Numa declaração feita para os membros da NATO, a aliança de defesa que une os EUA e a Europa Ocidental desde 1949, criada após o fim da II Guerra Mundial para travar o avanço da então União Soviética, Petr Pavel aconselhou os seus pares a prepararem-se para mudanças dramáticas no posicionamento norte-americano se Joe Biden for derrotado por Trump.

Este aviso do Chefe de Estado da Chéquia, antiga República Checa, é o primeiro proferido alto e bom som publicamente quando o assunto já está a ser discutido nos corredores há largos meses, até porque a redução estrondosa do apoio de Washington à Ucrânia no decurso de 2023 é já um reflexo das lutas eleitorais internas nos EUA, de longe o maior municiador de armas dinheiro para Kiev.

Alias, a luta no Congresso entre a maioria republicana na Câmara dos Representantes e a maioria democrata no Senado, que está a tolher a capacidade de aprovação de 60 mil milhões USD para Kiev, como o democrata e candidato a um segundo mandato, o Presidente Joe Biden, pretende, é resultado directo dos pontos de vista distintos entre os dois partidos.

E vem no seguimento das promessas do republicano e ex-Presidente Donald Trump, que garante que vai acabar com a guerra em 24 horas, o que só é possível se Washington travar por completo todo e qualquer apoio à Ucrânia, favorecendo o Kremlin nas negociações que se vão seguir a esse momento, se ele vier a acontecer.

O que é uma forte probabilidade, atendendo a que todas as sondagens, ou a esmagadora maioria destas, apontam para uma clara vitória de Trump contra um desgastado Biden, embora ainda faltem cerca de 10 meses para as eleições, que terão lugar no início de Novembro deste ano.

Petr Pavel entende que uma vitória de Trump não terá apenas reflexos no apoio de Washington a Kiev, terá igualmente um forte impacto no relacionamento dos EUA com os seus aliados da Europa Ocidental, até porque uma das medidas que tinha em cima da mesa para o seu segundo mantado, anulado pela derrota frente a Joe Biden em 2020, era retirar o apoio norte-americano à NATO, que considera uma forma de os europeus se aproveitarem dos Estados Unidos..., e mudar toda a estratégia da maior potência militar do mundo para o continente europeu, focando-se na China, como fez entre 2016 e 2020.

E, face a essa proeminente possibilidade, Petr Pavel pediu aos seus colegas da NATO para se prepararem para acolher em mãos a responsabilidade de aumentar o financiamento da organização militar para manter o apoio a Kiev, o que é uma dor de cabeça para os europeus, onde cresce um claro incómodo com o prolongado e desgastante conflito ucraniano para as economias europeias, já em claro stresse inflacionista e à beira da recessão.

A advertência de Zelensky

O Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, advertiu, neste contexto complexo, que a Europa sozinha não terá capacidade para manter a ajuda militar e financeira que a Ucrânia necessita em caso de os Estados Unidos deixarem de o fazer.

Numa entrevista à alemã ARD, Zelensky admite temer que os lideres europeus menos convictos comecem a esmorecer no apoio a Kiev se os EUA não mantiverem a sua sólida posição face à necessidade de resistir à invasão russa da Ucrânia.

Deixar a Europa sozinha nesse esforço seria um erro, segundo o Presidente ucraniano, porque isso levaria a uma situação de escassez de meios militares e financeiros para manter a guerra contra Moscovo, aludindo a uma possibilidade de o Kremlin lançar as suas unidades também contra a Europa Ocidental.

Sobre o eventual regresso de Donald Trump ao poder nos EUA, Zelensky disse ser uma possibilidade que isso levasse também outros países agora aliados a mudar de posição face a este conflito no leste europeu, especialmente os que têm laços económicos relevantes com a Rússia, como é o caso da Alemanha, Eslováquia, entre outros.

Uma mudança na política de defesa dos Estados Unidos em relação à Ucrânia e à Europa poderia também significar o fim da política comum de sanções contra a Rússia, disse, citado pela Lusa.

Escândalo de corrupção em Kiev

O incómodo é crescente entre os europeus para decidirem apoiar Kiev, que estão há meses a discutir os termos de um apoio de 50 mil milhões de euros, com a resistência de alguns Estados-membros, especialmente da Hungria, o hipotético abandono do barco pelos EUA será um golpe robusto na esperança ucraniano de conseguir manter o fluxo de apoio ao seu esforço militar para travar a Rússia, que, nas últimas semanas, está a ganhar tereno em quase todas as frentes de guerra.

E o cenário pode piorar com o recente escândalo que se abateu sobre o Exército ucraniano, depois de vários oficiais do Ministério da Defesa terem sido acusados, no âmbito de uma investigação dos serviços secretos ucranianos, o SBU, envolvendo mais de 40 milhões USD que estavam destinados à compra de munições mas foram desviados por cinco elementos do Governo de Volodymyr Zelensky.

Os 40 milhões de dólares tinham sido doados pelos aliados de Kiev para a aquisição de 100 mil munições para morteiro a uma empresa ucraniana com fábrina na cidade de Lviv, junto *a fronteira com a Polónia, mas esse dinheiro nunca comprou as munições, foi antes, segundo a imprensa ucraniana, desviado num conluio entre cinco elementos do Ministério da Defesa e a empresa em questão.

Este caso surge depois de múltiplas manifestações de desconfiança sobre os destinos dos biliões de dólares entregues aos ucranianos no âmbito do apoio ocidental no esforço de guerra contra a Rússia, após a invasão de 24 de Fevereiro de 2022, sendo conhecidos vários casos de aquisição de iates, casas de luxo e bens em países como a França ou a Itália, por parte de elementos ligados ao regime de Zelensky.

Este é o primeiro caso em que uma investigação interna conduz à detenção de elementos do Governo por corrupção, envolvendo, segundo os media ucranianos, altas figuras do Ministério da Defesa, que transferiram este dinheiro para contas no estrangeiro, embora a Procuradoria ucraniana já tenha anunciado que os fundos foram recuperados.

Mulheres ucranianas nas ruas de Kiev

Entretanto, com a guerra a chegar ao fim do seu segundo ano, no próximo dia 24 de Fevereiro, a capital ucraniana tem sido palco de raras manifestações lideradas por mulheres que exigem o regresso dos seus maridos, filhos e país que estão a combater já há quase dois anos sem interrupção.

Estas manifestações são as primeiras a ocorrer sem serem de apoio directo ao esforço de guerra, embora não exijam o fim do conflito, até porque é ilegal fazê-lo e pode dar pena de prisão de acordo com a Lei Marcial que vigora na Ucrânia.

Ao invés, as centenas de manifestantes pedem que o Presidente Zelensky mande de volta a casa os homens que estão deste o primeiro dia de guerra na linha da frente, exigindo um limite de tempo para o cumprimento do dever de defesa do país face à invasão a que foi sujeito há quase dois anos.

Tanto a questão da corrupção como a manifestação destas centenas de mulheres ucranianas foram assuntos mantidos fora das páginas dos grandes jornais ocidentais e dos ecrãs das televisões internacionais, tendo escassa ou nenhuma cobertura.