Infelizmente, 18 anos depois da instauração da paz, a vida do povo é uma agonia. Em momento nenhum foram criados programas realistas, eficazes e sustentáveis para ajudar a diminuir o sofrimento diário de milhões de angolanos. E quando pensávamos que neste tempo de COVID o Governo iria ser sensível ao facto de o povo não conseguir continuar a viver com a pesada herança do passado aliada a este tempo de restrições económicas, de mais perda de emprego, aumento do preço dos bens de primeira necessidade de novos gastos para os quais não existe capacidade familiar para os suportar, somos confrontados com uma mão cheia de nada.
Em Angola, não existe instituição pública ambulatória que ofereça um prato de sopa diário a quem não tem comida. Que ofereça roupa a quem anda nu pelas ruas porque perdeu o sentido da vida e enlouqueceu ou às crianças que, em tempo de frio, morrem de pneumonia nas províncias por falta de um casaco, como acontece na comunidade SAN e noutras comunidades. Não existe nenhuma instituição pública que, à semelhança das Misericórdias e Associações vocacionadas para este tipo de ajuda, que existem no primeiro mundo e são a mão invisível dos desvalidos, dos sem eira nem beira, dos desempregados, das mães solteiras abandonadas, dos órfãos e dos velhos que não têm família (e não me falem no Lar Cuzola ou do Beiral que não chega para a demanda).
Exemplos de sucesso como o da ADRA (Acção para o Desenvolvimento Rural) estão há 10 anos à espera de um Estatuto de Utilidade Pública, não obstante todas as suas acções e programas serem públicos e auditados. É por esta razão a lista das organizações que receberam este Estatuto de Utilidade Pública devia ser publicada para que pudéssemos avaliar o sentido desta utilidade, porque são muitas e não sabemos que utilidade estão a dar ao nosso dinheiro. De recordar que um dos programas que a ADRA tem desenvolvido em vários municípios onde trabalha como responsabilidade social da organização é o de atenderem à necessidade de a mulher grávida fazer o mínimo exigido de consultas pré-natais que protejam a segurança do bebé e da mãe.
O programa consiste em transportar de carro as grávidas das suas aldeias até ao centro de saúde para as consultas que, muitas vezes, estão a dezenas de quilómetros. Com isso, a ADRA conseguiu diminuir a mortalidade materna e neonatal. O incentivo é dar as mães um KIT para o bebé. Um programa simples, barato, honesto e que salvas vidas. E ainda assim, no meio de tantas acções da educação agrária à ajuda aos camponeses para a construção de cooperativas que há 25 anos e de forma consequente e eficaz têm trabalhado, muitas vezes em sítios onde nem as autoridades vão, ainda assim, o Governo não lhes reconhece qualquer utilidade.
O Governo nunca se preocupou em criar um programa de assistência social para os casos mais graves, porque achou que o crescimento que o País conheceu no tempo das vacas gordas, em que País quase cresceu 13% ao ano, iria ser suficiente para alegrar a vida dos mais pobres. Erro crasso. O crescimento jamais se transforma em desenvolvimento se não existirem programas credíveis baseados na ciência que os promovam para liderar esta transformação que nunca é automática. A ausência de preocupação é tão grande que nunca foi pensado um sistema assente na fiscalização e avaliação feita por assistentes sociais em cada bairro que ajudaria a criar estratégias de mitigação dos casos mais dramáticos, salvaguardando a integridade destas pessoas, na sua maioria crianças e jovens.
Ao fim de um ano de Estado de Emergência e Situação de Calamidade, a vida dos pobres é um acto de coragem diária que desafia a Física, a Lei de Murphy ("Nada é tão ruim que não possa piorar") e a Fé. A fome que mata 46 crianças por dia de Fome (porque o Governo fechou 286 centros de nutrição terapêutica) e que está a colocar outras milhares de crianças na rua à procura de um pão pela rudeza das condições de vida no seio familiar, privilegiando um caminho ao encontro da droga e da prostituição infantil. A pandemia desviou o olhar do Governo de problemas muito sérios entre os quais se encontram os doentes seropositivos que de acordo informação da ANASO morrem 48 doentes por dia em todo o país, com uma taxa de novas infecções que rondam os 26 mil casos a cada ano, equivalente a 71 casos por dia. Não podemos obviamente esquecer a tuberculose, a malária, a febre tifóide e as diarreicas agudas, que matam milhares de angolanos todos os anos e que nos hospitais não encontram as condições esperadas para a multidão que todos os dias a eles acorrem. "Muitas vezes o doente passa por vários hospitais sem conseguir acesso pela lotação", informação prestada pelo Presidente do Sindicato dos Médicos que permite ter uma ideia do desespero das famílias. O País está a tornar-se num cemitério em que cada um de nós não tem a certeza se não será a próxima vítima.
O aumento exponencial da criminalidade que todos os dias ceifa vidas causando inquietação colectiva, sobretudo nos bairros onde os assaltos, as violações de mulheres e crianças e a luta entre gangues são constantes. A inflação continua a aumentar e, de acordo com o Jornal Expansão, "desde 2017 Angola não tinha uma taxa de inflação tão elevada". A comida, a saúde e os transportes encontram-se entre os preços que mais subiram e são aqueles que mais impacto negativo têm na vida das pessoas. As promessas de atracção de investimento público, sério e sustentável fora dos diamantes e do petróleo estrangeiro têm parido um rato, pela ausência de condições do País que se assemelha a um velho Lada cacimbado pela ausência de manutenção adequada e sem qualquer garantia de segurança, que foi todo pintado, tem jantes novas e brilhantes e surge em campanhas de marketing na Euronews, pagas a preço de ouro com o nosso dinheiro, como se fosse um Lamborghini acabado de sair da fábrica. O dinheiro dos outros deu trabalho a conseguir e por isso não o desperdiçam como nós e o investimento deles exige a existência de outros itens que têm sido constantemente ignorados.
O que importa aqui ressaltar é que nunca tivemos mecanismos de mitigação das crises económicas que nos assolam em tempo de paz. As empresas são sufocadas com impostos como se fossem a última solução de construir receitas. Não há incentivos para quem emprega desempregados. Não há incentivos para quem emprega deficientes. Não há compreensão pelo tempo de encerramento em tempo de calamidade dos vários tipos de actividades (turismo, restauração, creches, eventos, entre outras) e a construção de programas para que possam ajudar a reerguerem-se e a voltarem à sua condição de contribuintes sem penalizações face à incapacidade de cumprimento de alguns dos seus deveres. Não existem programas de mitigação da pobreza (e que ninguém me fale dos que fingiram combater a pobreza que foram uma verdadeira vergonha e perda de uma quantidade obscena de dinheiro que é nosso) que ofereçam um banho, uma cama por uma noite, um medicamento ou um prato de sopa. Não há na verdade nenhum serviço de assistência social eficaz e eficiente que cumpra os seus objectivos, como exige um Estado de Direito decente.
A solidariedade não tem sido incentivada nem cumpre nenhuma urgência nas políticas públicas. Devíamos aproveitar os milhões que estão a ser recuperados aos corruptos, que não sabemos para onde vão e que na verdade já são do povo, para criar programas de assistência social enquanto o país não se endireita. Nenhum país com sentido ético e a vender petróleo permite que os seus habitantes morram de FOME. Até hoje, 46 anos depois, o único programa a que o povo teve acesso, sem reservas e se tornou universal, é o Programa "DESENRASCA-TE SOZINHO QUE TU ÉS CAPAZ". Espero que o Governo mostre quão eficaz foi este programa, ao longo de tantos anos, felicitando o povo pela sua resiliência, quando estiver em campanha em 2022.