Segundo uma nota da Casa Civil do Presidente da República, João Lourenço inclui entre os conflitos a "intentona golpista do '27 de maio' [de 1977] ou eventuais crimes cometidos por movimentos ou partidos políticos no quadro do conflito armado".
João Lourenço justifica a decisão como um "imperativo político e cívico do Estado" para "prestar condigna homenagem à memória de todos os cidadãos que tenham sido vítimas de actos de violência, resultantes dos conflitos políticos".
"[Convém] instituir um mecanismo para a promoção da auscultação e de um diálogo convergente, no sentido de se assegurar a paz espiritual da sociedade, face a episódios do passado na convivência nacional que possam perturbar a unidade e o sentimento de fraternidade entre os angolanos", salienta o Chefe de Estado.
A Comissão para a Elaboração de um Plano de Acção para Homenagear as Vítimas dos Conflitos Políticos, segundo João Lourenço, é coordenada pelo ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, Francisco Queirós, e integra vários outros departamentos ministeriais e o Serviço de Informações e Segurança do Estado (SISE).
Segundo João Lourenço, a comissão tem o prazo de 30 dias para apresentar o Plano de Acção de Homenagem às Vítimas dos Conflitos Políticos e respectivo cronograma de implementação e um período de vigência até 31 de Julho de 2021 para concluir os trabalhos.
A comissão, prossegue o decreto de João Lourenço, deve preparar e submeter à aprovação do Presidente da República um programa que contenha um conjunto de acções para que se preste "homenagem condigna à memória dos cidadãos que faleceram como resultado dos conflitos que ocorreram no país no período referenciado".
"[Tal tem a] finalidade de se curar as feridas psicológicas das famílias e de regenerar o espírito de fraternidade entre os angolanos através do perdão e da reconciliação nacional", argumenta.
Nesse sentido, a comissão terá de propor "mecanismos apropriados" para identificar e comunicar-se com as famílias e as entidades colectivas ou singulares com interesse no assunto "e obter a cooperação que delas se espera".
"[Deve também] apresentar sugestões sobre o modo como o Estado angolano deve prestar uma homenagem condigna aos cidadãos vítimas dos conflitos políticos e trabalhar com as instituições apropriadas para elaborar os projectos e orçamentos da construção do monumento e os actos de homenagem", lê-se no decreto.
Além do ministro da Justiça e Direitos Humanos, a comissão, que será apoiada por um grupo técnico, a designar, integra também representantes da Casa Civil e da Casa de Segurança do Presidente da República, e dos ministérios da Defesa Nacional, dos Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria e da Comunicação Social e do SISE.
No decreto, João Lourenço frisa que, para o "cabal desenvolvimento das suas atribuições", a comissão deve consultar, dentre outras, instituições como os ministérios das Relações Exteriores, da Família, Ação Social e Promoção da Mulher, da Saúde e da Cultura, bem como os partidos políticos com assento parlamentar, organizações religiosas reconhecidas como tal, organizações "idóneas" da sociedade civil e outras "cujo objecto social facilite o alcance dos seus fins", refere-se no decreto.
O decreto surge um dia depois de o Bureau Político do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), partido no poder desde a independência, em 1975, e também liderado por João Lourenço, ter aprovado a medida, com o intuito de estabelecer um diálogo nacional e fortalecer as bases de consolidação da paz e da reconciliação nacionais.
O "27 de maio" de 1977, ainda sob a presidência de Agostinho Neto, é considerada oficialmente como uma tentativa de golpe de Estado por "fraccionistas" do próprio MPLA, em que, nas semanas que se seguiram, terão morrido milhares de angolanos, entre eles Nito Alves, considerado o líder da "intentona", bem como José Van-Dúnem, irmão da actual ministra da Justiça portuguesa Francisca Van-Dúnem, e respectiva mulher, a portuguesa Sita Valles.
A Amnistia Internacional estimou em cerca de 30 mil as vítimas mortais na repressão que se seguiu contra os "fracionistas" ou "Nitistas", como eram conhecidos então.