"Como é de conhecimento público, a conduta da Indra tem prejudicado a transparência eleitoral", disse à imprensa o líder do Grupo Parlamentar da UNITA, Liberty Chiyaca, quando apresentava aos jornalistas as iniciativas legislativas no quadro da transparência eleitoral para este ano.

Na opinião do deputado da UNITA, a Lei nº 41/2020 de 23 de Dezembro estabelece princípios e regras que, no entender da UNITA, "foram violadas no concurso público realizado pela CNE".

"A CNE estabeleceu um modelo de declaração de ausência de impedimentos por parte do concorrente que, dentre várias condições, exige que o concorrente declare, sob compromisso de honra, que não foi condenado por sentença transitada em julgado por qualquer crime que afecte a sua honorabilidade profissional, nem os titulares dos órgãos sociais de administração, direcção ou gerência", disse.

Para o deputado, "é público que a Indra foi condenada pelo Tribunal Espanhol pelo pagamento de comissões em Angola sendo obrigada a pagar uma multa pesada", embora a empresa já tenha tornado público que em nenhuma circunstância foi condenada por fraude.

Mas é um facto que foi condenada por um tribunal em Espanha por pagamento de comissões indevidas no valor de 3 milhões de euros nas eleições de 2012, em Angola.

"Portanto, nos termos da Lei de Contratação Pública, a Indra declarou intencionalmente factos falsos ou errados, para participar do concurso, o que é punível à luz do Código Penal Angolano".

Neste âmbito, a UNITA remeteu ao presidente da Assembleia Nacional dois requerimentos, sendo o primeiro para constituir "imediatamente" uma comissão especial (eventual), para acompanhar "passo a passo" a boa organização das eleições.

A segunda é para se organizar uma audição parlamentar do presidente da CNE, por uma das comissões especializadas da Assembleia Nacional.

"O objectivo é colher informações, tirar dúvidas, afastar suspeições e construir a confiança", referiu o deputado salientando que "já elaboraram uma lista de questões a colocar ao presidente da CNE".

"São questões relativas à execução da nova lei eleitoral. Têm a ver com a aquisição da logística eleitoral e tecnologia a utilizar no apuramento e na transmissão dos resultados eleitorais e também com observância da Lei dos contratos públicos na contratação da Indra e de outros prestadores de serviços", acrescentou.

O partido do "Galo Negro" avança que o povo angolano tem cinco desafios fundamentais pela frente até às eleições para neutralizar as ameaças à democracia no País": Combater o tratamento desigual dos partidos pelas entidades que exercem o poder público; a parcialidade da imprensa pública; a falta de diálogo institucional com o PR; garantir a postura isenta da administração eleitoral e a independência do poder judicial.

Segundo o deputado, a UNITA vai insistir na admissão e discussão do Projecto de Lei sobre o Direito de Oposição Democrático e espera que seja aprovado.

"A ser aprovado, vai reduzir as arbitrariedades do partido dominante no espaço público", observou, salientando que, com isso, os partidos políticos passarão a exercer o direito de inquerir o Executivo e de obter informação adequada e em prazo razoável".

Liberty Chiyaca garantiu que a UNITA tem tudo para vencer as eleições gerais e para formar um Governo inclusivo. "A UNITA está a terminar a elaboração do seu programa de governação. Vamos contar no nosso Governo com personalidades de vários estratos sociais", acrescentou.

O que dizem a Indra e a CNE

Em comunicado divulgado há dias, a Indra garante que foi seleccionada por ter cumprido todos os requisitos exigidos pela CNE e em concorrência com outras empresas do ramo.

Nesse comunicado, a empresa diz que "garante o cumprimento dos requisitos de transparência e de segurança exigidos por lei, o que implica a redundância dos sistemas de computação, transmissão, processamento e divulgação de resultados, entre muitos outros serviços", sendo uma resposta clara às acusações feitas anteriormente pela UNITA.

Em sua defesa, a empresa diz que nunca lhe foi "movido qualquer processo judicial em nenhum dos países onde tem trabalhado em processos eleitorais. E, consequentemente, nunca foi condenada", embora tenha sido, segundo o jornal El Confidencial, multada em Espanha, no decurso de uma investigação, pelo pagamento de comissões ilegais de quase 3 milhões USD durante as presidenciais angolanas de 2012.

Também em resposta a esta polémica contratação, a CNE veio a público repudiar as acusações, tendo o seu porta-voz da CNE, Lucas Quilundo, em conferência de imprensa, explicado que apenas duas empresas apresentaram propostas e que uma delas, a SmartMatic, foi excluída por violação das regras do concurso, tendo sobrado apenas a Indra, a quem foi, por isso, entregue o contrato.

Lucas Quilundo, sobre as acusações e suspeitas que pendem sobre a Indra, apressou-se a sublinhar que a CNE é alheia a essas questões e nada têm a ver com o concurso que é da responsabilidade da Comissão, acrescentando que esta não tem qualquer conhecimento de impedimentos legais para esta empresa ser escolhida.

A CNE não tem interesse que o processo seja ensombrado de qualquer maneira, sublinhou o responsável, mas adiantou que os factos são os factos. Estes: "A CNE lança um concurso e apresentam-se dois concorrentes, um é eliminado, é assim em qualquer competição, ainda que tivesse havido mais concorrentes só um sobraria e prevaleceu a Indra".

Este disse ainda que "não compete à CNE fazer avaliações subjectivas em relação aos concorrentes (...) é do interesse que o processo eleitoral decorra com a máxima lisura e é isso que a CNE está a fazer, é esse o compromisso que tem".

A Indra está definida oficialmente como uma empresa de tecnologias de informação e sistemas de defesa.

Esta empresa espanhola, que está colocada em bolsa, em Madrid, fazendo parte do Ibex 35, está organizada em três pilares essenciais, tecnologias de informação, simulação e testagem automática de equipamentos e equipamento electrónico de defesa.

A larga abrangência da sua actuação vai do controlo de tráfico aéreo, simuladores de aviões, sistemas de saúde, sistemas de energia, à defesa e à tecnologia eleitoral e organização de processos eleitorais.

Na sua página oficial, apresenta-se assim: "A Indra é uma das empresas líderes mundiais em tecnologia e consultoria e o parceiro tecnológico para as operações chave dos negócios dos seus clientes em todo o mundo. É líder mundial no fornecimento de soluções proprietárias em segmentos específicos dos mercados de Transporte e Defesa, e a empresa líder em transformação digital e consultoria em Tecnologia da Informação na Espanha e América Latina através da sua subsidiária Minsait. O seu modelo de negócio baseia-se numa oferta abrangente de produtos proprietários, com uma abordagem end-to-end, de alto valor e com um elevado componente de inovação. Em 2020, a Indra teve uma receita de 3.043 milhões de euros, 48.000 empregados, presença local em 46 países e operações comerciais em mais de 140 países."

Receios sobre a Indra manifestados também por organizações da sociedade civil

Uma carta assinada por nove organizações da sociedade civil mostra também preocupação com a contratação desta empresa devido à teia de obscuridade que envolveu a sua contratação.

O documento é assinado pela Friends of Angola (FoA), Observatório de Imprensa, SOS Habitat, Associação Construindo Comunidades (ACC), Organização Humanitária Internacional, Observatório para Coesão Social e Justiça, Jango Cultural, Handeka e a MC-MUDEI e membros da sociedade civil angolana.

Estes sublinham a sua "profunda preocupação pela obscura contratação da Indra pela CNE angolana para fornecer serviços de logística eleitoral para as eleições gerais de 2022" porque "o processo de contratação da Indra não foi transparente e não seguiu os requisitos contratuais básicos de sã concorrência. A CNE não agiu com independência e nem transparência".