratar todos os partidos de forma igual". O Reino do Bailundo está, neste momento, numa espécie de "estado de alerta" com sobas e populares dispostos a ir até às últimas consequências para protegê-lo.

Este caso levanta várias discussões e divide a opinião pública no confronto entre o Direito Positivo e o Direito Consuetudinário, o costume como fonte de Direito, o papel do poder tradicional, a existência, a competência e "legalidade" dos tais tribunais tradicionais, a relação entre as instituições do Estado, o poder tradicional, entre outras questões. Pode também ser essa a oportunidade para se iniciar um amplo debate sobre o papel, influência e quantidade (e qualidade) das autoridades tradicionais.

Ekuikui V, licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade José Eduardo dos Santos, nega-se a cumprir a sentença e diz que, de acordo com a tradição Ovimbundu, o Rei só pode ser julgado pelos seus pares e nunca por uma mulher (que é até sua súbdita), considerando, por isso, a acção do TPH "falta de respeito".

Todavia, esse caso revela contornos políticos, não fosse Ekuikui V um "Rei partidário" (é membro do comité central do MPLA). Os 18 milhões de dólares norte-americanos que diz terem sido autorizados pelo então Presidente, José Eduardo dos Santos, para a construção da sua Ombala, tarefa incumbida ao Governo da Província do Huambo (ao tempo de Faustino Muteka), não terão merecido critérios de transparência na gestão. No seu discurso ao NJ, Ekuikui V alega nunca ter visto "a cor do dinheiro" e que a construção da Ombala do Bailundo não obedeceu a critérios protocolares e a alguns rituais.

O soberano do Bailundo acredita também que a sua condenação pode ter sido uma "represália, "por ter recebido, nos seus aposentos (no ano passado), o líder da UNITA, Adalberto Costa Júnior. A condenação de Ekuikui V representa já a maior crise entre o poder político e o poder tradicional em Angola. Inicialmente, aquilo que parecia apenas uma questão de Direito, que gravitaria apenas em torno dos debates e discussões doutrinais entre Direito Positivo versus Direito Consuetudinário, acaba por ter fortes motivações, pressões e perseguições políticas.

Neste momento, o discurso de Ekuikui V é de um soberano magoado, indignado e ferido na sua honra. Vai ser necessária muita atenção, ponderação, capacidade de gestão e dialogo, equilíbrio e bom-senso, para que Bailundo não se torne numa réplica de Monte Sumi ou Cafunfo.