Nas eleições regionais e locais namibianas de 25 de Novembro, para além de deixar fugir a capital, principal praça eleitoral do País, o partido no Poder na Namíbia perdeu para a oposição outros centros económicos como Walvis Bay, onde se situa um dos maiores portos da África Austral, Swakopmund, Oranjemund, Lüderitz, região do Zambeze e Sul da Namíbia.

Apesar de continuar a ser a força com mais número de localidades e regiões conquistadas, a Organização do Povo do Sudoeste Africano foi atingida por uma hecatombe anunciada, que se traduziu na perda de mais de 30 concelhos regionais e localidades.

Desde as primeiras autárquicas, em 1992, que a SWAPO tinha o controlo absoluto sobre os concelhos regionais e locais, chegando a arrebatar 52 das 57 autarquias namibianas, em 2015.

Contudo, nas eleições de Novembro último, perdeu esse domínio avassalador, conquistando apenas 20 autarquias, resultado que agrava ainda mais a crise sem precedentes que atinge o partido, há alguns anos.

Os escândalos de corrupção, a difícil situação económico-financeira e o desgaste de três décadas de Poder ininterrupto (desde a independência, em 1990) estão na base da rejeição que o partido libertador da Namíbia enfrenta, sobretudo por parte do eleitorado jovem urbano.

É assim que, em 2019, emergem várias dissidências, com destaque para Panduleni Itula, de 62 anos, candidato independente à Presidência do País, que concorreu para tentar impedir a reeleição do Presidente Hage Geingob (79 anos).

Particularmente popular entre os jovens, Itula, antigo dentista, acusa Geingob de vender a riqueza do país a estrangeiros.

Nessas presidenciais, Itula conseguiu 30 por cento do score e teve a preferência do eleitorado de Windhoek, cidade com pelo menos 350 mil habitantes, a mais populosa da Namíbia.

Embalado com este apoio da capital, o opositor namibiano cria a formação política Patriotas Independentes para a Mudança (IPC, sigla em inglês), que consegue, com outros partidos na oposição, retirar Windhoek das mãos da SWAPO, protagonizando o feito mais marcante das autárquicas em plena pandemia.

Na semidesértica Namíbia, afectada por secas cíclicas, a corrupção domina o debate político de tal forma que a oposição diz, com sentido de humor, que "a corrupção é tanta, que até a chuva é desviada".

Neste país, recentes escândalos de corrupção obrigaram à demissão de dois ministros do Governo da SWAPO, contribuindo para aumentar a desconfiança do eleitorado, principalmente urbano, em relação à seriedade do partido no poder.

Para agravar a situação, a crise sócio-económica do país provocou uma elevada taxa de desemprego, ajudando a aumentar o descontentamento entre a população, especialmente os jovens, dos quais mais de 46% estão sem empregos.

Perante o referido cenário, a reeleição em 2019 de Hage Geingob com 56% dos votos, menos 30% que os 86% do sufrágio de 2014, seu primeiro mandato, representa uma grande quebra de popularidade do Presidente, candidato do partido.

Esse cartão amarelo atingiu também a própria SWAPO, que depois dos 80% das legislativas de 2014, a maior percentagem de sempre, cinco anos depois, no último escrutínio, perdeu 15 pontos percentuais dos votos.

Se os resultados das legislativas e das presidenciais de 2019 já mostravam sinais claros do desgaste que corrói a SWAPO, passado um ano, o partido de Sam Nujoma mostrou-se incapaz de travar a onda de insatisfação, acabando por sofrer o mais sério revés político-eleitoral da curta história democrática desse vizinho de Angola.

Para o comentador político namibiano Ndumba Kamwanyah, os resultados mostram que a SWAPO "perdeu o seu carácter nacional como um partido que poderia vencer em qualquer parte do país, ficando reduzida a partido rural".

Kamwanyah diz que isso pode significar que o partido perdeu o apoio da "classe média, da classe trabalhadora e dos intelectuais, e isso não é uma boa notícia".

Estes resultados devem merecer a atenção não só da SWAPO, mas também de todas as formações políticas no poder na África Austral, sobretudo dos partidos libertadores, que devem saber ler estes sinais, não como actos isolados de um país, mas como parte de um processo de renovação geracional e consequentemente de políticas.

A demografia diz que a juventude é o principal segmento eleitoral em todo o continente africano. Essa juventude, a geração com maior nível de escolaridade de sempre e com fácil acesso à informação, funciona como a alavanca da mudança.

Uma nova geração que pugna pela melhoria e mais lisura na governação, bem como um sério e transparente combate à corrupção, incluindo a eleitoral.

Quando um partido no poder há décadas perde a capital, a principal praça eleitoral do país e outros centros urbanos, é sinal da sua incapacidade de se adaptar aos tempos e encontrar soluções para a satisfação das necessidades das populações e sobretudo da juventude.

Outro aviso subjacente a estes resultados é que a juventude anseia por fazer parte das soluções para a estabilidade e consequentemente para o desenvolvimento do país.

Percebe-se também de que é uma geração pouco presa a ideologias, mais pragmática, para quem antes das questões programáticas estão outros valores, como a solução dos enormes problemas que as populações enfrentam.

Juventude muito diferente da geração que a antecedeu, por isso pouco talhada a suportar poderes vitalícios, políticos ou partidos salvadores da Pátria que usam a História como o elemento para a conquista e/ou manutenção do Poder.

A nova geração maioritária aposta em instituições fortes em detrimento de homens providenciais, como tem acontecido em África, desde o final da década de 50 do século passado, início das independências do Continente.

Disposta a participar na gestão transparente da sua comunidade e do seu País, essa geração vai transmitindo aos líderes africanos os sinais de esgotamento das políticas assentes na opacidade, onde o "segredo de Estado" é usado como artifício para esconder a corrupção e outros malefícios do poder.

Uma juventude que recusa ser o seguro de vida de regimes autocráticos, mesmo que travestidos de democracias, que tentam inculcar no eleitorado que a realização de eleições, por si só, é o elemento caucionante da democracia.

Juventude que quer muito mais do que eleições e que se opõe às obsoletas "democracias" africanas, construídas na década de 90 do século passado para substituírem regimes de partido único.

Ávida pela alternância, essa geração enjeita a manutenção no poder do mesmo grupo político como símbolo de estabilidade política.

Para "recuperar e conquistar os corações e as mentes" do Povo, na expressão de Sam Nujoma, primeiro Presidente da Namíbia independente, os partidos no Poder na África Austral não podem deixar de ler os sinais dados pelos namibianos, sobretudo pela sua Juventude.

"Se esses partidos não se adaptarem à nova realidade do novo eleitorado, vão perder eleições uns atrás dos outros", alerta o economista e jornalista angolano Jonuel Gonçalves.