Em conferência de imprensa, na capital angolana, o Chefe do Executivo português disse haver "um problema com a Guiné Equatorial que, se não cumprir os compromissos, tem de sair da CPLP".
Para António Costa, a Guiné Equatorial só pode pertencer à CPLP se for uma democracia. "Quem não tem vontade de ser democrata, quem não tem vontade de partilhar estes valores, esta não é a sua comunidade", disse.
Nesta lógica, o primeiro-ministro português sabe, certamente, que o seu aviso, em jeito de ameaça, devia ter vários destinatários dentro da CPLP, onde há regimes autocratas que, apesar de realizarem periodicamente eleições, não passam de evidentes simulacros de democracia.
Na mesma intervenção, o líder do Partido Socialista português fez questão de sublinhar que a Guiné Equatorial entrou para a organização quando Portugal era representado por Cavaco Silva e Passos Coelho, então Presidente e primeiro-ministro, respectivamente.
Se em 2014, na Cimeira de Dili, da admissão de Malabo na CPLP, António Costa fosse primeiro-ministro de Portugal, será que, apesar de isolada, Lisboa teria vetado a entrada da Guiné Equatorial e, consequentemente, assinado a dissolução da CPLP?
Costa, um dos mais hábeis políticos portugueses da sua geração, talvez influenciado pelos ventos de Luanda, responsabiliza, desta forma, Cavaco Silva e Passos Coelho pela admissão da Guiné Equatorial, esquecendo-se de um dos princípios basilares da responsabilidade de Estado.
Esqueceu-se de que quem alcança o poder, quem responde e representa o Estado, assume institucionalmente o seu passivo e activo, nomeadamente em matéria de relações internacionais, independentemente de quem o contraiu.
O que aconteceria a Portugal, se Passos Coelho recusasse assumir o Kilapi contraído pelo primeiro-ministro socialista José Sócrates que, em 2011, em plena bancarrota do país, pediu a intervenção do FMI, do Banco Central Europeu e da Comissão Europeia, a tristemente famosa Troika de salvação de Portugal?
"Há um problema com a Guiné Equatorial. Um problema que ninguém ignora, com a obrigação que tem no sentido de cumprir os compromissos que assumiu. Caso não os cumpra, não pode fazer parte desta Comunidade", sentenciou António Costa.
A CPLP não nasceu nem sobrevive como arauto da democracia. Quantas democracias, dignas deste nome, existem na organização? Se Portugal é uma democracia liberal, há outros membros da organização sem lugar nesta catalogação.
Ao ameaçar a Guiné Equatorial com expulsão, será que Lisboa mediu bem a correlação de forças dentro da organização ou estará simplesmente a fazer bluff para pressionar Malabo a seguir a sua cartilha?
Terá pensado que a expulsão de Malabo pode ser o caminho mais curto para a extinção da CPLP, tal como se conhece hoje?
Se é verdade que, neste momento, para expulsar Malabo da CPLP, Portugal poderia contar com a ajuda de alguns "lusófonos", não é menos verdade que teria a firme oposição de "afrófonos" que apoiaram intransigentemente a entrada do irmão africano e que se manifestam indisponíveis para cambalhotas em relação à sua anterior decisão.
É pouco provável que países como Moçambique, Guiné-Bissau e outros, com plena consciência do lugar que ocupam nas suas sub-regiões e no continente africano, votem pela expulsão da Guiné Equatorial pelas razões que Portugal alega.
De que democracia fala António Costa? A de países onde a comunicação social está sequestrada, não há separação, nem descentralização de poderes e os partidos-estados monopolizam toda a vida?
Será que os relatórios que Costa recebe dos seus diplomatas na CPLP falam todos em oásis em matéria de liberdades: de imprensa, de expressão, de circulação, reunião e de associação?
Desde a sua admissão no seio da CPLP, o país de Teodoro Nguema decretou uma moratória à aplicação da pena de morte, reconhecida como insuficiente para cumprir com aquilo a que se comprometeu: a abolição da pena capital. Apesar disso, não parece haver regressão.
A pena de morte não é, por si só, motivo para qualificar um país como democrático ou antidemocrático. Se assim fosse, os Estados Unidos, onde a sua aplicação é excessiva e muitas vezes discriminatória contra negros, seria o primeiro país a ser riscado da lista de relacionamentos e, quiçá, afastado da comunidade das nações, alvo de sanções e boicotes.
Num clube onde há países em que as autoridades assassinam, à luz do dia, zungueiras e crianças que lutam pela sua sobrevivência ou dezenas de manifestantes antigovernamentais, sem que isso preocupe os paladinos da democracia e dos direitos humanos, parece hipocrisia exigir apenas a um Estado-membro que se democratize.
Curiosamente, é em Luanda, na cimeira das ausências ao mais alto nível, com a presença de apenas cinco dos nove Chefes de Estado da Organização, que António Costa ganhou coragem para endereçar veladas ameaças a um país membro de pleno direito.
A Cimeira de Luanda entra para a História não tanto pelas decisões tomadas em prol de alguma mobilidade de certas categorias de cidadãos, mas pelas notórias e sonoras ausências de chefes de Estados, numa taxa que ultrapassa os 44 por cento.
Em vez de encontrar formas para tornar relevante a sua organização e estimular o Brasil, Moçambique, Timor Leste e Guiné Equatorial a interessarem-se em participar nas cimeiras ao mais alto nível, Portugal incendeia a pradaria, ameaçando expulsar um membro e, inevitavelmente, acabar com a CPLP.
Portugal ignora ou finge ignorar que uma hipotética expulsão da Guiné Equatorial provocaria o fim da organização, como esteve para acontecer quando Lisboa tentou bloquear a entrada do país de Nguema.
Esta hipotética expulsão por falta de democracia deixaria Portugal sozinho com a sua CPLP, perante a inevitável desistência de outros países em solidariedade com Malabo.
Insistir no caminho do ataque público à Guiné Equatorial, enquanto Lisboa convive e incentiva alegremente outros regimes autocráticos do grupo, contribuindo para o seu branqueamento, traduz falta de coerência.
Insistir na ameaça de expulsão da Guiné Equatorial pode significar criar condições para reduzir a 30 ou mesmo 20% a taxa de participação em próximas reuniões de líderes, antes da sua eventual extinção.
Portugal devia olhar para a idiossincrasia da organização e correlações de forças, bem como para o seu passado recente e perceber que a CPLP não é, nem tem condições para ser a Organização da Francofonia ou a Commonwealth.
Se, como é muito provável que aconteça, Lula da Silva regressar ao poder no Brasil, e José Maria Neves ganhar as presidenciais em Cabo Verde, já em Outubro, dificilmente Lisboa conseguirá levar por diante a sua tentativa de afastar os equato-guineenses da CPLP.
Lula e José Maria Neves, dois grandes políticos com identidade de pontos de vista em questões internacionais e sobre a globalização, mudarão, objectivamente, a actual correlação de forças na inoperante organização.
Vinte e cinco anos após a sua criação e sem qualquer marca distintiva, importa que a CPLP olhe para os desafios do futuro e repense sobre a sua utilidade para lá do "desfile de figuras representativas", como escreve o intelectual angolano Jaques dos Santos.
Importa, por exemplo, discutir seriamente sobre como edificar uma comunidade centrada na economia, com a perspectiva de criação de um banco de investimento, sem livre circulação de pessoas e bens, de acordo com as propostas de Angola.
Livre circulação que existe, a título de exemplo, no âmbito do Fórum PALOP, integrando Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Moçambique e São Tomé e Príncipe, todos membros da União Africana.
Sem cidadãos circulando livremente, torna-se impossível criar o sentimento de pertença a um espaço comum, à uma mesma comunidade, e, enquanto isso, a expressão Comunidade da sigla CPLP não passará de uma palavra vã.