As eleições de 2017 trouxeram esperança para muitos angolanos, incluindo eu que não tenho partido. A promessa eleitoral abriu novos sonhos. A postura inicial foi suficiente para unir os angolanos em torno de uma nova e arejada perspectiva. Mas, como a "felicidade do pobre não dura", a realidade depressa mostrou que os fantasmas do passado não tinham sido exorcizados, que as práticas da primitiva acumulação de riqueza (que afundaram o País) reapareceram sem timidez, que o bloqueio e manipulação da informação se impuseram e que as autarquias foram enxotadas para fora do horizonte. A militância sobrepôs-se à lei, e toda a sorte de erros tem sido consentida.

A instabilidade governativa é notória com a mudança constante de ministros, governadores, embaixadores, directores de empresas públicas, autoridades policiais e militares, juízes presidentes, entre tantos outros. É ainda notória a manutenção de desgastados e polémicos membros na presidência e no Governo. As substituições têm servido apenas como distracção para desanuviar o pesado ambiente, numa versão moderna de Pôncio Pilatos, mas os substitutos não capazes de inovar nem de resolver os antigos problemas. É notória a sobreposição de planos, programas e projectos sem qualquer lógica e conexão. Essa constatação prova que a culpa da perda das guerras nunca é do sargento nem do soldado, mas, sim, do general que comanda as tropas. Sem um plano com políticas realistas, consensuais e que se atenham ao que é prioritário, a batalha está, desde logo, perdida. De nada serve deitar água limpa numa chávena com borras de café, quando 67% da população tem menos de 35 anos.

Estamos a viver um momento perigoso, pela falta de diálogo, pelas atitudes de extrema prepotência e sem uma liderança segura de si e do caminho que traçou para o País. Uma liderança que demorou demasiado tempo a optar entre o País e o partido e optou por escolher o partido. Uma liderança que se confunde no papel duplo que desempenha e não é capaz de separar as águas. Uma liderança que muda de opinião e de humor frequentemente e que não percebe quão escorregadia é a escada que está a subir suportada por pessoas que só são fiéis a quem detém o poder, enquanto o detém. Uma liderança sem um sentimento de pertença e sem um plano patriótico.

É notória a insatisfação popular, a ausência da paciência e do medo. De nada serve colocar as TPA"s a fazer o jogo sujo, pois o povo acordou e já não acredita nas teorias da conspiração. O MPLA vestiu uma camisa que não lhe serve. Tem dificuldade em mexer os braços e em respirar. Está a lutar para sobreviver e, por isso, perdeu o discernimento achando que vale tudo. O ano eleitoral começou da pior forma. Sucessivas manifestações e greves têm sido desencadeadas por protesto às condições de trabalho de diferentes classes profissionais. O povo adere porque já não tem esperança, nem mais nada a perder. A reacção institucional, em todos os casos, é grosseira. O Governo isenta-se, sistematicamente, de qualquer culpa e reage sempre com prepotência, esquecendo-se de que foi eleito para resolver os problemas do povo e não para lutar contra ele. Em democracia e com eleições justas, o poder está sempre na mão do povo.

Há, de facto, um macabro plano de ingovernabilidade em curso e está na ausência de uma escola pública universal e de qualidade; na ausência de políticas de saúde públicas eficazes; na incapacidade de dignificar a agricultura familiar; na maldade em garantir o acessório e desvalorizar o essencial; na inexistente diversificação da economia que impede o desenvolvimento do País; na ausência de saneamento básico universal; na ausência de um salário justo; na promiscuidade entre os três poderes, entre tantas outras insuficiências constitucionais. Macabro é um juiz andar de jaguar e um médico não ter sequer luvas suficientes para trabalhar. Macabra é a existência de "114 mil crianças, em 10 municípios, em risco de desnutrição aguda", o que quer dizer que têm FOME, num país que produz petróleo (Novo Jornal, edição 718 de 14 de janeiro de 2022).

A história de Angola, pós-independência, tem sido testemunha de trágicos presságios que descrevem, de forma esclarecedora, o longo processo de declínio da dinastia do MPLA. Karl Marx escreveu no seu Ensaio "O 18 Brumário de Luís Bonaparte" (Napoleão III, 1808-1873, primeiro eleito Presidente da República Francesa, em 1848, e depois autoproclamado imperador, em 1851): "A história acontece duas vezes: a primeira como tragédia e a segunda como farsa".