Com eleições à vista, fechámos a semana passada com o tempo adensado de incertezas, repleto de dúvidas e carregado de evidências de fadiga por parte de algumas peças do xadrez governativo.
Com a campanha eleitoral em preparação, iniciámos esta semana com a sombra do Tribunal Constitucional a pairar sobre o XIII Congresso da UNITA que elegeu Adalberto Costa Júnior como seu terceiro Presidente.
Com o desvario em andamento, assistimos paradoxalmente também ao envolvimento de alguns sectores do MPLA numa ampla campanha de promoção da sua imagem. E no final da semana, o mesmo MPLA brindou-nos com um festival de "martirização" do líder do maior partido da oposição.
Os fantasmas criados à volta deste clima intoxicante não foram, no entanto, suficientes para refrear a esperança e os ânimos no Centro de Convenções de Talatona, onde acabaria por ser proclamada a FPU - um modelo de plataforma eleitoral "ad-hoc" cozinhado à medida para contornar eventuais obstáculos (artificiais ou reais) jurídicos.
Empurrado para a secretaria, o desfecho político que no campo administrativo opõe MPLA e a oposição, mesmo podendo ter o Tribunal Constitucional decidido legitimamente separar as águas e pôr ordem numa eventual transgressão estatutária registada à data da eleição de Adalberto da Costa Júnior, só se resolverá a contendo dos cidadãos no terreno de jogo.
Vivemos de fantasmas que não deixam de destapar o buraco negro daqueles que dos dois lados, cegos pelo poder, pensam muito e só nos votos, mas muito pouco ou quase na inteligência dos cidadãos, acabando por colocar aparentemente o Tribunal Constitucional de 2019 contra o Tribunal Constitucional de 2021.
Estes fantasmas, cavalgando sobre mentes despovoadas de lucidez política, ao adubarem falsas expectativas entre gente tola, estão a acentuar a percepção de que corremos o risco de continuarmos a ser sequestrados por segmentos partidários que se tornaram liberticidas e que resistem às novas dinâmicas da sociedade e às crescentes exigências dos cidadãos.
Estes fantasmas revelam que permanecemos acorrentados à visão míope da nossa "elite do atraso", que, acantonada em ambos os lados da barricada, promove a mediocridade política que besunta o cérebro daqueles que, arreando as calças, não se importam de vender a sua independência intelectual e de ser humilhados na sua dignidade pessoal.
Apuradas as eventuais irregularidades, o afastamento temporário de Adalberto Costa Júnior da liderança da UNITA, ao ter um efeito contrário, pode vir a fortalecer a coesão no seio da UNITA e a reforçar a sua legitimidade como líder da Plataforma Eleitoral - FPU.
Mas, assim como chegaram, estes fantasmas vão também acabar por desaparecer num tempo em que, nunca como agora, se falou tanto de alternância, de rivalidades e de sucessões.
Num tempo em que, nunca como agora, a berraria foi tão estridente. E o silêncio tão ruidoso, assim como a hipocrisia tão densa. Mas, também nunca, como agora, foram tão azedas as dúvidas e tão amargas as incertezas.
Dúvidas e incertezas que revelam uma clara certeza: quem está no poder não vai querer entregá-lo de mão beijada. É legítimo?
Absolutamente legítimo, mesmo que essas dúvidas e incertezas existenciais desfilem desgastes, destapem o receio de o tapete fugir debaixo dos pés e, até muitas vezes, coloquem a nu o medo da própria sombra.
Absolutamente legítimo desde que, na hora do sufrágio, a eficácia do desempenho governativo no cumprimento dos deveres de casa seja capaz de convencer os cidadãos a continuar a dar o voto de confiança a quem governa para prolongar o seu tempo de permanência no poder.
Mas, as dúvidas e incertezas confirmam igualmente outra inequívoca certeza: quem está na oposição também vai fazer tudo ao seu alcance para alcançar o poder.
É legítimo?
Absolutamente legítimo desde que a conquista do poder seja feita dentro dos marcos políticos civilizacionais da luta democrática.
Absolutamente legítimo porque em democracia a alternância política constitui uma variável incontornável na luta pela conquista do poder e funciona como um estimulante para qualquer oposição séria, coerente e verdadeiramente comprometida com o futuro.
Não estando, num caso, os deveres de casa a serem cumpridos a contendo e, noutro caso, desconhecendo-se o ideário de quem aspira a assumir o trono, à medida que se aproxima o tempo de antena eleitoral, vão aumentar as ansiedades e avolumar-se-ão também as frustrações de parte a parte.
Para a oposição, o Governo ao longo destes anos de liderança de João Lourenço não fez absolutamente nada. Para o Governo, a oposição não apresenta nada de novo como alternativa ao seu programa de governação.
O Governo vai sentir-se confortado ao ver os jornalistas criticarem a oposição por esta revelar muita opacidade na apresentação daquilo que pretende oferecer de diferente aos angolanos.
A oposição vai sentir-se gratificada ao ver os jornalistas denunciarem actos de má governação, uma irreprimível tentação para o culto de personalidade, para a previsibilidade e para a partidocracia.
Quem está no poder, ao controlar a máquina do Estado, à partida tem a vantagem de poder vir a encetar, sem parar até as eleições, um longo ciclo inauguracionista tendente a tentar apagar a má imagem criada por alguns governantes.
Mas, quem está no poder ou exibe uma notável habilidade política para convencer o eleitorado ou se arrisca a ver descascadas as pandemias que a sua governação vem acumulando: cansaço, clientelismo, incompetência e corrupção.
Quem está na oposição tem toda a legitimidade para aspirar a ser poder, mas para o fazer tem de abrir o jogo sob pena de continuar a cair na rotina da crítica pela crítica à governação. Ora, se isso pode abalar quem governa, não chega, porém, para colocar na sua rota gente portadora de massa crítica diferenciada, mesmo percebendo que alguns ventos que batem nas costas aconselham a deixar o tempo correr.

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