Na altura, chegou a afirmar que não tardaria e o povo estaria nas ruas de várias cidades de Cuba a reclamar por pão, liberdade e democracia. Claro que eu e mais dois dos presentes duvidamos dele e achávamos que estava a exagerar e até gozámos com ele, dizendo que o longo período longe da terra estava a deixar-lhe um tanto quanto desfasado da realidade. A discussão levou mais uns minutos e depois com um "ver pra crer" da minha parte.

Na última semana, fomos surpreendidos com manifestações por várias cidades de Cuba, onde os cidadãos protestavam contra as difíceis condições de vida, falta de emprego; gritavam por mais liberdade e democracia. As redes sociais foram tomadas por imagens e vídeos de tumultos, marchas e confrontos em várias localidades de Cuba. Sempre se pensou que em Cuba estivesse tudo controlado e harmonizado. Um embargo injusto e duro de suportar há já 62 anos veio encontrar na Covid-19 e no agudizar da situação económica um aliado para "arrastar" o povo para a rua.

Os angolanos, que têm para Cuba e com os cubanos um olhar sempre muito protector, afectivo, humano e assistencialista, além de surpreendidos acabaram por ficar divididos entre o velho "Patria ou Muerte" e o novo "Patria y Vida" que domina as ruas. E até agora ainda estão. Por cá, a comunicação social pública não faz notícias sobre as manifestações em Cuba num puro contraste com a informação diária sobre os tumultos na África do Sul. A ligação e a relação política entre as lideranças dos dois países fazem que não se mostre este momento mau do país irmão. É do tipo aquilo que não sabemos (ou não queremos saber) não nos vai afectar, e tratando-se de um país irmão, a solidariedade deve ser extensiva também por parte da comunicação social.

Os ventos do "Patria y Vida" já começaram a soprar em Luanda, e, nesta terça-feira, o Novo Jornal acompanhou uma concentração de quase três dezenas de cidadãos cubanos residentes cá e que se mostraram solidários com os seus compatriotas. Foi uma surpresa para a nossa equipa, para os automobilistas, transeuntes e para os agentes da Polícia Nacional que apareceram no terreno para aferir a "legalidade" da manifestação. Coragem, determinação, desejo de mudança, sede de justiça e luta por democracia marcam o momento protagonizado por eles. Gritaram palavras de ordem, houve música e depois uma passeata por algumas artérias da cidade com breves e simbólicas paragens em frente à Clínica Meditex e à Embaixada dos EUA, no Miramar.

Estava programada uma manifestação para amanhã, sábado, em frente à Embaixada de Cuba em Angola, na Cabral Moncada, mas não houve autorização por parte do Governo Provincial de Luanda. Até ao momento, não há um pronunciamento das autoridades cubanas cá e qual será a sua reacção. Certo é que ainda que, de forma tímida, os ventos e gritos dos manifestantes em Havana, Camaguey e outras cidades cubanas já começaram a chegar a Luanda. Por cá também já se grita: "Patria e Vida!" Por cá também há quem esteja disposto a arriscar a vida pela pátria, ou melhor, a dar a vida por mudanças na sua pátria. Que Cuba e os cubanos encontrem a paz, concórdia, harmonia e também liberdade!