O antigo ministro das Finanças e actual governador provincial do Namibe, que era, à data, assessor económico de José Eduardo dos Santos, é acusado pela justiça espanhola de receber subornos para permitir a construção do mercado de abastecimento em Luanda, num processo que envolve ainda o antigo vice-ministro do Comércio Manuel da Cruz Neto (ler aqui), e o então director nacional do Comércio, Gomes Cardoso.

Também a FESA foi envolvida neste processo: Em Novembro de 2017, o El Mundo noticiava que a Mercasa pagou uma comissão entre seis e 10 milhões de euros à Fundação do ex-Presidente angolano para a construção do mercado abastecedor de Luanda. As autoridades espanholas apoiavam-se numa série de emails recolhidos durante uma investigação por suspeitas de corrupção, branqueamento de capitais e organização criminosa (ler aqui).

A FESA veio logo depois, através de um comunicado, negar qualquer envolvimento na obra do mercado abastecedor de Luanda, que nunca viu a luz do dia (ler aqui).

Agora, o El Mundo volta à carga e dedica uma página da sua edição impressa à notícia, com o título 'Uma folha encontrada em Lisboa em 2014 é prova-chave de subornos a Angola', onde é afirmado que a Justiça espanhola concluiu que o antigo vice-ministro do Comércio Manuel da Cruz Neto, o então diretor nacional do Comércio, Gomes Cardoso, o antigo assessor económico de José Eduardo dos Santos e futuro ministro das Finanças Augusto Archer Mangueira, receberam 450 mil dólares em "luvas".

Os subornos foram distribuídos, segundo o jornal, pelos três homens, sendo 200 mil para Manuel da Cruz Neto, 100 mil para Gomes Cardoso e 150 mil para Archer mangueira, num processo que resultou de buscas feitas pelas autoridades portuguesas e espanholas numa casa em Portugal.

De acordo com o que escrevia em 2017 o El Mundo, a Audiência Nacional, um tribunal com sede na capital espanhola, Madrid, mas com abrangência em todo o território espanhol, seguia a pista das eventuais "comissões" pagas pela Mercasa a influentes figuras angolanas e aos facilitadores espanhóis, para conseguir ganhar o referido contrato.

Manuel da Cruz Neto, antigo vice-ministro do Comércio e ex-ministro de Estado e Chefe da Casa Civil do Presidente da República foi acusado por um ex-funcionário da empresa pública espanhola Mercasa, investigada em Espanha por suspeitas de corrupção no projecto de construção do mercado abastecedor de Luanda, de ter recebido dinheiro, móveis e "outros presentes" para viabilizar a obra.

"A empresa pública espanhola Mercasa subornou o vice-ministro dos Comércio de Angola com caixas de bolachas cheias de notas para conseguir um grande mercado na capital, Luanda", titulava em 2017 o El Mundo, que citava uma denúncia apresentada por Armando Andrade, funcionário da Mercasa, referente a informações recolhidas há vários anos.

Segundo escrevia o jornal, esse trabalhador foi enviado para Luanda, em 2010, para investigar suspeitas de irregularidades sobre a empreitada, tendo concluído que o actual deputado do MPLA à Assembleia Nacional foi gratificado no âmbito desse processo.

O funcionário garante que os subornos existiram e que o poder angolano tinha conhecimento dos mesmos (ler aqui).

"Conhecem o episódio dos USD entregues em Luanda e logo enviados para Lisboa, as caixas de bolachas cheias de notas entregues a Cruz Neto na bagageira do seu carro, os móveis da sua casa, as prendas, etc", escreveu Armando Andrade, numa carta enviada a Álvaro Curiel, presidente do consórcio que a empresa pública tinha estabelecido com duas empresas espanholas.

Curiel, escrevia o El Mundo na mesma altura, mandatou Armando Andrade para vigiar o intermediário no negócio, Guilherme Taveira Pinto, que trabalhava em Angola para a empresa espanhola há mais de uma década.

De acordo com a investigação, Taveira Pinto, que tem dupla nacionalidade - angolana e portuguesa - recorria ao suborno para obter contratos no país e realizava cobranças indevidas à Mercasa.

As actividades do luso-angolano colocaram-no na mira da justiça espanhola que tem um mandado de captura emitido em seu nome no âmbito da investigação à empresa Defex, decorrente de um negócio de venda de armas à Polícia de Luanda.

No caso da construção do mercado abastecedor de Luanda - que começou com orçamento de 219 milhões de euros e disparou para os 533 milhões -, a justiça espanhola acredita que o projecto nunca foi mais do que uma fraude, para cobrança de comissões avultadas.

E foi essa procura pelo luso-angolano Guilherme Taveira Pinto, que se crê estar em Luanda, de acordo com o El Mundo, que levou à realização de uma busca à casa onde foram encontrados muitos documentos, mas sem utilidade para o processo original.

"Nem tudo foi em vão, no entanto; no registo da casa encontraram-se muitos documentos que foram para Madrid para serem examinados com calma", lê-se na edição desta segunda-feira, que acrescenta: "Entre esses documentos, estava uma folha com números e letras soltas, que sete anos mais tarde e 14 anos depois de ter sido escrita, é uma prova fundamental na acusação do fisco noutro caso de corrupção, e demonstra que Espanha subornou importantes funcionários do Governo de Angola".

No processo que as autoridades espanholas estão a preparar há vários anos, no âmbito do qual querem levar a julgamento 20 pessoas e oito empresas, entre elas a pública Mercasa, por irregularidades detectadas entre 2006 e 2016 para a construção de um mercado de abastecimento em Luanda, o juiz responsável pela investigação do caso destacou então o mais "absoluto desprezo à lei" por parte das empresas investigadas e, sobretudo, da empresa pública espanhola Mercasa, a quem faltaram "as mais elementares normas legais e éticas", movido por uma política de "lucro a qualquer preço", numa atitude "absolutamente insuportável" para uma empresa de carácter público.

Segundo o mesmo juiz, durante as buscas realizadas à casa do luso-angolano Guilherme Taveira Pinto também "se encontraram várias evidências da sua participação" no caso Defex, assim como a sua "participação directa" no "pagamento de comissões ilícitas a funcionários do Comando Geral da Polícia Nacional de Angola" na venda de armas por 153 milhões de euros.

A agência de notícias espanhola, EFE, avançava, em 2017, que estes casos estavam ligados ao caso de corrupção de venda de armas a Angola pela empresa, também pública, Defex, como se pode recordar aqui e aqui.