Importa informar que, de acordo com o relatório dos Objectivos do Desenvolvimento Sustentável, de 2018, "a taxa líquida de frequência escolar no ensino secundário era de 43% para os rapazes e 37% para as meninas". Se as taxas de frequência já ficavam aquém do desejável, com estes emolumentos oficiais milhares de adolescentes ficarão impedidos de quebrar o ciclo de pobreza e estão destinados a um futuro sem profissão. Em Novembro de 2020, a HANDEKA, a MOSAIKO e a REDE DE EDUCAÇÃO PARA TODOS enviaram uma carta aberta a Sua Excelência Senhor Presidente da República a alertar para o perigo e injustiça desta medida e divulgaram a mesma em conferência de imprensa conjunta.

De acordo com a opinião do Professor Doutor Alves da Rocha, director do CEIC, da Universidade Católica de Angola, "a orientação do FMI para a política orçamental, em Angola, assenta na consolidação fiscal, no aumento dos impostos e na redução da despesa, descurando o social, o crescimento económico e a qualidade do gasto público". Mas, o FMI não vota e não é angolano, se é que a minha analogia é por vós entendida. O que eu quero dizer é que o Ministério das Finanças não deve implementar medidas que sejam absolutamente contrárias à felicidade do povo, à redução da pobreza e do crescimento sustentável. Das duas uma ou não conhecem a realidade do País ou têm um plano B de promoção do desenvolvimento, combate à pobreza e ao desemprego que passa por outra solução que dispensa a Educação. Se não têm plano B, deverão ter a hombridade e o patriotismo de encontrar forma de financiar as despesas públicas sem colocarem em risco a educação.

A escola pública deve ser a mais importante Instituição Social do Estado, a mais valorizada, a mais protegida e a mais bem financiada. Isto foi o que fizeram todos os países que se desenvolveram mesmo sem ter os recursos que Angola tem. São sobejamente conhecidas as deficiências e insuficiências do Sistema de Educação em Angola. Infelizmente, muitos de nós andamos há anos a berrar no deserto sem conseguir que a governação olhe para a educação como o único pilar que promove o desenvolvimento de qualquer país. E, infelizmente, temos assistido ao surgimento de alguns peritos que se decidiram a reinventar a roda e consideram que a educação, afinal, não é importante para o desenvolvimento do País e, por isso, pode ser tratada de forma acessória.

Não sei se o Ministério das Finanças sabe que apenas metade das crianças que sai do Ensino Primário ingressa no I Ciclo do Ensino Secundário e que nesse nível a taxa de abandono precoce é épica. Isto tem a ver, sobretudo, com a necessidade de todos os membros da família contribuírem para o incremento do rendimento familiar, trabalhando onde puderem, mercado informal, lavra, pastorícia ou em casa a tomar conta dos irmãos mais novos.

O que é dramático e imoral é que o Ministério das Finanças (MINFIN) nunca se tenha importado com o estado lastimável das escolas, e isso é visível na exiguidade do OGE, que, para a Educação, nunca passou de um dígito, contrariando a tendência de muitos países africanos que há anos atribuem um orçamento com dois dígitos a este sector. A maioria das escolas secundárias também não tem água, muitas não têm luz, material didáctico, bibliotecas ou sequer uma casa de banho que cumpra com os mínimos olímpicos da salubridade e da higiene. Esse fenómeno (falta de higiene) não é exclusivo das escolas, pois, recentemente, estive a assistir à defesa de uma tese na Faculdade de Ciências Sociais, da UAN, onde cheiro a urina era de tal forma insuportável que aleijava mesmo as narinas mais blindadas. Para já não falar das escolas secundárias que funcionam em instalações precárias e sem qualquer dignidade. Também nunca vimos o MINFIN pensar num Fundo de Apoio Social para os alunos que não têm condições de continuar a estudar por falta de rendimento das suas famílias e, por isso, abandonam a escola precocemente.

Angola nunca conseguiu garantir uma escolaridade obrigatória, que já devia ser até à 12.ª classe (45 anos depois da Independência) e ainda é apenas até à 6ª. De acordo com o UNICEF, 22% dos alunos nesta faixa etária estão fora do sistema. Apenas 11% têm acesso ao Pré-Escolar, não obstante Angola ter ratificado os Objectivos do Desenvolvimento Sustentável, comprometendo-se a colocar 100% das crianças no Pré-Escolar até 2030.

Nós pagamos todos os impostos que nos cobram. Mas não vemos o Governo garantir os direitos que eles conferem. A saúde que o Estado diz ser gratuita, por falta de rigor e de meios na maioria dos hospitais públicos, é paga pelo utente que deve ser responsável pela compra da maioria dos materiais que vão ser necessários para a sua cura. O ensino obrigatório, que o Estado diz ser gratuito, é comparticipado pelos pais, pois a maioria das escolas primárias não são unidades orçamentadas. Pagamos taxa de circulação e não temos uma única estrada (salvo na cidade alta) que não tenha buracos. A taxa do Lixo é o descalabro que conhecemos. Os exemplos negativos são os mesmos, independentemente do ângulo pelo qual olhemos para a luta entre receita e o benefício social, mesmo até quando nos referimos ao salário mínimo da função pública, que é uma vergonha.

O Decreto tem uma salvaguarda para o não-pagamento dos emolumentos, caso as crianças apresentem um Atestado de Pobreza emitido pelas Administrações Municipais ou Comunais. Mas, o ATESTADO DE POBREZA NACIONAL nem precisa de ser emitido, uma vez que é visível, mesmo para os míopes, nas aldeias, nos municípios e nos bairros de todas as cidades angolanas. A fome que mata 46 crianças por dia, o desemprego que se está a tornar incontornável, a elevadíssima taxa de fecundidade que permite que todos os anos nasçam 1 milhão de crianças e a ausência de serviços sociais decentes, honestos, eficientes e realistas para atender a este crescimento desenfreado da população deviam constituir uma séria preocupação.

Triste é termos a consciência de que as dores do povo não são visíveis do conforto dos gabinetes, nem dos luxuosos carros com vidros fumados. As dores do povo são mesmo só dele, sem ninguém que o valha, sem alternativa nem futuro. Um povo que perde a esperança, perde ao mesmo tempo o sentimento de pertença e o medo, e isso pode perigar o futuro e já ser um rastilho para o descontentamento que tem sido crescente nos últimos anos. Não esquecer que hoje os pobres são milhões. E como sabiamente o MPLA tem repetido "contra milhões ninguém combate".