No cartão-de-visita virtual do Afrolink, alojado em https://afrolink.pt/, lê-se: "Projecto que junta profissionais africanos e afrodescendentes residentes em Portugal - ou com ligação ao país -, com o propósito de partilhar experiências, valorizar competências, criar alianças, divulgar e suportar negócios".

À semelhança do movimento americano Support Black Business (Apoie Negócios Negros), ou do "primo" brasileiro, Black Money (Dinheiro Negro), "o Afrolink quer construir uma economia negra no mercado português", introduz a fundadora, Paula Cardoso, sem esquecer o slogan do momento.

"Sei que o manifesto Black Lives Matter está nas bocas do mundo, mas o lançamento do site neste contexto é pura coincidência", diz ao Novo Jornal a mentora do Afrolink, adiantando que o projecto começou a ser esboçado em Abril do ano passado.

Segundo a responsável, nesta primeira fase, a intervenção do Afrolink está focada na promoção de projectos e iniciativas empresariais e empreendedoras, detidas por africanos e afrodescendentes, como forma de captar potenciais consumidores e parceiros. Não apenas dentro da comunidade, mas também fora.

"Só conhecendo os produtos e serviços que estão a ser oferecidos, e só sabendo onde e a quem os comprar ou contratar, nos poderemos tornar clientes", lembra a responsável, desde o ano passado dedicada a fazer esse levantamento.

O ponto de partida foi a criação de um grupo privado no Facebook, em meados de Setembro de 2019, ao qual já aderiram cerca de 650 pessoas.

"Nem todas estão em Portugal, mas todas têm ligação ao país", explica a criadora do Afrolink, sublinhando que a recolha de perfis é um "trabalho em construção" e, ao mesmo tempo, uma proposta de "desconstrução e reconstrução colectiva".

Combater visões estereotipadas

Para começar, Paula Cardoso, que trabalhou nos últimos 17 anos como jornalista, defende que importa rever a narrativa sobre a presença africana e afrodescendente no mercado laboral português, processo dificultado pela não recolha de dados étnico-raciais no país.

"Continuamos sem conhecer o retrato de Portugal, no que diz respeito à sua diversidade étnica, o que não nos permite avaliar em que medida as nossas diferenças se traduzem em desigualdades", aponta a fundadora do Afrolink, acérrima defensora desse levantamento estatístico.

"A minha percepção diz-me que a taxa de desemprego é muito maior entre portugueses negros, e que os portugueses negros são pior remunerados para executarem as mesmas funções. Será mesmo assim? Enquanto não soubermos, a ideia que dá é que as políticas públicas, no que concerne à integração das minorias étnicas, são feitas às cegas", lamenta.

Também por isso, Paula Cardoso criou o Afrolink. "É um retrato possível, feito a partir das aspirações e realizações profissionais de africanos e afrodescendentes. Ou, como gosto de lhe chamar, a "embaixada" e "bolsa de valores" da força de trabalho negra em Portugal."

De engenheiros e arquitectos a juristas e psicólogos, passando por cozinheiras e empregadas domésticas, todos os exemplos são valiosos para mostrar realidades que permanecem invisibilizadas, ou que só ganham visibilidade pela negativa. É o caso da Cova da Moura, zona de maioria negra e má fama, localizada na periferia de Lisboa.

Na sua estreia, o Afrolink apresentou o lado não mediatizado desse bairro, a partir da jornada de Vítor Sanches, que se dedica a promover talentos locais.

"Acredito que criar este espaço de acolhimento das histórias negras vai inspirar mudança positiva, não apenas dentro da comunidade, que, finalmente, vai ter um lugar reconhecimento, mas também fora, pela desconstrução de visões estereotipadas".

Desde logo, Paula Cardoso chama a atenção para a forma como as imagens mais visíveis do quotidiano tendem a deturpar a nossa visão da sociedade.

"Em Portugal, continua a causar perplexidade a existência de profissionais negros em cargos ditos diferenciados, porque no dia-a-dia não estamos expostos a esses exemplos. No meu caso, chegaram a perguntar-me se trabalhava para um jornal africano, como se fosse impensável ocupar um lugar numa publicação portuguesa", conta.

As vivências pessoais, aliadas às partilhas em círculos de amigos africanos e afrodescendentes, também com estudos superiores e ocupações qualificadas, tornaram evidentes inúmeros vieses colectivos.

"Habituamo-nos a ver negros a desempenharem actividades indesejadas e desvalorizadas, sobretudo nas áreas das limpezas, construção civil e restauração e, a partir destas observações, criamos a ideia, enquanto sociedade, que todos os negros ocupam essas posições. Como não existem estatísticas que nos indiquem o contrário, tomamos essa realidade como absoluta", nota Paula Cardoso.

Potenciar alianças negras, por uma narrativa de realizações

A partir dessa consciência, o conceito do Afrolink começou a ganhar forma: "Se à minha volta há tantas histórias negras que não encaixam no perfil de subqualificação, subocupação e subalternização que continua a ser colado à comunidade africana e afrodescendente, quantas outras mais não haverá por aí?".

A resposta é a alma do projecto, nota a sua fundadora, que, em nove meses de interacções no Facebook, nunca deixou de se surpreender com a multiplicidade das trajectórias reunidas no Afrolink.

"Imaginei que fôssemos muitos, mas confesso que nem nos meus melhores sonhos pensei que fôssemos tantos. Este olhar para quem somos, e para o que fazemos, permite-nos apoiar os projectos uns dos outros, trocar contactos, estabelecer parcerias", destaca Paula, acrescentando que o potencial das alianças já está à vista.

"O logotipo do Afrolink é assinado pela DC_Design, do cabo-verdiano David Chantre, que conheci através do grupo privado no Facebook. Sem este espaço, provavelmente continuaria sem saber que o David existe, o que me faz insistir na importância da recolha de dados".

Sempre com o princípio de que "primeiro temos de nos conhecer, para depois nos darmos a conhecer", o projecto encontra no recém-inaugurado site a montra para as apresentações.

Além de partilhar perfis de africanos e afrodescendentes, a morada web do Afrolink divulga eventos afrocentrados, e visibiliza figuras e acontecimentos ligados à História de África e da sua diáspora.

"A produção de conteúdos também inclui sugestões de livros e outros veículos de conhecimento, recomendados por africanos e afrodescendentes enquanto peças-chave no seu processo de construção identitária", indica a empreendedora, assumindo o compromisso não apenas de criar novas referências, mas também de resgatar heranças negras. Rumo à substituição de uma velha narrativa de opressões. Por uma nova narrativa de realizações.