Esse avanço da UNITA, levado ao colo por um amplo movimento inorgânico, formado, sobretudo, por uma heterogeneidade de jovens, constitui hoje o elemento diferenciador da política angolana.
Um movimento criado a partir de um ideal aglutinador, o da mudança política, e aproveitado por Adalberto Costa Júnior para, indo ao encontro desse desejo de transformação, desencadear uma dinâmica e aguerrida pré-campanha eleitoral.
Assim, a UNITA, liderada por Adalberto Costa Júnior, foi sedimentando a sua popularidade sintonizada com esse movimento inorgânico que funciona como porta-voz informal do descontentamento das populações, provocado por um regime esgotado e pelo agravamento da situação sócio-económica, da pobreza extrema e da fome.
Fome que coloca em risco mais de 15 milhões de angolanos, sobretudo nas províncias de Benguela, Cunene, Huambo, Huíla, Kwanza-Sul e Namibe, onde mais de 114 mil crianças com menos de cinco anos de idade sofrem de desnutrição aguda, segundo relatórios do Programa Alimentar Mundial.
O citado movimento pôs em marcha uma revolução sem violência, usando o digital para se afirmar como o principal grupo de pressão política, mesmo sem ter acesso aos clássicos palcos da política, como os tradicionais meios de comunicação social.
É fácil perceber que muitos dos recuos ou mudança de atitude por parte dos detentores do Poder foram consequência da pressão exercida por esse inorgânico movimento transversal, em que confluem zungueiras, desempregados, destacadas figuras do jornalismo, das artes, das ciências, da academia, do empresariado e do activismo.
São os casos do recuo na construção de um bairro para o Executivo, de uma clínica dentária presidencial, a alteração do IVA, adiamento/cancelamento de viagens ou mesmo esclarecimentos, a defender ou a justificar certas decisões políticas, como a nomeação de um membro da direcção do MPLA para presidente do Tribunal Constitucional (TC).
Este movimento denuncia, tanto interna como externamente, inverdades e incongruências em intervenções públicas do Chefe de Estado e de outros membros da nomenclatura.
Estas denúncias servem de pressão e, muitas vezes, provocam mudanças de atitude e, nalguns casos, responsabilização política, contrariamente ao que era habitual no regime.
Em galopante crescimento, o referido movimento, percebendo que, à luz da atípica Constituição, a mudança almejada precisa de um rosto, de um partido político estruturado e com implantação nacional, rapidamente adoptou Adalberto Costa Júnior como o escolhido para protagonizar essa mudança.
Eleito presidente da UNITA em 2019 e destituído do cargo em Outubro último por acórdão do TC, Costa Júnior, apesar da popularidade que ganhou junto do eleitorado, encontra, dentro do seu próprio partido, duros opositores dispostos a impedir o seu avanço.
Num momento em que se esperava coesão interna na UNITA, como resposta ao TC, o partido demonstra fragilidades e divisões antagónicas entre diferentes alas que se transformam em factores de desestabilização do próprio Galo Negro.
Em vez dessa coesão, as diferentes facções e os competidores políticos internos da UNITA movimentam-se cada um em sua direcção, dando sinais de vitalidade e querendo provar a sua relevância para o futuro do partido, num espectáculo que se assemelha a uma autofagia.
Ignorando os ventos da História, barões e baronesas da UNITA afirmam-se hoje como os puristas de Muangai, como se o tempo tivesse parado no Lukussi, em Fevereiro de 2002.
É um facto que a ascensão do líder da Frente Patriótica Unida (FPU) assusta o partido maioritário, no entanto a reacção dessa ala da UNITA que parece pouco racional, serve de apoio à legitima ambição do MPLA de manutenção no Poder.
Como em qualquer grupo social, a existência de tendências/alas dentro da UNITA é uma realidade que numa sociedade plural é normalmente aceite e reconhecida.
Em Angola, onde o unanimismo à volta dos líderes políticos e suas decisões supera a pluralidade, qualquer tentativa de constituição de alas dentro dos partidos políticos é reprimida.
Repressão que impede esses competidores políticos internos de afirmar, claramente, as suas inclinações, cria falsos unanimismos e transforma caminhos diferentes para a prossecução de uma mesma linha programática em combate entre adversários com aliados internos e externos.
Esta ala de oposição interna, com um discurso mais dogmático e relação facilitada com a actual liderança do MPLA, ignora apelos populares, nomeadamente desse movimento inorgânico que olha para Costa Júnior como uma espécie de Dom Sebastião, o salvador da Pátria.
Este virar de costas entre alas da UNITA que se digladiam, num país de elevada iliteracia político-democrática, é um verdadeiro contributo para a abstenção eleitoral e para uma eventual e tão ambicionada maioria absoluta do MPLA.
Mesmo percebendo que a opção do referido movimento inorgânico por Costa Júnior não é endossável, uma das alas da UNITA não se coíbe de forma explícita ou implícita em demonstrar que prefere continuar na oposição a permitir que Costa Júnior franqueie as portas do Palácio da Cidade Alta.
Ao identificar "claras clivagens na UNITA, cujo cerne está agora claro, nunca foi a nacionalidade lusa de Adalberto Costa Júnior", o jornalista Graça Campos assegura que "a Isaías Samakuva, por exemplo, já não parece incomodar coisa alguma a sua «colagem» ao «sistema»".
Esta ala da UNITA também contra FPU, a plataforma informal que Costa Júnior encontrou para desalojar o MPLA do Poder, sabe que a eventual inclusão do presidente da UNITA em exercício, Isaías Samakuva, em lugar de destaque na lista do Galo Negro às eleições gerais será o caminho mais fácil para a morte da plataforma.
Samakuva mal consegue esconder a sua oposição à FPU que representa a unidade de dois dos seus principais adversários políticos, Costa Júnior e Abel Chivukuvuku, o mais mediático dissidente da UNITA do século XXI.
O presidente da UNITA reposto pelo TC tem medo que a FPU seja o trampolim para Chivukuvuku chegar ao poder através do partido que abandonou depois de uma disputa pela liderança do Galo Negro com o próprio Samakuva.
Com a sua férrea oposição, essa ala da UNITA poderá estar a trabalhar para a interrupção do sonho da passagem de partido de protesto a partido no poder, mas não o fim dessa revolução pró-democracia, encetada pelo referido movimento inorgânico.
Aproveitando-se desse sentimento de saturação de um MPLA esgotado, descredibilizado interna e externamente e sem soluções para a monstruosidade de problemas nacionais, Costa Júnior adoptou um discurso pragmático com menos dogmas, pouco habitual nos líderes da UNITA.
Usa desse pragmatismo para capitalizar a vontade generalizada de mudança e o sentimento de fim de ciclo presente na opinião pública, sem precisar de mostrar exactamente como fará para tirar Angola do "buraco" em que se encontra.
Desta forma e consciente de que dificilmente chegará ao Poder apostando apenas no tradicional eleitorado da UNITA, Costa Júnior, aproveitando-se das divisões no partido no Poder, vai conquistando partes do eleitorado do maioritário MPLA.
Para tal conquista, a FPU, que envolve o Bloco Democrático com políticos e intelectuais de esquerda, próximos da antiga matriz do MPLA, é um elemento crucial o que leva Costa Júnior a ter cuidado com a linguagem evitando agredir o mais conservador eleitorado do MPLA.
Combatido pelas suas políticas neoliberais errantes, envoltas em ocultismo político, dividido em alas catalogadas com nomes de diferentes espécies da fauna angolana, o MPLA surge, naturalmente, como o principal ou mesmo único beneficiário dessa divisão interna na UNITA.
MPLA que, desorientado, assiste ao reforço da popularidade de Costa Júnior a cada medida contra o agora recandidato à liderança do Galo Negro, emanada por instituições do Estado.
Ao encontrar aliados dentro da elite da UNITA, o partido no Poder fica com a tarefa mais facilitada e usa, certamente, essa guerra interna nas hostes do seu arqui-rival como trunfo para a sua vitória e ajudar o adversário e a democracia a morrerem na praia.
Porque "entre perder a face ou perder o poder, João Lourenço e o MPLA parecem ter optado por deixar de lado a sua credibilidade como instrumento da mudança em Angola e agarrar-se com unhas e dentes ao poder", como escreve, no jornal Público, António Rodrigues, num artigo intitulado "João Lourenço e a publicidade enganosa".