"Não duvidem das nossas boas intenções relativamente a este passo muito sensível que estamos a dar, se quisermos olhar para o passado histórico dos nossos relacionamentos", afirmou João Lourenço, citado pelo Governo norte-americano. Para além de mostrar que pretende reforçar a cooperação com os EUA, o nosso "exímio xadrezista" admitiu mudanças no "jogo". O Chefe de Estado angolano continuou a sua exposição de forma detalhada, acabando por ser interrompido pelo secretário de Estado Blinken, que percebeu que João Lourenço está a abrir muito o jogo aos jornalistas presentes na sala, tendo-lhe dito mais ou menos assim, numa tradução livre que aqui faço: "Senhor Presidente, se me permite, lamento interrompê-lo. Talvez devêssemos deixar os nossos colegas da imprensa de fora disto e continuarmos o nosso encontro de forma detalhada. Desculpe-me tê-lo interrompido. Obrigado"! O "namoro" está a começar e ainda está na fase em que requer certa discrição e poucos "barulhos mediáticos".

Os EUA andam atentos e preocupados com a penetração e a influência da China no continente africano. Entendem que é urgente travar esta tendência e influência. A guerra entre Rússia e Ucrânia, uma África ainda muito "amarrada" a uma certa gratidão e lealdade à Rússia pelo apoio às lutas de libertação nacional e afirmação da soberania. São, sobretudo, estas duas presenças (China e Rússia), o seu domínio e influência que preocupam os EUA. É um claro jogo de interesses e influências. A localização estratégica, a influência de Angola na região da África Austral e dos Grandes Lagos também jogam a seu favor.

A cooperação militar com os EUA tem estado na agenda dos dois Estados, existindo programas de formação/treinamento no Ambriz. João Lourenço é militar de carreira e formado nas academias da antiga União Soviética, mas parece apostado em mudar de ares e de escolher novos parceiros, bem como quebrar velhas barreiras ideológicas. Joe Biden há muito que olha para África e para as suas questões concretas. No caso de Angola, é uma matéria que conhece de cor e salteado desde os tempos em que era ainda senador. Há mesmo um pronunciamento que lhe é atribuído pelo embaixador Manuel Eduardo da Silva Bravo, no artigo intitulado "A trajectória de admissão de Angola na ONU", publicado no Novo Jornal, de 27 de Novembro de 2020.

O artigo revela que o então senador Joe Biden, no dia 04 de Fevereiro de 1976 (por sinal um feriado nacional em Angola), fez a seguinte declaração no Subcomité dos Estados Unidos para África: "Só porque os soviéticos tiveram uma considerável influência sobre o MPLA, não é razão para termos de passar pela União Soviética. Parece-me que, pelo menos, temos de iniciar tentativas de dialogar directamente com o MPLA. Eu espero que possamos fazer isso. Não estou de jeito confiante de que isso ocorra, mas parece-me que faria sentido se assim procedêssemos". Essa paixão americana já é antiga e agora tem aumentado de intensidade. Há 40 anos, e com o então senador Biden, era assim algo platónico, e agora com o Presidente Biden é algo que se vai consumar efectivamente.

Grande parte da elite castrense angolana foi formada nas academias militares da antiga União Soviética, tem uma ligação, certa gratidão, respeito e consideração pelo conhecimento lá adquirido. Como aqui já disse, João Lourenço é um dos casos. Um facto interessante foi ver que o arsenal bélico apresentado durante a sua cerimónia de investidura era proveniente da Rússia. É claro que esta paixão americana na visão do Chefe de Estado angolano se assume como necessária e prioritária.

Angola não tem de ficar permanentemente "amarrada" aos velhos parceiros, isso estamos de acordo. Mas também não pode soltar-se de uns para se ir "amarrar" a outros. Se há interesse de Angola em comprar armamentos aos EUA, que tipo de armamentos são esses, em que quantidades e quais os valores em jogo? Se Jonas Savimbi pediu os Stinger à Administração Reagan, o que terá João Lourenço solicitado à Administração Biden? "Ficámos satisfeitos por saber que Angola está interessada em possíveis compras aos Estados Unidos e estamos a trabalhar com o Departamento de Estado para responder ao seu pedido". Esse pronunciamento do secretário de Defesa norte-americano acabou por ser o ponto mais interessante do encontro com o Titular do Poder Executivo angolano. É a paixão americana.


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