O Presidente da República em fim de mandato fica impedido de tomar decisões de fundo que possam vir comprometer o seu sucessor, prevê a proposta de revisão constitucional angolana, que cria a figura de um governo de gestão corrente.

João Lourenço anunciou na terça-feira a proposta de revisão pontual da Constituição da República de Angola, de 2010, que aborda questões ligadas a uma clarificação do modelo de relacionamento institucional entre o Presidente da República e a Assembleia Nacional em relação à fiscalização política, o direito de voto no estrangeiro, a eliminação do gradualismo na Constituição, a principal divergência entre o Estado e os partidos da oposição sobre as primeiras eleições autárquicas, a afirmação do banco central angolano como entidade independente e o estabelecimento de um período fixo para realizar eleições gerais.

Na apresentação mais detalhada da proposta já submetida à Assembleia Nacional, o ministro de Estado e chefe da Casa Civil do Presidente da República, Adão de Almeida, disse que a atual Constituição não prevê um Governo de Gestão Corrente, que "se afigura cada vez mais relevante".

"Regra geral, no período fim de mandato de um Presidente da República há preocupação de que não sejam tomadas medidas susceptíveis de comprometer a longo, médio prazo a governação subsequente", disse Adão de Almeida, sublinhando que a proposta consagra agora esta figura.

Segundo Adão de Almeida, a partir do momento do início da campanha eleitoral um Presidente da República em funções "não pode tomar decisões de fundo, quando começar a campanha eleitoral o Governo entra em modo gestão corrente (?) porque está a espreita um novo Presidente, um novo Governo".

Outro aditamento proposto na actual Constituição da República é a introdução da figura do estado de Calamidade Pública, que é declarado pelo Presidente com a intervenção do parlamento, contrariamente ao que acontece agora.

"A Constituição prevê três estados, o Estado de Sítio, de Guerra e de Emergência e nenhum deles é adequado a uma situação como a que vivemos hoje. A que vivemos hoje é uma anomalia constitucional, que é de longa duração e de duração imprevisível", frisou o governante angolano.

Adão de Almeida sublinhou que a situação de anomalia que os angolanos vivem hoje, por força da covid-19, demanda uma abordagem que não precisa de ir à suspensão de direitos fundamentais, mas sim de definição de condições para o exercício dos mesmos.

Outra novidade tem a ver com a obrigatoriedade na proposta de os tribunais superiores passarem a apresentar os seus relatórios anuais, o que só acontecia até agora com o Tribunal de Contas, ao Presidente da República e à Assembleia Nacional, antes apreciado pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial.

O ministro de Estado e chefe da Casa Civil do Presidente da República referiu que a chamada dos tribunais para a equação da fiscalização não é de natureza política.

"Por exemplo, se o parlamento pode chamar um membro do governo para audição parlamentar, se o parlamento pode determinar a realização e um inquérito parlamentar em relação a uma estrutura do poder executivo, já não pode chamar um juiz para fazer uma audição parlamentar em relação ao mérito da sua intervenção, em relação á sua função jurisdicional, porque os juízes não são fiscalizáveis politicamente no sistema Constitucional que temos", aclarou.

A actual Constituição da República de Angola conta com 11 anos de existência e a proposta de revisão pontual prevê alterações de texto, revogação de artigos e aditamentos, com uma incidência de aproximadamente 40 artigos, estimou Adão de Almeida.

Adão de almeida destacou o mérito da iniciativa pelo Presidente da República sobre a revisão constitucional, que abre um debate e permite que todos os que têm ideias sobre isso as tragam para a mesa, para que no parlamento esse debate se faça.

"O que há a fazer neste momento é colocar as propostas sobre a mesa, está aberto o debate, quem tem propostas, no quadro parlamentar, apresenta as suas propostas e elas vão ser seguramente discutidas", referiu.

"Aliás, acho mesmo que é uma boa oportunidade para que determinados temas em certo sentido tabus possam ser postos sobre a mesa e possam ser discutidos. Falou-se aqui no excesso de poderes do Presidente da república, isso é já um chavão, fala-se muito sobre isso, mas com frequência não se apontam as situações onde há excessos, é uma oportunidade para se dizer há excesso aqui, ali e acolá e as soluções alternativas para eliminar os possíveis pretensos excessos são essas e aquelas", acrescentou.

"Ponderosas razões" para confisco e nacionalizações

A proposta de revisão da Constituição angolana acautela as questões de nacionalizações e confiscos, categorias já previstas na lei, impondo como limites para a sua aplicação, a existência de ponderosas razões, anunciou o ministro da Justiça e Direitos Humanos.

As propostas de revisão da Constituição que Angola se prepara para debater foram hoje reveladas, em Luanda, pelo ministro de Estado e chefe da Casa Civil do Presidente da República, Adão de Almeida, numa apresentação partilhada com os ministros da Administração do Território, Marcy Lopes, e da Justiça e Direitos Humanos, Francisco Queirós.

"A dinâmica económica e, sobretudo, o conflito entre a economia e a lei levou a que fossem tomadas medidas recentemente sobre bens que foram recuperados e faltou -- e está a sentir-se essa falta - enquadrar a nacionalização de certos bens que comprovadamente foram adquiridos com recurso do Estado", justificou Francisco Queirós

Com a alteração, a leia passa a poder enquadrar de forma punitiva a reversão ou inclusão desses bens no património do Estado, indicou o ministro.

Francisco Queirós salientou, no entanto, que a proposta impõe limites "pois só se aplica onde houver ponderosas razoes de interesse nacional que vão estar definidas na lei ordinária", e se estas não existirem não pode ser aplicada a nacionalização.

Quanto ao confisco, só pode ser aplicado havendo ofensa grave da lei que protege os interesses económicos do Estado, acrescentou.

A proposta de revisão constitucional introduz também a categoria de propriedade comunitária "que existe, de facto", mas não tem, expressão legal nem constitucional.

"Estamos agora a propor que o conceito seja incluído na Constituição para enquadrar os bens de produção das comunidades rurais, tendo em vista os programas de desenvolvimento que estão definidos para essas áreas da economia e têm encontrado dificuldades para conferir titularidade dos bens de produção comunitários aos membros da comunidade", justificou o governante.

Outra categoria proposta é a da economia não estruturada, incluindo a economia informal e tradicional, tendo em vista o seu tratamento para introdução paulatina na economia estruturada, adiantou Francisco Queirós.

A revisão pontual da lei constitucional em vigor em Angola desde 2010 foi anunciada hoje pelo Presidente da República, João Lourenço, que já enviou a proposta para a Assembleia Nacional.

Intervenção do parlamento em nomeação para BNA

A proposta de revisão da Constituição angolana prevê a constitucionalização das funções do Banco Nacional de Angola (BNA) e a intervenção da Assembleia Nacional na nomeação do presidente do regulador, até agora dependente apenas do chefe de Estado.

O Presidente angolano, João Lourenço, propôs uma revisão pontual nos termos do artigo 233 da Constituição de Angola cujo projecto foi hoje apreciado no Conselho de Ministros e deu entrada na Assembleia Nacional.

A Constituição da República de Angola (CRA) completou 11 anos desde que entrou em vigor, um tempo considerado suficiente para aplicar e perceber a Constituição e fazer um balanço da sua vigência e dos seus méritos, assinalou Adão de Almeida.

O diagnóstico mostrou que a CRA tem "um potencial de longevidade considerável", e é potencialmente adaptável ao contexto angolano, bem como de conferir estabilidade à ação governativa, acrescentou.

O documento apresenta, no entanto, domínios com "zonas pouco claras, algo ambíguas, propiciando espaços de interpretação diferentes", o que sugere, segundo Adão de Almeida "exercícios de adaptação", bem como domínios onde o tratamento técnico-conceptual não terá sido o mais rigoroso e também alguns domínios, no que diz respeito aos direitos políticos que "carece de algum reforço".

A proposta de revisão entre alterações de texto, revogação de artigos e aditamentos terá uma incidência de aproximadamente 40 artigos, estimou.

Um dos principais pontos tem a ver com a posição constitucional do BNA enquanto banco central, já que a proposta "eleva ao nível da Constituição" as principais funções do banco enquanto garante da estabilidade de preços do sistema financeiro e estabilização da moeda.

Reconhece também o BNA como uma entidade administrativa independente, mais descolada do poder executivo, em resultado da redução da intervenção do Presidente da República.

Neste sentido, propõe-se que a nomeação do presidente do BNA até agora feita pelo Presidente da República passe a ter também intervenção do parlamento.

O modelo proposto é que seja apresentado o candidato escolhido ao parlamento, que será ouvido numa comissão especializada, só podendo ser nomeado depois disso, o que segundo Adão de Almeida se traduz também "no reforço da legitimidade".

A proposta clarifica também aspectos relativos aos mecanismos de prestação de contas do BNA que deve enviar relatórios periódicos ao Presidente e à Assembleia Nacional e introduz novidades no que respeita ao orçamento das autarquias locais.

A actual Constituição sugere que as despesas e receitas façam parte do Orçamento Geral do Estado (OGE), uma redacção que, segundo Adão de Almeida, "não é rigorosa e não está de acordo com a autonomia das autarquias locais", já que o OGE deve apenas conter os recurso que vão ser transferidos, e não a totalidade das receitas e despesas.