Num cenário em que, até ao momento, como sublinhou nas últimas horas o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, 10 países são responsáveis por 75% das vacinas inoculadas em todo o mundo, enquanto 130 países não usaram uma única dose, com África na linha da frente dos continentes mais atrasados nesta corrida global pela imunização, Pretória tomou a iniciativa de abrir novos caminhos pondo em questão o poder de retenção de patentes das multinacionais do sector farmacêutico,

Na sua intervenção, segunda-feira, na abertura da 46ª sessão do Conselho de Direitos Humanos da ONU, António Guterres sublinhou que a "Igualdade de acesso às vacinas é uma questão de direitos humanos" atacando o "nacionalismo das vacinas" porque estas "devem ser um bem de acesso público, acessível a todos.

O que a África do Sul está a fazer, de facto, neste momento, colocando-se como pivot de uma vontade global partilhada por Governos e organizações de todo o mundo menos desenvolvido, é avançar contra o domínio global do medicamento pelas farmacêuticas para que estas facilitem o acesso às vacinas para a Covid-19 nos países que não estão a conseguir competir no frenético combate mundial pela aquisição das vacinas já disponíveis.

Mundo esse que se traduz de forma simples: os países mais ricos estão a adquirir milhões de doses além das suas necessidades porque as farmacêuticas não estão a conseguir corresponder à procura, levando a que os países menos aptos economicamente vão ficando para o fim da linha, podendo mesmo, como lembrava há duas semanas a The Economist, ter acesso às vacinas apenas em 2023.

Citado pelo The Guardian, Mustaqeem De Gama, representante sul-africano no departamento da propriedade intelectual da Organização Mundial do Comércio (OMC), defende que o domínio global nesta área deveria alertar os mais ricos para a excruciante dor que estão a gerar nos mais pobres sem acesso a estes medicamentos cruciais.

"Os países onde estas grandes farmacêuticas estão sedeadas devem, rapidamente, criar mecanismos que as impeçam de bloquear a disponibilidade das patentes", porque essa é a única forma de corrigir esta injustiça, apontou.

Esta posição foi já materializada numa proposta na OMC, pela África do Sul e pela Índia, com o apoio de dezenas de outros países em desenvolvimento, sob o argumento de que o trespasse dos direitos sobre estas vacinas iria permitir a uma grande parte da população mundial desfavorecida ser vacinada já e não daqui a muitos meses, senão anos.

A África do Sul e a Índia são dois dos países com capacidade para produzir vacinas se tivessem acesso às patentes com o acrescento de estarem disponíveis para que a sua produção chegue a outros países economicamente fragilizados.

Neste momento, recorde-se, a única forma de os países mais empobrecidos terem acesso às vacinas é via Covax, uma iniciativa global da Gavi - Aliança para as Vacinas, que agrega entidades públicas e privadas mas que tarda em fazer efeito, porque as firmas que estão a produzir as vacinas não estão a ter capacidade de resposta para as encomendas dos mais ricos.