Bento Bento foi, nesta terça-feira, 06, nomeado ao cargo de primeiro-secretário provincial do MPLA em Luanda, em substituição de Joana Lina. A decisão foi anunciada no final da V Sessão Ordinária do Comité Central do partido, orientada pelo seu presidente, João Lourenço.

Segundo fontes, o MPLA deverá realizar, ainda este mês, uma conferência provincial extraordinária para a consagração de Bento Bento no cargo de responsável máximo da organização política em Luanda. Por inerências de funções, será também "catapultado" para membro do Bureau Político.

Num período de quatro anos (2017-2021), o MPLA teve como primeiro-secretário provincial em Luanda Adriano Mendes de Carvalho (2017-2019), Sérgio Luther Rescova (2019-2020), Joana Lina (2020-2021) e Bento Bento (2021- ...), o que perfaz uma média de um dirigente a cada ano no partido dos camaradas em Luanda. A nomeação de um novo governador (a) "obriga" quase sempre a sua indicação para o cargo de líder do partido, sendo uma situação que não garante estabilidade, que não permite definir e cumprir as estratégias delineadas.

A questão da bicefalia política em Luanda sempre foi algo discutido e analisado pelas estruturas do MPLA. O grande receio frequentemente foi de que este modelo bicéfalo fizesse que, apesar de deter força governativa e de gestão, os governadores acabassem por perder força política, deixassem de ter poder e influência no seio da máquina partidária. Ainda está bem presente na memória dos militantes a maior "crise bicéfala" partidária em termos provinciais com fricção entre o então governador de Benguela, Dumilde das Chagas Rangel (1997-2008) e Zeca Moreno, que, na altura, era o primeiro-secretário provincial. Face aos danos que a situação estava a causar à estratégia, gestão e imagem do partido, o "Kremlin" enviou para Benguela o então secretário-geral e filho da terra, João Manuel Gonçalves Lourenço (foi secretário-geral no período de 1998-2003) com decisão/solução para o conflito partidário.

Dumilde Rangel e Zeca Moreno foram "proibidos" de concorrer à liderança da estrutura partidária local, surgindo o nome e a figura de Jeremias Dumbo como alternativa. Mas, ainda o ambiente de crispação continuou e tudo acabou sanado em 2008, quando o general Armando da Cruz Neto deixa a missão diplomática de Angola em Espanha para assumir o cargo de governador de Benguela e o de primeiro-secretário local do MPLA.

"Em política não pode haver dúvidas sobre o exercício e autoridade do poder. Daí que o modelo adoptado de governador provincial, que é ao mesmo tempo líder do partido, foi mesmo para garantir estabilidade e coesão e não necessariamente um excesso de concentração de poderes numa só pessoa. No caso de Benguela, não agradava ao então governador, Dumilde Rangel, ver a sua governação escrutinada pelo primeiro-secretário do partido e, em muitas situações, sentia-se limitado no poder e autoridade governativa. Benguela não tem boa memória desta governação bicéfala", afirma João Marcos, jornalista e colaborador do NJ em Benguela.

Estratégia eleitoral do MPLA e desgaste de Joana Lina «forçam» regresso à bicefalia governativa em Luanda

Bento Bento foi o primeiro-secretário do MPLA em Luanda de 2007 a 2016. O seu papel de estratega, mobilizador e "agitador de massas" foi fundamental para as vitórias que o seu partido conquistou na capital do País nas eleições de 2008 e 2012. Outro elemento importante é que o actual homem-forte do MPLA em Luanda já tem alguma experiência em termos de bicefalia governativa. Durante os nove anos em que foi líder em Luanda, "coabitou" com cinco responsáveis máximos da governação da capital do País: Job Castelo Capapinha (2004-2008), Francisca do Espirito Santo (2008-2010), José Maria dos Santos (2010-2011), Graciano Domingos (2014-2015) e Higino Carneiro (2015-2017). Bento Bento foi governador de Luanda no período de 2011-2014.

A grande questão é de saber como será a coabitação com a governadora Joana Lina, uma mulher que ainda tem influências na estrutura partidária pela trajectória e cargos de relevância que desempenhou, sendo não menos importante a sua relação de camaradagem com o presidente do MPLA, João Lourenço, reforçada desde os tempos do partido e da Assembleia Nacional (João Lourenço foi o primeiro vice-presidente e Joana Lina foi a segunda vice-presidente da Assembleia Nacional), factores que podem jogar no equilíbrio e cooperação institucional. Joana Lina e Bento Bento nasceram ambos em Camabatela, província do Kwanza-Norte.

O factor étnico e regional tem força em termos de relacionamento, cooperação e coabitação no seio do MPLA. O facto de ambos nascerem na mesma província pode ser um meio caminho andado para a implementação da estratégia partidária. Mas, eis a grande questão: quem orienta quem? O primeiro-secretário provincial do MPLA orienta a governadora de Luanda ou é o inverso? É o partido que define e orienta a estratégia de governação, sendo os governadores executores da estratégia do mesmo. E é neste contexto que João Lourenço, actuando algumas vezes como presidente do MPLA e noutras como Presidente da República, vai ser o factor de equilíbrio para a coesão, implementação dos programas e cumprimento da estratégia de governação. O certo é que o tempo urge e não pode ser desperdiçado em fricções ou guerras surdas.

A governação de Luanda, a destruição e os prejuízos causados pelas chuvas, saneamento básico, abastecimento de água, fornecimento de energia eléctrica, desemprego, manifestações da sociedade civil, criminalidade, circulação rodoviária e a crise do lixo foram, dentre outras, as situações que afectaram negativamente a imagem e a gestão de Joana Lina. O longo período em que esteve ligada a supra-estrutura do MPLA fez que não se conseguisse desligar de uma comunicação autoritária e muito formatada.

Um cargo com peso, relevância e escrutínio como o que agora ocupa exige de Joana Lina outras dinâmicas comunicacionais, outro tipo de postura diante da comunicação social e outra abordagem junto dos munícipes. E neste contexto ela tem falhado constante e redondamente, pois cada vez que aparece diante dos microfones ou câmaras de televisão para repudiar, justificar ou se desculpar por uma medida ou acção acaba por criar sempre uma reacção adversa por parte dos cidadãos. Nos últimos tempos, a sua popularidade vem descendo vertiginosamente, e isso tem sido negativo para a imagem do MPLA em Luanda e pode perigar a sua estratégia eleitoral.

É importante que se mencione que acumular as funções de governadora e de primeira-secretária do MPLA estava a tornar-se numa tarefa hercúlea para Joana Lina, e a "repescagem" de Bento Bento tem também como missão prioritária revitalizar as estruturas partidárias na capital. Ocupada agora com a governação de Luanda, Joana Lina precisa de, rapidamente, mostrar que tem o controlo da gestão da capital, que domina os dossiers, que está preparada para o debate crítico e o diálogo conciliador e para resolver os problemas dos munícipes.

Os adversários políticos de Bento Bento

A comunicação política do partido governante é diferente dos na oposição. O MPLA em Luanda carrega o ónus da governação, e a oposição tem-lhe feito um escrutínio permanente. Bento Bento encontra agora um contexto político completamente diferente e com novos actores. Luanda tem, hoje, outra dinâmica política, um eleitorado mais jovem e com maior acesso à informação, sendo necessário trazer outras narrativas ao discurso político e novas abordagens ao eleitorado.

Cidadãos cada vez mais exigentes e conscientes dos seus direitos e deveres, cidadãos que questionam, avaliam e criticam os decisores políticos à distância de um clique. Hoje, o discurso e o debate político migraram também para o mundo virtual e com avaliação contínua.

Os tempos são, hoje, outros e vão pôr à prova as suas capacidades de bom orador e mobilizador. Esse regresso é importante para saber se Bento Bento ficou parado no tempo ou foi fazendo "updates" sobre os diferentes cenários da vida política luandense. O seu regresso será também importante para se perceber até que ponto os problemas de saúde lhe retiraram a firmeza e acutilância políticas, mas o certo é que estamos num tempo diferente. Este também é um Bento Bento diferente do anterior.

O confronto político luandense terá forte desequilíbrio geracional. Bento Bento está a caminho dos 63 anos e tem o dobro da idade do seu principal adversário, Nelito Ekuikui, primeiro-secretário provincial da UNITA em Luanda, que tem apenas 30 anos (Nasceu a 08 de Fevereiro de 1991), e António Francisco Hebo (43 anos), secretário-executivo provincial da CASA-CE, em Luanda. São adversários muito activos e que desenvolveram em torno deles fortes estruturas de comunicação. A experiência política e de governação pode ser um triunfo para Bento Bento perante um jovem Ekuikui que o irá confrontar com o seu passado de governação, com as falhas de gestão, com a questão da ética e da transparência no exercício de cargos públicos.

A liderança da UNITA em Luanda tem dado ao jovem Nelito Ekuikui grande exposição e visibilidade mediática, e ele tem usado isso para se afirmar politicamente. Movimentando-se com facilidade no espaço mediático e virtual, será também neles que vai procurar atrair Bento Bento e provocar o debate. Joana Lina nunca lhe deu muito tempo e espaço para o debate. Nelito Ekuikui sabe que, com Bento Bento, poderá ter a oportunidade por que tanto anseia para um debate sobre programas de governação.

Está orientado e preparado para atrair o seu adversário para este tipo de arena e desferir-lhe os golpes fatais. Os próximos dias serão importantes para percebermos como e por quem será constituída a equipa de Bento Bento e qual o seu programa de acção. Bento Bento sabe que tem pouco espaço de manobras, tem pouco tempo para agir e produzir resultados e que também não está a nadar em dinheiro como antigamente.

"A comunicação tem sido o elo mais fraco do MPLA em Luanda. Existe uma grande expectativa em torno de Bento Bento, sobretudo a revitalização das estruturas do partido e na mobilização dos militantes. Mas será interessante o debate com os seus adversários políticos, e a questão da diferença de gerações pode animar e enriquecer o debate em termos de discurso, bem como de conteúdo ideológico e programático", afirma um analista político.