Quando, por isso, há três anos, João Lourenço chegou ao poder e disse ao que vinha, aplaudimos logo em uníssono as suas intenções. Porquê?

Porque estávamos fartos do antigo monopólio. Estávamos cansados de ser coisificados por quem, detendo o monopólio do pensamento comunitário e querendo pensar por todos nós, afinal, há muito que havia deixado de pensar.

Contra a oposição interna de alguns sectores do MPLA, João Lourenço ergueu a cruzada anti-corrupção e, ao dar uma moratória para os infractores espiarem os seus pecados rumo à tentativa de moralização da sociedade e ao fim do ciclo da impunidade, voltou a ser aplaudido.

Com o tempo, liderou a abertura política do regime, descomprimiu a sociedade, começou a desinfectá-la com potassa e esfregão e, com isso, ao fazer renascer esperanças perdidas, viu-se envolvido numa merecida áurea de confiança por parte da população. E com isso, vieram novos aplausos.

Eufóricos e cegos com esses aplausos da maioria da população e até de vastos sectores da oposição, mal sabíamos, porém, que estávamos (novamente) a (re)começar mal.

E ao congratularmo-nos com a chegada de uma nova era e de um novo pensamento, ignoramos o conteúdo do baralho de cartas que nos estava a ser colocado em cima da mesa.

Sendo boas as intenções do Presidente, limitamo-nos a esboçar, em voz baixa, um sorriso cínico e amargo como sinal de encubada desconfiança em relação algumas dessas cartas.

Cá fora, passamos a vociferar contra a nomeação de certas figuras ou a manutenção de outras. Lá dentro, porém, nunca ninguém, até hoje, teve a coragem de as questionar.

Aos poucos, esse tempo foi destapando, porém, a existência de um saco misturando batatas boas e pobres. Pagos para (não) pensar pela própria cabeça em voz alta, aqueles que pensam que o Presidente deve pensar e decidir sozinho, cometem um erro tremendo.

Se é para voltar a pensar, como no passado, que o Presidente deve pensar e decidir sozinho, então porquê que precisa de ter o séquito de assessores e colaboradores que o rodeiam?

Estávamos, afinal, em presença de um baralho cheio de cartas antigas. Mas, sobretudo, de cartas viciadas. Nalguns casos, muito viciadas.

Porquê?

Porque formou-se um novo governo, mas, com essas cartas, não se formou um governo novo. Há uma montra nova, mas o armazém é o mesmo. E com isso, ao não se ter assistido a nenhum sobressalto, "entre o prazer do risco e o conforto do conhecido", preferiu-se o sofá.

Com o sofá, vieram os resultados que estão à vista. E, agora, começam a deflagrar queimadas por todos os lados, mas, em cena, só se vê um bombeiro a tentar apagar os incêndios.

Acontece que esse bombeiro não é nenhum super-homem e não tendo capacidades infinitas, quanto mais precisa de apoio, mais este se lhe escapa porque quem na rectaguarda deveria sair em socorro, acha que a chave de todos os problemas reside exclusivamente no Presidente. Erro crasso.

Mas esse não é a única entropia. Há outras. Uma delas, é que uma parte significativa dos Ministros e outros auxiliares do Presidente aparentando tranquilidade e uma espantosa clarividência sobre diversos dossiers, uma vez postos no Palácio balbucia e não consegue defender com cabeça, tronco e membros as suas teses.

Diante do Presidente, falta-lhes lucidez e coerência e saem da Cidade Alta como entram: com uma mão cheia de nada.

Diante do Presidente, não consegue transformar as audiências num diálogo franco e aberto entre políticos que partilhando a mesma causa, pode ter, porém, visões diferentes.

Diante do Presidente mostra-se comprometida com a mudança dos tempos, mas as vontades ainda são as mesmas.

Diante do Presidente mostra-se aparentemente temerosa com a mudança dos tempos judiciais, mas à mesa sentam-se antigos e novos comensais.

Diante do Presidente, muitos dos que o rodeiam, na verdade, não são o que são. Ao agirem como agem, não o fazem, no entanto, por acaso.

O silêncio e o posicionamento desses governantes e políticos permanentemente em cima do muro, permite-lhes endossar o cheque de todas as responsabilidades para cima de quem os nomeou.

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