Numa investigação em que participou, o jornal britânico The Guardian revela que a Turquia, que apoia o Governo de Acordo Nacional, do primeiro-ministro Fayez al-Sarraj, reconhecido pela ONU, e os EAU, que suportam o general rebelde Khalifa Haftar, que há cerca de dois anos, com o seu Exército Nacional da Lìbia (ENL) procura tomar de assalto o poder naquele país do Norte do continente africano, estão a enviar milhares de toneladas de armamento para a Líbia, criando acrescidas dificuldades para a busca de uma solução que acabe com o conflito que já fez milhares de mortos e deslocados.
A Líbia, desde 2011, vive em permanente sobressalto armado, na sequência da deposição de Muammar Khadaffi, pela força, resvalando periodicamente para a guerra civil, que agora tem vindo em crescendo de intensidade e violência com o rebelde Haftar a procurar, a partir do sul, invadir a capital do país para desalojar o poder das mãos de Sarraj.
Muito deste material militar tem origem norte-americana, o que faz sentido visto que os EUA são o grande exportador de armamento tanto para a Turquia como pars os Emirados Árabes Unidos.
Através de imagens de satélite, The Guardian conseguiu detectar as aeronaves de carga que estão a fazer o transporte de armas de ambos os países, violando de forma flagrante a resolução de 2011 da ONU que determina o embargo de vendas de armamento para uso na Líbia, o que está a protelar o surgimento de uma solução pacífica como almejam as Nações Unidas.
Recorde-se que, como o Novo Jornal também noticiou no ano passado, a Turquia aprovou uma resolução no seu Parlamento que fez história ao permitir o envio de forças militares para a Líbia em apoio ao Governo de Trípoli.
Por detrás desta guerra está o controlo, não só das imensas reservas de crude que o país tem, mas igualmente os novos depósitos de gás natural descobertos recentemente no Mediterrâneo sob controlo líbio.
Avanço e recuo em 18 meses
Recorde-se que o ENL, de Khalifa Haftar, antigo oficial de Muammar Khaddafi e que com ele esteve até 1987, ano em que se desentendeu com o "coronel", partindo então para os Estados Unidos, lançou em Abril deste ano um vigoroso ataque de larga escala para controlar a capital do país, Tripoli, e assumir as rédeas do Governo.
O general Khalifa Haftar foi um dos militares que acompanhava o antigo líder líbio, Muammar Kaddafi, quando este tomou o poder pela força, em 1969, e está agora à frente de um forte dispositivo militar que procura derrubar pela força das armas o Governo líbio que a comunidade internacional - ONU - reconhece como legítimo sucessor do regime deposto em 2011.
Há pouco mais de um ano e meio, Haftar, de 75 anos, com o seu ENL, depois de ter conquistado, a partir de Bangazi, uma vasta área da Líbia, fundeando forças em torno de Tripoli, capital do país e sede do Governo de Acordo Nacional, tentava um derradeiro ataque à capital, tendo, então, estado quase dentro da cidade, mas a decisão da Turquia entrar em força neste conflito, acabou por ser fundamental para reequilibrar as forças no terreno.
Sarraj acusa Haftar de tentar liderar um golpe com o apoio do Egipto e dos Emirados Árabes Unidos, numa ofensiva alicerçada em forças bem armadas, incluindo aviões de combate, com os quais efectuou múltiplos ataque ao único aeroporto do país com condições de ter um serviço internacional.
Apesar dos apelos intensos das organizações internacionais, com o Secretário-Geral da ONU, António Guterres a sair amiúde em defesa de "tréguas imediatas" para dar espaço útil ao diálogo entre os beligerantes, a situação no terreno, segundo os recentes relatos das agências de notícias internacionais, não parecem estar encaminhados para o fim das hostilidades.
Em causa, como admitem vários analistas internacionais, está claramente o controlo das 9ªs maiores reservas de petróleo do mundo, com cerca de 50 mil milhões de barris confirmados, mais que a Nigéria e Angola, que são os maiores produtores actuais em África.
Este país do norte de África vive desde 2011 uma situação de guerra civil, com diversas facções em permanente combate por territórios, especialmente aqueles onde estão localizadas as infra-estruturas petrolíferas, ou o aeroporto de Mitiga, em Trípoli, cujos voos são suspensos sempre que ocorrem ataques mais intensos.
Apesar de a ONU reconhecer apenas como Governo legítimo da Líbia o GAN, a verdade é que desde 2011 que o país está dividido por duas forças opostas e em duas distintas regiões, com controlo em Tobruque, (afecta a Haftar) e em Tripoli, sob domínio do primeiro-ministro Sarraj.
Com o recrudescer dos combates, milhares de pessoas optaram por fugir da região de Tripoli e aumenta o risco de a Europa ser, de novo, o destino mais seguro para aqueles que lá conseguirem chegar para escapar a mais uma guerra que pode resvalar para mais uma violenta e total guerra civil.
Os perigos ao virar da esquina
Alguns analistas, embora coloquem este conflito num patamar onde reinam os interesses internacionais, como, por exemplo, o apoio da França a Haftar e da Itália a Sarraj, sempre com as monstruosas reservas de petróleo debaixo de olho, admitem que por detrás da acção do antigo oficial de Kaddafi está uma vontade de restaurar a ordem perdida e acabar com o caos.
Para já, sabe-se que Haftar, que passou vários anos nos EUA depois de se afastar de Kaddafi, pretende ser comandante geral das forças militares líbias, a partir de onde poderia facilmente exercer a sua influência e controlo do Governo e evitar que o radicalismo islâmico, a que se opõe, ganhe terreno no território líbio.
O que pode estar em causa para além do controlo de território, e se o actual conflito degenerar mesmo para uma guerra civil, é descrito por alguns analistas como a grande machadada na segurança do Mediterrâneo e uma seta apontada à segurança da Europa, com eventuais implicações em todo o norte de África e no Médio Oriente.
Se as "primaveras árabes" abriram caminho à democracia em países como a Tunísia e tentativas de fazer esse caminho no Egipto, ou na Síria, o triunfo de um general na Líbia pode abrir a porta das traseiras para o regresso dos regimes de ferro em alguns destes Estados.
Para já, é certo que o frágil governo forjado a tenazes pelas Nações Unidas, sob um chapéu artificialmente representativo de todo o país - que não corresponde à realidade como se vê - deixou de poder ser apontado como cara do Estado líbio tendo em conta que mais de metade do país está agora sob domínio do general Haftar.
O curso deste conflito mudou claramente quando o Parlamento da Turquia votou, em Janeiro, favoravelmente uma lei que permite ao Governo de Tayyp Erdogan enviar forças militares para a Líbia com o objectivo de ajudar o Governo reconhecido pela ONU, dando corpo legal a uma situação que já estava a suceder no terreno embora não reconhecida oficialmente.
Com esta decisão, e tendo em conta que a Turquia não esconde as suas críticas a países como o Egipto e os Emirados Árabes Unidos por apoiarem abertamente o general Khalifa Aftar, Ancara deu um passo claro rumo a uma situação nova em África, o que levou ao surgimento imediato de reacções negativas dos países europeus vizinhos, como o Chipre, Malta, a Grécia, entre outros.
Para piorar a situação, o general Khalifa tem ainda o apoio, denunciado por vários organismos internacionais mas não reconhecido oficialmente, de países como o Reino Unido, os EUA ou ainda a Rússia, através do envio de mercenários para a linha da frente.
Recorde-se que a Turquia tem um dos maiores e mais bem equipados exércitos em todo o mundo, sendo o mais numeroso dentro dos países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (NATO-OTAN).
O caos desde que Khaddafi caiu
A Líbia está em situação de caos político e militar deste que o histórico líder Muammar Khaddafi foi deposto e abatido num contexto de revolta popular com o apoio directo de forças ocidentais, como a França, os EUA e o Reino Unido, há cerca de uma década, em 2011.
A Líbia é um estratégico país do norte de África, que fica próxima da Europa, por onde milhares de migrantes ilegais alcançam as costas de Itália e Grécia, sendo ainda um importante produtor de petróleo no seio da OPEP, onde também está Angola, e geograficamente um "tampão" estratégico entre a África subsaariana e o norte do continente, o Mediterrâneo e o Médio Oriente.
O Egipto já apelou à ONU para analisar esta situação que pode, avança o Cairo, colocar toda a região do Mediterrâneo em polvorosa.
E, agora, com o aparente recuo das forças de Haftar, o Cairo poderá optar por um envolvimento mais empenhado, o que, tendo em conta o posicionamento turco, alarga a base para um aumento de escala nesta guerra sem fim no horizonte.