O antigo ministro das Finanças e actual governador provincial do Namibe, que era, à data, assessor económico do ex-Presidente José Eduardo dos Santos, é acusado pela justiça espanhola de receber subornos para permitir a construção do mercado de abastecimento em Luanda, num processo que envolve ainda o antigo vice-ministro do Comércio Manuel da Cruz Neto (ler aqui), e o então director nacional do Comércio, Gomes Cardoso.

Numa nota enviada à Lusa, Archer Mangueira diz "repudiar tão rebuscada orquestração"mas afirma estar disponível "para colaborar em tudo o que a Justiça entenda ser necessário esclarecer neste caso".""

"A quem esteja de boa-fé, só pode causar estranheza o facto de eu ser associado como "ministro das Finanças" - funções em que fui investido há apenas cinco anos e que exerci até Outubro de 2019 - aos alegados factos, que, a terem ocorrido, remontarão há cerca de 14 anos", afirma Archer Mangueira citado pela Lusa.

"Tenho muita dificuldade em olhar para a repercussão que é dada aos alegados factos noticiados de outro modo que não seja como fazendo parte de perseguição pessoal, desde que fui investido nas funções de ministro das Finanças, em Setembro de 2016", continua.

Na nota citada pela Lusa, o governador do Namibe lembra que foi assessor económico do Presidente José Eduardo dos Santos entre dezembro de 2001 e janeiro de 2010 e garante que não teve "qualquer função executiva, nem qualquer envolvimento no projeto em causa".

De lembrar que a FESA foi também envolvida neste processo: Em Novembro de 2017, o El Mundo noticiava que a Mercasa pagou uma comissão entre seis e 10 milhões de euros à Fundação do ex-Presidente angolano para a construção do mercado abastecedor de Luanda. As autoridades espanholas apoiavam-se numa série de emails recolhidos durante uma investigação por suspeitas de corrupção, branqueamento de capitais e organização criminosa (ler aqui).

A FESA veio logo depois, através de um comunicado, negar qualquer envolvimento na obra do mercado abastecedor de Luanda, que nunca viu a luz do dia (ler aqui).

O El Mundo voltou à carga na segunda-feira e dedicou uma página da sua edição impressa à notícia com o título 'Uma folha encontrada em Lisboa em 2014 é prova-chave de subornos a Angola', onde é afirmado que a Justiça espanhola concluiu que o antigo vice-ministro do Comércio Manuel da Cruz Neto, o então diretor nacional do Comércio, Gomes Cardoso, o antigo assessor económico de José Eduardo dos Santos e futuro ministro das Finanças Augusto Archer Mangueira, receberam 450 mil dólares em "luvas".

Os subornos foram distribuídos, segundo o jornal, pelos três homens, sendo 200 mil para Manuel da Cruz Neto, 100 mil para Gomes Cardoso e 150 mil para Archer mangueira, num processo que resultou de buscas feitas pelas autoridades portuguesas e espanholas numa casa em Portugal.

De acordo com o que escrevia em 2017 o El Mundo, a Audiência Nacional, um tribunal com sede na capital espanhola, Madrid, mas com abrangência em todo o território espanhol, seguia a pista das eventuais "comissões" pagas pela Mercasa a influentes figuras angolanas e aos facilitadores espanhóis, para conseguir ganhar o referido contrato.

Manuel da Cruz Neto, antigo vice-ministro do Comércio e ex-ministro de Estado e Chefe da Casa Civil do Presidente da República foi acusado por um ex-funcionário da empresa pública espanhola Mercasa, investigada em Espanha por suspeitas de corrupção no projecto de construção do mercado abastecedor de Luanda, de ter recebido dinheiro, móveis e "outros presentes" para viabilizar a obra.

"A empresa pública espanhola Mercasa subornou o vice-ministro dos Comércio de Angola com caixas de bolachas cheias de notas para conseguir um grande mercado na capital, Luanda", titulava em 2017 o El Mundo, que citava uma denúncia apresentada por Armando Andrade, funcionário da Mercasa, referente a informações recolhidas há vários anos.

Segundo escrevia o jornal, esse trabalhador foi enviado para Luanda, em 2010, para investigar suspeitas de irregularidades sobre a empreitada, tendo concluído que o actual deputado do MPLA à Assembleia Nacional foi gratificado no âmbito desse processo.

O funcionário garante que os subornos existiram e que o poder angolano tinha conhecimento dos mesmos (ler aqui).

"Conhecem o episódio dos USD entregues em Luanda e logo enviados para Lisboa, as caixas de bolachas cheias de notas entregues a Cruz Neto na bagageira do seu carro, os móveis da sua casa, as prendas, etc", escreveu Armando Andrade, numa carta enviada a Álvaro Curiel, presidente do consórcio que a empresa pública tinha estabelecido com duas empresas espanholas.

Curiel, escrevia o El Mundo na mesma altura, mandatou Armando Andrade para vigiar o intermediário no negócio, Guilherme Taveira Pinto, que trabalhava em Angola para a empresa espanhola há mais de uma década.

De acordo com a investigação, Taveira Pinto, que tem dupla nacionalidade - angolana e portuguesa - recorria ao suborno para obter contratos no país e realizava cobranças indevidas à Mercasa.

As actividades do luso-angolano colocaram-no na mira da justiça espanhola que tem um mandado de captura emitido em seu nome no âmbito da investigação à empresa Defex, decorrente de um negócio de venda de armas à Polícia de Luanda.

No caso da construção do mercado abastecedor de Luanda - que começou com orçamento de 219 milhões de euros e disparou para os 533 milhões -, a justiça espanhola acredita que o projecto nunca foi mais do que uma fraude, para cobrança de comissões avultadas.

E foi essa procura pelo luso-angolano Guilherme Taveira Pinto, que se crê estar em Luanda, de acordo com o El Mundo, que levou à realização de uma busca à casa onde foram encontrados muitos documentos, mas sem utilidade para o processo original.

"Nem tudo foi em vão, no entanto; no registo da casa encontraram-se muitos documentos que foram para Madrid para serem examinados com calma", lê-se na edição desta segunda-feira, que acrescenta: "Entre esses documentos, estava uma folha com números e letras soltas, que sete anos mais tarde e 14 anos depois de ter sido escrita, é uma prova fundamental na acusação do fisco noutro caso de corrupção, e demonstra que Espanha subornou importantes funcionários do Governo de Angola".

No processo que as autoridades espanholas estão a preparar há vários anos, no âmbito do qual querem levar a julgamento 20 pessoas e oito empresas, entre elas a pública Mercasa, por irregularidades detectadas entre 2006 e 2016 para a construção de um mercado de abastecimento em Luanda, o juiz responsável pela investigação do caso destacou então o mais "absoluto desprezo à lei" por parte das empresas investigadas e, sobretudo, da empresa pública espanhola Mercasa, a quem faltaram "as mais elementares normas legais e éticas", movido por uma política de "lucro a qualquer preço", numa atitude "absolutamente insuportável" para uma empresa de carácter público.

Segundo o mesmo juiz, durante as buscas realizadas à casa do luso-angolano Guilherme Taveira Pinto também "se encontraram várias evidências da sua participação" no caso Defex, assim como a sua "participação directa" no "pagamento de comissões ilícitas a funcionários do Comando Geral da Polícia Nacional de Angola" na venda de armas por 153 milhões de euros, como também foi avançado pela agência de notícias espanhola, EFE, em 2017, como se pode recordar aqui e aqui.