Trocaram os ideais de Novembro pelo enriquecimento rápido e desmesurado de um pequeno grupo que ignora o Povo e se recusa a adoptar "uma política de direitos sociais, económicos e culturais como garantia de dignidade ampliada numa sociedade muito desigual", como escreve o sociólogo Boaventura Sousa Santos.

Quarenta e sete anos depois, abortaram à nascença a criação do "Homem Novo", aquele que, dotado de conhecimentos científicos, culturais, de altruísmo e patriotismo, colocaria o colectivo - elemento central da construção de uma sociedade próspera - à frente do individual.

Esqueceram-se de preparar gente para administrar o País e, em seu lugar, criaram "jovens turcos" vazios, feitos políticos à pressão, com a missão central de proteger e papaguear a fala ou ideias (quando existem) do chefe, seja ele qual for.

Para isso, apostaram na acefalia dessa juventude, no combate à irreverência e ao inconformismo dos jovens críticos que defendem os valores da solidariedade e da igualdade.
Quarenta e sete anos depois, o supérfluo tomou o lugar do fundamental, os políticos fizeram do País coutada pessoal e dos seus herdeiros, deixando para trás a maioria a quem retiraram inclusive o direito de sonhar com um amanhã normal.

Substituíram a Comunidade e sua cultura pelo comité do partido, empobrecendo a sociedade, transformando Angola, País de imensos recursos e potencialidades, em Estado falido e miserável com dezenas de milhões de famintos, enquanto criavam milionários, bi ou multi.
Passaram de ajustes directos de vidatel e candandos para omatapalos e carrinhos sem qualquer carinho pela população que vive abaixo do limiar da pobreza e continuam a fazer dos lugares políticos o trampolim para o enriquecimento pessoal.

Quarenta e sete anos depois, o ter é mais importante que o ser, o Lexus ou Vx e outros despudorados luxos dos privilégios dos políticos, sustentados pelo OGE, têm a prioridade que é recusada à Educação e à Saúde.

Enquanto isso, a generalidade dos cidadãos angolanos continua sem nada, nem esperança e muitos disputam, diariamente, com cães e ratos, restos de comida pútrida em contentores de lixo.A elite política usa os recursos nacionais para alimentar luxos palacianos em vez de apostar em luxuosos pensamentos capazes de retirar o País do marasmo em que se encontra e transmitir esperança à população.A mentira e a trapaça foram institucionalizadas, a crítica e o protesto, criminalizados, provocando o novo êxodo de jovens, sobretudo para Portugal, em busca de liberdade e dignidade para as suas vidas, sob olhar ocultador da classe política e da capturada comunicação social.

Quarenta e sete anos depois, o País parece um prostíbulo a céu aberto, onde a prostituição e pedofilia políticas se misturam com a forçada prostituição de crianças e jovens que lutam diariamente pela sobrevivência, por um prato de feijão, debaixo do olhar imperturbável das elites políticas.
Fizeram-se políticos de Lexus com vidros fumados para não verem a miséria à sua volta e não serem vistos pelos miseráveis que a sua opulência e desumanidade criaram e normalizaram.
Tal como na "República de Santa Bárbara, Relato particular sobre a Cidade Capital", de Jacques Arlindo dos Santos, o País continua a ser dirigido por "um grupo de pessoas comprometidas com a incompetência e a desonestidade".

Quarenta e sete anos depois, a Igualdade, o Desenvolvimento e a Justiça Social permanecem como miragem numa sociedade com políticos egoístas, reacionários e antipatriotas, que disseminam o ódio aos pobres e criam pobreza à velocidade da luz.
No País em que até o assistencialismo tem cor de camisola, a classe política continua a transferir as causas da pobreza para o indivíduo, ignorando que elas têm a ver com a organização política e social que leva famintos a abraçar a morte como a solução definitiva do seu drama.
Transformaram os tribunais e a comunicação social em co-autores do simulacro de democracia. Por isso, o País precisa, urgentemente, de se reencontrar consigo mesmo para redefinir as suas estratégias e travar o processo de neocolonização em franco progresso.
Os políticos continuam a preferir estrangeiros, considerados como divindades, e a rejeitar e a duvidar das capacidades dos nacionais, mesmo quando esses são manifestamente melhores.

Quarenta e sete anos depois, os angolanos ainda morrem aos milhares de doenças curáveis ou tratáveis preventivamente, como a malária, já erradicada nalguns países africanos, nomeadamente África do Sul, Botswana, Cabo Verde, Comores e Essuatíni (Ex-Swazilândia).
No País com uma das mais elevadas taxas de mortalidade infantil do Mundo, assiste-se impavidamente ao turismo de gestantes angolanas que fazem "das tripas o coração" para ver os seus filhos nascerem em Portugal em condições de segurança e dignidade hospitalares que garantem a sobrevivência de mãe e filho.

Quarenta e sete anos depois, a mediocridade aliada à ausência de consciência histórica da elite política mata o heroísmo de Ngola Kiluanje, Njinga Mbande, Muandume, Lweji, Kimpa Vita, Ekwikwi II, Muatxiânvua e tantos outros que resistiram contra a ocupação estrangeira, pela liberdade e dignidade de sermos "nós próprios".
O País multiétnico e multilingue, traduzindo o mosaico cultural nacional, vai sendo transformado em Estado mono, através de um assustador processo de desafricanização que inclui o apagamento de elementos identitários bantu.

Quarenta e sete anos depois, o medo, nomeadamente de perder o emprego, de ficar afastado da progressão social, de ser molestado ou ver familiares e parentes prejudicados, de ser preso ou vítima da repressão do Estado, continua a funcionar como o elemento de controlo dos cidadãos, sobretudo daqueles que ousam em ter voz própria.
Eliminaram da agenda política, o verdadeiro poder popular, aquele que atribui ao cidadão o direito a escolher, em eleições livres, transparentes e credíveis, quem deve gerir política e administrativamente a sua comuna, município, província ou região.

Quarenta e sete anos depois, a política externa parece uma manta de retalhos em que peças mal colocadas adquiriram centralidade, legando para plano subalterno o que devia ser prioritário.
É assim que a integração de Angola em África, seu lugar natural, é secundarizada e, em contrapartida, prioriza-se a participação e liderança em clubes como a CPLP.
Nessa demonstração político-diplomática míope, a elite política parece ser incapaz de perceber que, para ser grande e respeitado no exterior, precisa de, primeiramente, ser grande intramuros. Angola é o único País grande do continente africano que nunca liderou a OUA/UA.

Quarenta e sete anos depois, as elites políticas optam por prejudicar países irmãos do mesmo continente para fazer cumprir agendas do ocidente talhadas para dominar os africanos ad eternum.
A Diáspora continua a ser usada como ódio de estimação e bode expiatório para muitos males e incompetência de um Poder incapaz de compreender que a revolta interna e externa resulta do falhanço de um modelo que enriquece ilicitamente a casta dos impunes enquanto empobrece a população em geral.

Com essa inversão das prioridades, a classe política ignora que "fracassar no planeamento significa planear o fracasso", segundo Carlos Lopes e George Kararach, no recente livro "Mudança Estrutural em África".
Contra os vaticínios do lendário David Zé, que em 1974/75 cantava: "Crianças de Angola, vocês terão escola, terão a alegria que vos faltava mua Ngola", os milhões deixados fora da escola, os lugares de ensino sem paredes, nem tectos, nem carteiras, as crianças com aulas ao relento, à vista de todos, fazem da Educação o maior fracasso da Independência.

Quarenta e sete anos depois da Independência, temos milhões sem escola e muito mais milhões, quase metade da população, em pobreza extrema e um Estado sem instituições republicanas regidas pela Lei e a Ética. Falhámos!
Penitenciemo-nos ou... !