O primeiro Presidente de Angola, da então República Popular de Angola, Agostinho Neto, foi definindo desde sempre que um dos deveres indeclináveis de solidariedade e "internacionalismo" devidos ao nosso país eram a Independência da Namíbia e o fim do apartheid na África do Sul. José Eduardo dos Santos, após oito anos como Presidente e Comandante em Chefe das FAPLA, vencedor na luta contra a invasão sul-africana, inaugurou o monumento três décadas depois (a 19 de Setembro de 2017).
Ao ver as imagens na televisão, surgiram-me na memória companheiros com quem compartilhei alguns momentos históricos naquele teatro operacional: Sanjar, José Pedro, Ita, Ngueto, Mingó e Cowboy que tiveram um papel importante em diferentes fases daquele período e que hoje já não compartilham este momento.
Para a maioria do povo angolano, "cúmplice" deste sonho e que contribuiu sofridamente para a sua concretização, e sobretudo para os combatentes e para os familiares dos heróis tombados durante a longa guerra, acredito ser alentador este reconhecimento para quem, afinal de contas, estava do lado certo da história, não só na sua defesa como no combate para a libertação total do continente africano.
Se na referida cerimónia de inauguração estiveram alguns representantes de combatentes da BCC, brilharam pela ausência figuras conhecidas como os Generais Ndalu, Ngongo, Vietname, Hanga e outros, que tiveram um papel preponderante no quadro estratégico e operativo nesta BCC. Estavam sim presentes alguns Comandantes de diferentes unidades daquela altura. Foi possível reconhecer um dos destacados combatentes do Cuito Cuanavale, o actual General Valeriano, comandante da única brigada que se manteve como "testa de ponte" a Este do rio daquele município no último combate ali realizado no dia 23 de Março. Também se reconheceram protagonistas como os agora oficiais-generais Sousa, Nando, o intrépido Remijo e alguns outros.
Praticamente despercebidos estavam os representantes das embaixadas da Rússia e de Cuba, aliados de Angola naqueles difíceis momentos. Não nos podemos esquecer que, ao contrário do que foi sendo insinuado nos últimos anos, a presença das forças cubanas teve um papel importante nos três últimos meses dos combates em redor do Cuito Cuanavale.
Passados 30 anos da Batalha do Cuito Cuanavale e 42 anos da nossa Independência, estamos convencidos que sem a atitude assumida por Angola com a solidariedade activa de Cuba, a história das independências efectivas no continente africano seria totalmente diferente.
Apreciando a envergadura do Memorial, lamentei a falta de imagens da reportagem sobre o seu conteúdo museológico. Tenho a esperança que o Memorial esclareça uma grande parte das interrogações que surgirão inevitavelmente, e naturalmente, pela distância que o passar do tempo imporá. Face à dimensão do empreendimento, é necessário que o seu conteúdo consiga elucidar os visitantes com a verdade histórica, a verdade mais completa possível.
E é igualmente importante:
- que tenha existido o cuidado de homenagear nominalmente o maior número dos heróis tombados durante o período da BCC com os seus nomes devidamente evidenciados;
- que o Memorial esclareça a confusão criada entre os conceitos de "Batalha", "Operação" e "Combate" e principalmente entre a "Batalha do Cuito Cuanavale" e o "Combate do Tumbo";
- que esteja esclarecida a extensão e profundidade da BCC; as Regiões, Agrupações e Unidades que nela participaram; as datas em que ela iniciou e terminou; as principais operações e combates que a integraram; identificados os principais comandantes aos diferentes níveis; o sistema de direcção criado desde o estratégico ao táctico. [É nosso entender que se se considera a Batalha do Cuito Cuanavale como símbolo da derrota contra as SADF e consequentemente da libertação da Namíbia e término do regime do apartheid, a Frente do Cunene onde se realizou o golpe final contra as SADF constitui parte integrante da BCC];
- que esteja explicado o funcionamento e papel desempenhado pelo Centro de Direcção das Operações (CDO) dirigido pelo Comandante em Chefe das FAPLA e que integrava o Ministro da Defesa e o Chefe do Estado Maior General das FAPLA assim como os Chefes da Missão Militar Cubana [MMCA] e a da Missão Militar Soviética em Angola [MMSA];
- que estejam integrados neste Memorial e explicados os principais "combates" realizados como os de Setembro de 1987 no rio Lomba, os de Outubro no Lungue-Bungo (Moxico), os de Novembro em Chambinga com a 16.ª Brigada, os de Fevereiro de 1988, no famoso duelo de tanques em Chambinga no dia 14 de de Fevereiro, entre forças das 21.ª e 59.ª Brigadas, Grupo Táctico Cubano e as SADF entre outros;
- que no Memorial esteja referenciado, para além do das SADF, o papel exercido pelas forças das FALA (Forças Armadas da UNITA) e a sua Direcção ao longo do período da BCC nas diferentes frentes;
- que no Memorial esteja clarificado o papel das forças cubanas e soviéticas ao longo da BCC, na sua real dimensão;
- que seja rigorosamente verificada a linguagem utilizada na terminologia militar ou identificação de objectos ou localidades, para não corrermos o risco de que termos como "Triângulo do Tumpo" ou "Caixa de Chambinga", de origem das SADF sul-africanas, passando a fazer parte do nosso vocabulário;
- que não se deixe de referenciar a importância da BCC no surgimento da primeira doutrina militar elaborada unicamente por oficiais angolanos - "O Novo Pensamento Militar"- que viria a alterar profundamente a organização político-militar e operacional no teatro de operações militares nos anos seguintes.
Como referiu José Eduardo dos Santos, o principal objectivo do Memorial consiste em divulgar a História do que foi a Batalha do Cuito Cuanavale para as novas gerações e as vindouras.
O Memorial do Cuito Cuanavale só terá importância se, para além da imponente obra arquitectónica e da exaltação dos valores patrióticos, ele conseguir transmitir uma mensagem pedagógica científica de forma objectiva, simples e convincente.
Temos uma forte expectativa que numa altura em que a História sobre a Batalha do Cuito Cuanavale tem sido objecto de estudos aprofundados e de interessantes confrontações por investigadores internacionais, este nosso Memorial possa servir para a promoção de vários encontros regionais e internacionais com o objectivo de aprofundar o conhecimento sobre o que se passou naquela decisiva região da África Austral. As infra-estruturas e condições de alojamento parecem existir para o efeito.
Levanta-se, pois, uma questão fulcral para os investigadores angolanos: - continuarão estes a estar limitados a fazer as suas investigações históricas com base nos documentos de arquivos estrangeiros, ou poderão num futuro muito próximo ter também acesso aos arquivos nacionais para poderem confrontar, com propriedade e fundamento, as teorias que sugerem que Angola desempenhou um papel aparentemente secundário nessa importante fase da luta de libertação do continente africano?
É pois imprescindível - para que protagonistas e investigadores possam realizar cabalmente o seu trabalho - que, quem de direito, coloque os arquivos à disposição, algo que pensamos já ser possível passados que foram 30 anos desde a Batalha do Cuito Cuanavale.
A obra física do Memorial foi inaugurada. O Presidente José Eduardo dos Santos deixa para a História não só o papel que desempenhou, mas o seu nome gravado na placa de inauguração. Estão de parabéns os arquitectos e artistas pela qualidade da obra que observamos. Surge agora a necessidade de a preservar e enriquecer, dar-lhe o seu profundo e verdadeiro sentido, e e garantir que não sofra as amarguras enfrentadas pelo Monumento de Kifangondo. Uma tarefa que será seguramente complicada neste período de crise para quem tenha recebido tal responsabilidade. É mais uma tarefa importantíssima para a nossa dignidade como angolanos e como povo herdeiro da valentia e do heroísmo de todos os que tombaram naquela terra sacrificada.
O apoio de Cuba: Um contributo para a vitória
Por via de documentos tornados públicos em diversos arquivos e publicações e que não foram desmentidos, sabe-se que chegava ao Cuito Cuanavale, em Janeiro de 1988, um reforço cubano que inicialmente contava com forças de 121 homens, tendo chegado a atingir mais de um milhar de militares semanas depois, enquadrado num Grupo Táctico (GT) composto por unidades de infantaria, tanque e artilharia. Parte destas forças participaram até finais de Fevereiro em acções a Este do rio Cuito, nomeadamente no famoso combate de tanques em Chambinga no dia 14 de Fevereiro entre as FAPLA das 59.ª e 21.ª Brigadas contra as forças sul-africanas (SADF), um dos combates mais violentos da BCC em que as FAPLA tiveram dolorosas baixas perdendo 17 tanques e 18 veículos. Neste combate participou igualmente uma companhia de 7 tanques cubanos (comandada, segundo o registo, pelo Tenente Coronel Ciro Goméz Betancourt). Dos sete tanques só um regressaria. Trinta e dois cubanos perderam a vida em combate ao longo do mês de Fevereiro, catorze dos quais deixaram o seu sangue em Chambinga, para além de vários feridos graves evacuados.
Silenciar ou minimizar a presença cubana na Batalha do Cuito Cuanavale é no mínimo indigno, principalmente por parte de quem com eles compartilhou aqueles momentos decisivos. Foi oportuno e reconfortante o reconhecimento e agradecimento feitos, durante o encerramento da referida actividade, pelo Ministro da Defesa em exercício - General Kianda - à contribuição de Cuba não só no Cuito Cuanavale como na sua participação activa na luta pela independência da Namíbia e na derrota do apartheid. Se a referida referência surgiu durante a intervenção em directo na Televisão Pública, estranho foi não a ter visto repetida nos noticiários posteriores e nos órgãos de imprensa públicos ou privados.
*texto publicado na edição n.º 501 do Novo Jornal , de 22 de Setembro de 2017