O general exercia o cargo de chefe do Estado-Maior General adjunto das FAA para a Área Operacional e de Desenvolvimento, quando, em Abril de 2018, foi indicado pelo Presidente da República, João Lourenço, para substituir o tenente-general André de Oliveira Sango, que o ocupava desde 2006. Zé Grande nasceu em Benguela a 21 de Fevereiro de 1959 (faz 64 anos no próximo mês). É tido como alguém ligado ao Presidente João Lourenço, desde o tempo em que ambos estiveram em formação militar na ex-União Soviética. Foi responsável pelas Relações Internacionais e Intercâmbio do Ministério da Defesa Nacional, na altura em que o actual Chefe de Estado era o ministro da instituição. Também já foi comandante do Terminal Aéreo Militar (TAM). "A sua disciplina, zelo, capacidade de análise, objectividade, lealdade e sentido patriótico foram qualidades que terão contribuído, na altura, para que o seu amigo, conterrâneo, contemporâneo e companheiro de armas o nomeasse director-geral do Serviço de Inteligência Externa (SIE).
A 16 de Outubro de 2017, durante o discurso do Estado da Nação, o PR fez uma referência ao sector da Defesa e Segurança do País, tendo destacado a necessidade de uma maior valorização dos Serviços de Inteligência e dos seus quadros. "O Serviço de Inteligência precisa de ser modernizados e os seus efectivos valorizados, reconhecidos e motivados. É importante que se mantenham a par da evolução tecnológica, para a garantia do reforço da integridade das instituições do Estado angolano e para a prevenção e combate ao terrorismo", disse, na altura, João Lourenço. Tendo em Março do ano seguinte nomeado o general Fernando Garcia Miala director-geral dos Serviços de Inteligência e Segurança do Estado (SINSE) e no mês seguinte era Zé Grande que era nomeado director-geral dos Serviços de Inteligência Externa (SIE), na altura João Lourenço estava convencido de que tinha sido o "padrinho" de um casamento perfeito entre Miala e Zé Grande e que estava lançado o caminho para que os "Serviços" funcionassem de forma mais perfeita e harmoniosa sintonia, cooperação e coordenação. Ledo engano! O certo é que tal situação raramente se verificou e um ciclo termina agora com uma exoração.
A urgente e necessária refundação do SIE
A exoneração de Zé Grande traz um grande e urgente desafio ao seu sucessor, Matias Bertino Matondo: A refundação do SIE. É preciso devolver à alma, o espírito e o ADN da instituição, que se foi perdendo desde a saída compulsiva de Fernando Garcia Miala, em 2006. Os doze anos sob liderança de André Sango, a chamada Era Sango (2006-2018), não deram continuidade a uma estratégia que vinha sendo implementada por Fernando Miala e sua Task-Force com Miguel André, Conceição Domingas "chefe São" e Constantino Vitiaka, no período de 1998-2006. Sango, o académico, fez jus à profissão e deixou como legado a Academia do SIE, mas deixou muitas lacunas para preencher do ponto de vista social e da valorização de quadros.
A Era Zé Grande também não esteve à altura dos desafios lançados por João Lourenço em 2017, e o SIE foi gradualmente descaracterizado quer do ponto de vista dos recursos humanos, quer da sua visão e estratégia. Bertino Matondo, um "filho da casa", é a solução interna que há muito se procurava para a instituição, uma vez que os seus dois últimos antecessores são tidos como soluções externas e que praticamente não funcionaram.
"A modernização do SIE, a valorização, o reconhecimento e a motivação dos quadros que o Presidente João Lourenço pediu em 2017 não aconteceram nestes últimos cinco anos da Era Zé Grande. Temos, hoje, uma instituição dividida, fragilizada, temos um elevado índice de desmotivação de quadros que se sentem desvalorizados. Essa é a casa que Bertino Matondo irá encontrar no seu regresso e que terá de refundar", avança Artur Nunes (nome fictício de um quadro recentemente reformado pelo SIE). O novo homem terá, nos próximos tempos, de olhar para dentro e fazer um esforço hercúleo na refundação da instituição.
A questão remuneratória, a promoção e progressão de carreiras, a chamada Geração 2000 criada e preparada na Era Miala para assumir a liderança da instituição e que, ao longo dos últimos 17 anos, se viu literalmente posta de parte. Outro desafio será o da cooperação e coordenação com os restantes serviços, nomeadamente o SINSE e o SISM (Serviços de Inteligência e Segurança Militar). O SIE precisa de criar estruturas internas para o controlo dos próprios poderes do seu director-geral.
O excesso de poderes, bem como a falta de controlo e fiscalização do mesmo acabam por tornar os seus directores verdadeiros "absolutistas", sem que existam internamente mecanismos para o controlo e a limitação dos poderes, proporcionando situações de verdadeiro abuso do exercício do poder. A refundação passa, também, pela criação de mecanismos internos e externos para o controlo do exercício do poder e gestão financeira, humana e patrimonial da instituição. O dossier Jardim do Éden, com início na Era Sango, é uma "batata quente" que lhe vai também cair em mãos.
Os pecados e a inevitável queda do general Zé Grande
A subida de Zé Grande ao SIE foi uma forma de João Lourenço contornar a sua ida para o cargo de chefe do Estado-Maior das FAA, onde percebeu que havia certos "anticorpos" por parte da elite castrense à sua possível nomeação. Zé entrou em "grande" no SIE e a sua indicação criou imensas expectativas junto dos trabalhadores, sendo que, no início, terá mesmo dado sinais de priorizar a melhoria das condições sociais dos quadros da instituição, a sua valorização e o reconhecimento em termos remuneratórios e de progressão de carreiras.
Contudo, num período de quase cinco anos da sua gestão (Abril 2018- Janeiro 2023), o SIE terá admitido perto de 500 novos quadros, a maior parte deles sem vocação, experiência ou conhecimento da actividade de inteligência e segurança. "A maior parte foi admitida com base em certas conveniências, e a competência era posta de lado. Digamos que houve uma espécie de nepotismo e em que muitas das admissões era de um círculo muito próximo e privilegiado da chefia da instituição. O certo é que baixou consideravelmente o nível e a qualidade da informação no SIE", avança ainda a fonte do NJ.
O SIE foi perdendo o domínio da capacidade operativa e de penetração externa (algo que já vinha acontecendo desde a Era Sango). Perdeu network e foi tendo uma liderança ausente e afastada dos principais problemas internos. As constantes ausências e viagens para o exterior e sem resultados visíveis fizeram que Zé Grande chegasse a ser apelidado por muitos dos seus directores de "caixeiro-viajante". Também tentou impor uma disciplina e cultura militar para uma instituição que hoje precisa de ser cada vez mais desmilitarizada e mais "civilizada", uma instituição mais adaptada aos novos desafios e exigências da inteligência global.
A sombra de Fernando Garcia Miala
Um dos seus grandes erros foi ter cortado a cooperação com o SINSE e minimizar a influência de Fernando Miala. O "fantasma Miala" ainda assombrava o SIE de Zé Grande e pessoas a ele ligadas eram algumas advertidas publicamente. Esta luta de egos e de protagonismos entre ambos fez que os SIE e o SINSE deixassem de comunicar, coordenar, cooperar e partilhar entre si com consequências negativas para o sistema de segurança nacional.
Com este cenário, a reactivação da Comunidade de Inteligência passou a ser algo atirado para as "calendas gregas". Há algum tempo que o SINSE, preocupado com a situação dos homólogos da "Externa" (SIE), começou a monitorar Zé Grande, os seus actos e decisões, passando a relatá-los ao PR. João Lourenço foi tomando conhecimento das ocorrências e criou uma estrutura paralela de comunicação sobre assuntos da Externa com o SINSE.
Dossiers e relatórios com informações precisas sobre os Congos, Grandes Lagos, SADC, Portugal, Isabel dos Santos e Marimbondos chegavam ao seu gabinete por via do SINSE e do destacado, eficiente e zeloso Miala. A entrada no SIE de um número considerável de novos quadros sem conhecimentos, experiência e visão de inteligência, sendo que muitos deles foram "despachados" para as Unidades Externas, também não criou uma imagem positiva da instituição junto dos seus homólogos no exterior. Fontes do SINSE confirmaram ao NJ que chegavam a receber, muitas vezes, pedidos de órgãos externos para a cedência ou confirmação de dados /informações que, em condições normais, deviam ser tratadas com o SIE.
Certas falhas e coordenação de segurança e inteligência em situações, envolvendo o próprio PR, como os casos de Lisboa 2018 (caso da jornalista que interrompeu o discurso do PR para ler um poema), Sochi (Rússia), em 2019, em que João Lourenço teve de "aturar" Isabel dos Santos durante um dos painéis de discussão, situações ocorridas ultimamente em Londres e Brasília, também em nada abonaram a seu favor. A figura, imagem e trajectória de Fernando Miala foram literalmente "apagadas" por Zé Grande no recém-inaugurado Museu do SIE, nem recebeu um convite para estar presente no lançamento do livro do então director-geral do SIE, em Julho último. O certo é que Miala e o SINSE foram tendo cada vez mais presença, protagonismo e influência junto de João Lourenço, até à vitória final que se materializou no dia 20 de Janeiro.
sucessão: JLO e a demissão anunciada de Zé Grande
Há algum tempo que o Presidente da República, João Lourenço, vinha procurando um sucessor para Zé Grande no SIE e a sua acomodação. Em Setembro, chamou-o e convidou-o para lhe propor o cargo de embaixador
em França. Zé Grande não aceitou e manifestou não ter interesse
em terminar a sua carreira na diplomacia. Não muito habituado
a ser contrariado, não caiu bem a João Lourenço, mas o certo é que a exoneração era uma questão
de tempo e de surgimento do momento ideal.
Os acontecimentos em Brasília no final do ano só vieram acelerar o processo da sua saída. Na quinta-feira, 19, quando entrou na reunião do Conselho de Defesa
e de Segurança, o general levava uma proposta de alteração da estrutura orgânica do SIE com nomes para a exoneração e nomeação, mas João Lourenço de forma contundente terá respondido: " Não faz sentido retirar este ponto (da agenda de trabalhos)", sendo-lhe também anunciado que o seu consulado de 57 meses à frente
do SIE terminava ali. Era a crónica de uma demissão anunciada.