Apesar de prontamente desmentido pelo Governo chinês, através do seu embaixador na União Africana, Kuang Weilin, que não só negou como garantiu que a notícia "falaciosa e sensacionalista" do jornal francês Le Monde apenas prejudicaria a própria publicação e não teria qualquer impacto no relacionamento do gigante asiático com os países africanos.

Mas a verdade é que o escândalo da espionagem chinesa na sede da União Africana rebentou precisamente durante a 30º Cimeira de Chefes de Estado e de Governo que decorreu entre Domingo e segunda-feira (ontem) e teve repercussão mundial.

Como é comum em África, a China, no âmbito da sua política abrangente de aproximação e conquista de espaço estratégico para a sua expansão global, tem como ferramenta, para além das normais linhas de crédito e investimento nas trocas comerciais, quase sempre por troca entre infra-estruturas erguidas de raiz e recursos naturais, como sucede em Angola, a oferta de estruturas simbólicas para os países, como é o caso dos Parlamentos ou sedes de Governo. A sede da União Africana (UA), que custou 200 milhões USD, não fugiu, por isso, a esta regra.

Só que, como o jornal francês noticiou e foi replicado por centenas de media em todo o mundo, em 2017 os técnicos da UA repararam que entre a meia-noite e as 02:00, os servidores estavam em grande actividade apesar de não estar ninguém presente no edifício e, face a esta anormalidade, foram verificar o que estava a acontecer.

Após a investigação normal nestas circunstâncias, concluíram que os servidores tinham sido instalados com um software maligno que transferia diariamente toda a informação neles contida para a China, permitindo ao Governo de Pequim ficar a par de toda a informação relevante para o continente africano, não só no campo dos projectos na área do comércio bilateral e multilateral, mas também na área militar, por causa dos conflitos persistentes em regiões ricas em recursos minerais, ou ainda no domínio das estratégias continentais de relacionamento com o resto do mundo, nomeadamente os sinais das sensibilidades de cada um dos Estados face aos grandes concorrentes da China no continente, como os EUA e a França, por exemplo.

Esta fuga extraordinária de dados para a China terá e teve impactos mas, para já, ninguém se atreve a quantificar a dimensão das vantagens que a China terá retirado desta situação, embora, como prontamente veio a público afirmar o embaixador de Pequim em Adis Abeba, nada do que foi publicado nem as informações passadas pelas fontes do jornal francês na UA fazem sentido.

No entanto, segundo especialistas informáticos, este acesso indevido aos segredos da UA foi possível porque Pequim, quando construiu o edifício, fê-lo 100 por cento chave na mão, com tudo incluído, sem, evidentemente, falhar a parte informática, onde "deixou os chamados `backdoors`que permitem um acesso discreto a tudo o que está contido nos computadores" da sede, incluindo "mesmos os mais sensíveis dos mais sensíveis", como sublinhou uma das fontes do Le Monde.

Uma das questões que agora se levanta é procurar saber até que ponto os edifícios de Estado, sedes de Governo ou Parlamentos, oferecidos pela China aos países amigos africanos, podem estar igualmente armadilhados.

Por exemplo, e longe de serem casos únicos, tanto a Guiné-Bissau como Cabo Verde dispõem de edifícios desta importância ofertados por Pequim.

Para já, e depois de descoberto este buraco, a UA, em meados de 2017, mudou os servidores e recusou a oferta chinesa para enviar técnicos informáticos para os configurar.

Qual o impacto que este escândalo vai ter ou poderá ter no relacionamento de Pequim com o continente africano, ainda é cedo para perceber, mas o embaixador chinês na UA, Kuang Weilin, está convencido que será nulo.

O diplomata afirma que se trata de informações "sensacionalistas e falaciosas", sublinhando que até a escolha para a publicação da reportagem, durante a Cimeira da UA, indicia uma intencionalidade perversa.

O edifício-sede da União Africano, construído em 2012 pela China, em Adis Abeba, tem 20 andares e custou oficialmente 200 milhões de dólares norte-americanos.

Recorde-se que a 30ª Cimeira de Chefes de Estado e de Governo da União Africana terminou ontem, segunda-feira, e foi dominada pela discussão das estratégias de combate à corrupção, da necessidade de afirmação do continente, onde o Presidente angolano, João Lourenço sublinhou a urgência de acabar com o paradoxo africano que consiste em ser um continente rico em recursos mas afogado num mar de pobreza devido à má governação, entre outros factores.

A abertura de caminho para a unidade continental para acabar com a imagem global de uma região desgraçada onde reinam os conflitos, a fome e a corrupção foi uma espécie de pedra de toque dos dois dias de trabalho dos lideres africanos.

Paul Kagame, Presidente do Ruanda, foi eleito para o cargo de Presidente da União Africana, tendo no seu discurso de encerramento sublinhado todos estes pontos, nomeadamente a urgência da união dos países africanos na persecução dos objectivos traçados.

Trocas comerciais China-Angola

As trocas comerciais entre a China e Angola cresceram 45,3 por cento até Setembro de 2017, sendo a comparação feita com igual período de 2016, de acordo com dados dos Serviços de Alfândega chineses.

Traduzido em números, isto significa que Angola, o 2º maior parceiro comercial com o gigante asiático entre o universo lusófono, e a China trocaram bens no valor de 17,13 mil milhões de dólares norte-americanos.

Ainda segundo os dados das alfandegas chinesas sobre este período, Pequim vendeu a Luanda produtos avaliados em 1,65 mil milhões de dólares, mais 33,65%, e comprou mercadorias avaliadas em 15,47 mil milhões de dólares, reflectindo uma subida de 46,75%.

Os dados referentes a Angola estão englobados no conjunto dos negócios existentes entre a China e o conjunto dos países lusófonos, que, ainda segundo dados das alfandegas chinesas, subiram 29,36% até Setembro de 2017, em termos anuais homólogos, atingindo 89,42 mil milhões de dólares.