O ministro dos Negócios Estrangeiros russo, Sergei Lavrov, aproveitou a sua estadia pelas Nações Unidas em Nova Iorque para fazer Donald Trump descer à terra da realidade e deixar de andar nas nuvens do impossível.
O chefe da diplomacia russa disse que a promessa de Trump não tem pés para andar porque em Kiev o Governo de Volodymyr Zelensky "não está preparado para negociar com Moscovo" qualquer que seja o tipo de entendimento que permita cessar as hostilidades.
Esta clarificação da visão russa sobre as palavras "apressadas" de Trump surge num momento em que o antigo Presidente norte-americano é já, quase garantido, o nomeado dos republicanos para se bater a 05 de Novembro com o democrata e incumbente Joe Biden pela chave da Casa Branca e sobre o qual as sondagens dão uma clara vantagem.
Perante esse cenário, Lavrov vem a público diluir o peso dessa promessa, provavelmente como um "truque" diplomático que é fazer Donald Trump vir publicamente reforçar essa ideia, de forma fazer tocar os alarmes em Kiev perante o provável regresso deste ao poder nos EUA, país de quem a Ucrânia depende claramente para conseguir manter o esforço de guerra contra a Rússia.
Ou seja, se Zelensky negociar agora com o Presidente russo, Vladimir Putin, pretenderá evidenciar Lavrov, terá mais ganhos e cedências do que se for obrigado a fazê-lo em Janeiro de 2025, dentro de um ano, quando Trump chegar à Casa Branca, porque a única forma de acabar com a guerra em horas é fechar a torneira aos ucranianos, interrompendo o fluxo de armas e dinheiro abruptamente.
Trump não disse como quer acabar com a guerra em 24 horas se for eleito (reeleito), apenas sustenta a promessa na convicção de que possui argumentos para convencer as duas partes, Moscovo e Kiev, de que têm mais a ganhar se cessarem o conflito.
Não é isso que o ministro russo dos Negócios Estrangeiros pensa, ou pelo menos diz que pensa, porque em Nova Iorque afirmou, nesta quarta-feira, 24, que não acredita numa coisa que não foi materializada, que é o mesmo que dizer, que não foi explicada ao detalhe como pretende o preponente fazê-la cumprir.
"Veremos, mas não creio que o outro lado (Kiev) esteja pronto para qualquer resolução com esse sentido", apontou Lavrov, que é, aos 73 anos, um dos mais experientes diplomatas em todo o mundo e conhecido pela frieza das suas estratégias de abordagens aos mais complexos desafios da política externa russa.
Até porque, como lembrou ainda o, oficiosamente, nº2 de Putin, em Kiev Volodymyr Zelensky respondeu com especial agressividade à proposta de Trump, convidando-o a visitar a capital ucraniana, com um misto de ironia e enfado, para explicar como acabar com a guerra em 24 horas em conformidade com as posições e linhas vermelhas definidas pelo regime ucraniano, que passam, entre outras, pela saída sem condições dos russos de todos os territórios ocupados desde 2014 na Ucrânia.
O denominado Plano de Paz de Zelensky em 10 pontos exige a saída até ao último soldado russo das fronteiras ucranianas de 1991, altura da independência da então União Soviética, compreendendo a Crimeia, anexada em 2014 por Moscovo, Lugansk, Donetsk, Kherson e Zaporizhia, integradas na Rússia já em 2022, e das quais o Kremlin já disse que em circunstância nenhuma abre mão porque são geografias russas tal como o são Moscovo ou São Petersburgo.
A guerra na Ucrânia prepara-se para entrar no seu 3º ano, começou a 24 de Fevereiro de 2022. Apesar do apoio ilimitado dos países ocidentais da NATO a Kiev, na frente de batalha, a Rússia está agora com a iniciativa militar, depois de ter vencido as mais pesadas sanções de EUA e União Europeia alguma vez aplicadas a um país, atingindo especialmente a sua economia e o sector energético exportador, crude e gás e carvão.
A Rússia conta com a feroz crítica do ocidente à sua invasão, sendo acusada pela ONU de ter desferido um golpe violento na Carta das Nações Unidas que rege as relações internacionais entre os seus co-signatários, mas tem nas grandes economias do sul global, especialmente a China e a Índia, parceiros económicos e de posicionamento geoestratégico sólidos embora equidistantes no que respeita ao conflito.
Ao ter conseguido contornar as sanções ocidentais, a União Europeia e os EUA viram o refluxo destas atingir as suas economias de forma violenta e essa é uma das razões pelas quais o bloco de aliados da Ucrânia está agora claramente a desmoronar e tanto na Europa ocidental como nos EUA o apoio passou de "até onde for preciso para derrotar a Rússia" para, como prefere agora dizer Joe Biden, "até onde for possível" e, os factos assim o sublinham, é cada vez possível menos apoio em armas e dinheiro a Kiev.
E isso reflecte-se na frente de guerra, onde as forças russas ganham territórios dia após dia, obrigando as forças ucranianas a reposicionar-se de atacante para a defensiva, embora a diferença de capacidades esteja longe de ser demonstrada cabalmente na frente, porque os avanços de Moscovo são lentos e com elevado preço em baixas humanas e materiais, tal como sucede do lado ucraniano.
Contexto da guerra na Ucrânia
A 24 de Fevereiro as forças russas iniciaram a invasão da Ucrânia por vários pontos, tendo o Presidente russo dito que se tratava de uma "operação militar especial", sublinhando que o objectivo não era a ocupação do país vizinho, condição que evoluiu depois para a anexação de territórios no Donbass mas também as regiões de Kherson e Zaporijia, mas sim a sua desmilitarização e desnazificação e assegurar que Kiev não insiste na adesão à NATO, o que Moscovo considera parte das suas garantias vitais de segurança nacional.
O Kremlin critica há vários anos fortemente o avanço da NATO para junto das suas fronteiras, agregando os antigos membros do Pacto de Varsóvia, organização que também colapsou com a extinção da URSS, em 1991.
Moscovo visa ainda garantir o reconhecimento de Kiev da soberania russa da Península da Crimeia, invadida e integrada na Rússia, depois de um referendo, em 2014, e ainda a independência das duas repúblicas do Donbass, a de Donetsk e de Lugansk, de maioria russófila, que o Kremlin já reconheceu em Fevereiro, tendo acrescido a esta reivindicação as províncias de Kherson e Zaporijia, depois da realização de referendos que a comunidade internacional, quase em uníssono, não reconhece.
Do lado ucraniano, a visão é totalmente distinta e Putin é acusado de estar a querer reintegrar a Ucrânia na Rússia como forma de reconstruir o "império soviético", que se desmoronou em 1991, com o colapso da União Soviética.
Kiev insiste que a Ucrânia é una e indivisível e que não haverá cedências territoriais como forma de acordar a paz com Moscovo, sendo, para o Presidente Volodymyr Zelensky, essencial o continuado apoio militar da NATO para expulsar as forças invasoras.
A organização militar da Aliança Atlântica está a ser, entretanto, acusada por Moscovo de estar a desenrolar uma guerra com a Rússia por procuração passada ao Exército ucraniano, o que eleva, segundo o ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergei Lavrov, o risco de se avançar para a III Guerra Mundial, com um confronto directo entre a Federação Russa e a NATO, que tanto o Presidente dos EUA, Joe Biden, como o Presidente Vladimir Putin, da Rússia, já admitiram que se isso acontecer é inevitável o recurso ao devastador arsenal nuclear dos dois lados desta barricada que levaria ao colapso da humanidade tal como a conhecemos.
Esta guerra na Ucrânia contou com a condenação generalizada da comunidade internacional, tendo a União Europeia e a NATO assumido a linha da frente da contestação à "operação especial" de Putin, que se materializou através de bombardeamentos das principais cidades, por meio de ataques aéreos, lançamento de misseis de cruzeiro e artilharia pesada, e com volumosas colunas militares a cercarem os grandes centros urbanos do país, mas que agora está concentrada no leste e sudeste da Ucrânia.
Na reacção, além da resistência ucraniana, Moscovo contou com o maior pacote de sanções aplicadas a um país, que está a causar danos avultados à sua economia, sendo disso exemplo a queda da sua moeda nacional, o rublo, que chegou a ser superior a 60%, embora já tenha, entretanto, recuperado.
Estas sanções, que já levaram as grandes marcas mundiais a deixar a Rússia, como as 850 lojas da McDonalds, a mais simbólica, abrangem ainda os seus desportistas, artistas, homens de negócios, a banca e grande parte das suas exportações, com destaque para o sector energético, do gás natural e petróleo...
Milhares de mortos e feridos e mais de 6,5 milhões de refugiados nos países vizinhos da Ucrânia são a parte visível deste desastre humanitário.