O pleito eleitoral daquele ano representou a chave da reconquista da integridade moral perdida nas páginas de uma história sem escritos pujantes ou bravos testemunhos.
Lembro-me de que foi a partir de 1994 que ganhei consciência do ambiente à minha volta.
Sob a regra de engolir em seco, os cálices transbordavam vinho nas palavras que instigavam o pensamento a despir-se de qualquer tentativa narcisista e a ver-se ao espelho como um reles infeliz parido num manto pário.
Mais tarde, quando surgiram as elites e os seus deleites, quem estava fora da circunscrição parecia que tinha de se ajoelhar e quase implorar para ser visto como cidadão preenchido de dignidade, direitos e não apenas de deveres.
A "bola de neve" estendeu-se das escolas para os postos de trabalho, e gigantescamente o adágio das "cunhas" materializava todos os sentidos. Enfileirada, a desgraça seguia pelas ruas, dissipando o rasto da felicidade.
Na rádio, Paulo Flores driblava os tempos com uma poesia jamais vista, na pena e prosa do jornalismo vanguardista, Aguiar dos Santos, William Tonet, Reginaldo Silva e Graça Campos enfrentavam um Golias numa arena de Roma, o que resgatava um pouco o sentimento especial ditado pelo movimento.
Ao abrir o Jornal, não havia a saudade que o Pop Show e os Afra Sound Stars eternizaram nas melodias da minha infância, e a realidade oculta transpirava o medo dos nossos olhos que, desdizendo o poeta, não estavam secos, muito pelo contrário.
A arbitrariedade dos excessos era uma bandeira erguida com um balaústre de autoritarismo e condutas abusivas que foram crescendo como uma febra fúria.
A sensação de que tudo girava apenas para um ciclo único e singular construía apressadamente o desapego patriota, o desleixo e o desejo de atracar a âncora noutro porto qualquer.
A normalização desta confluência anómala trouxe vícios como o compadrio, corrupção, incompetência e a inflexibilidade de cidadãos estrangeiros que não respeitam as leis, esta terra e sua gente. Quantas histórias já ouvimos sobre angolanos que são maltratados, desrespeitados, mal pagos por empresas e seus chefes expatriados? Quem nunca assistiu ao absurdo em restaurantes e lojas? Nas empresas chinesas ou em espaços de atendimento ao público? Onde está o respaldo das denúncias feitas ao SIC, MAPTSS, Ministério do Comércio, INADEC e AADIC?
Tudo isto seria improvável numa projecção inversa, ou seja, jamais um empresário angolano se sentiria desprendido de mais para agir de modo indecoroso em França com um cidadão francês, em Portugal com um cidadão português ou no Brasil com um cidadão brasileiro. E porque será?
A sensação que há é que, em Angola, o sistema é falho ou existe uma crise de valores da justiça, na medida em que não há acolhimento dos imensos gritos e vozes. Como escreveu Montesquieu, "o exercício dos direitos, através do recurso à justiça, revela um desejo ardente de fazer que a justiça seja feita".
Ninguém deveria ser movido pelo medo, quer de outros cidadãos, quer do Estado, e o País não pode continuar a figurar a desigualdade de direito e a perpetuar a inércia e a desmoralização das instituições.
Foram algumas destas situações que me fizeram apostar tudo em 2017 e me levaram a aplaudir determinadas decisões, com vista ao fim da impunidade, da má governação, da falta de transparência e do tráfico de influência.
O senso do tanto de metamorfismo e a satisfação implícita que se instalou na primeira eleição do Presidente João Lourenço foram sobejamente diferentes do que se viveu em 1992 e sem bases para determinadas analogias. Porém, os anos que se seguem parecem ter várias similaridades e fazer eclodir internamente um intenso dissabor e descrença.
Os influxos ainda são parte do processo, a actuação institucional continua a ser um mecanismo atípico, e o cidadão continua a morrer na praia afogado pelos monstros marinhos que vêem a paisagem como sendo unicamente deles.
Apesar de algumas mudanças, os acima da lei fazem a dança dos lobos e vangloriam-se de terem ligações no sistema que mais parece pronto para intimidar do que honrar.

As armadilhas e a longa espera não irão atrapalhar a jornada de quem já decidiu lutar por si mesmo, de quem ainda tem fé na harmonia das coisas e na sobreposição da verdade. E se os cidadãos por aqui se regem por conta própria, o mais certo será atirar a toalha ao tapete e desistir do enredo e do chavão eleitoral!