A aritmética que demonstra o imbróglio em que o Governo pode estar é simples: o OGE para 2019 foi elaborado com base num preço médio do barril nos 68 dólares norte-americanos e às 08:30 (hora de Luanda) de hoje, no Brent londrino, estava a ser vendido a menos 3, 29 USD que o valor estimado para 2019 pela equipa económica do Executivo angolano.

A razão para esta situação, como o NJOnline antecipava ontem, é que o conjunto das economias globais, especialmente as grandes economias norte-americana, chinesa e indiana, estavam a acumular stocks enormes devido ao aumento da oferta gerada com o crescimento da produção efectivada em Junho pela Arábia Saudita, deixando, como não acontecia há pelo menos dois anos, a procura aquém do disponível.

Em Junho, a Arábia Saudita e a Rússia, que integram a denominada OPEP+, nascida do acordo assinado em finais de 2016 entre a Organização de Países Exportadores de Petróleo (OPEP) e 11 produtores não-membros liderados pela Rússia como forma de controlar a produção e os preços que, na época, estavam extremamente baixos, decidiram aumentar a produção em mais de 500 mil barris por dia, como exigia o Presidente dos EUA, Donald Trump.

Com isso, não só deram um sinal aos mercados de que a política de restrição na produção estava a esboroar-se como mostraram fragilidade face às pressões políticas da superpotência, respondendo estes com uma baixa acentuada no que estavam dispostos a pagar por barril, ao mesmo tempo que as grandes economias aproveitaram os preços moderados para acumular reservas estratégicas, conduzindo este cenário ao actual contexto de excesso de oferta face à procura global.

Resultado: uma queda brutal no barril de Brent de quase cinco dólares e com tendência de queda a manter-se, apesar de a Arábia Saudita e a OPEP ter, na segunda-feira, anunciado que ia cortar a produção, em pelo menos 500 mbpd, para tentar controlar a queda que estava a suceder. Sem grande sucesso, como se viu hoje na abertura dos mercados, porque os países importadores estão muito bem abastecidos.

A resposta final só será, todavia, dada em Dezembro, quando a OPEP+ se reunir para analizar o actual cenário.

Angola, e agora?

Face a este cenário, que começou a erguer-se nas vésperas da votação do OGE para 2019 na generalidade, como vão reagir o Governo e os deputados que hoje vão votar este documento reitor da política nacional para o próximo ano? A votação terá lugar ao final da manhã de hoje e, provavelmente, não haverá tempo para medidas correctivas, mas alguns economistas já vieram a público defender um adiamento da votação.

Até porque, ao que tudo indica, o OGE não integra um plano B, que poderia admitir este tipo de ocorrência, permitindo isso um ajustamento das contas de última hora, sem embaraços de maior, ao proporcionar elasticidade a partir de distintos valores médios atribuídos ao barril de petróleo.

A razão, aparentemente, é que o valor do barril no OGE fora definido de forma conservadora face aos valores de referência estimados para 2019 pela AIE e pelo FMI, que previam preços superiores para as exportações angolanas.

Mas o Executivo de João Lourenço e os deputados das diferentes bancadas parlamentares contam com uma ajuda de última hora que atenua o constrangimento gerado por esta nova realidade.

A Agência Internacional de Energia (AIE) publicou na terça-feira um relatório que contraria os actuais números ao insistir nos dados que já tinha publicado em Março deste ano e que projectam uma crescente procura por crude de 1 milhão de barris por dia em média anual até 2025 com o pico da demanda a ser atingido apenas em 2014.

Isto, porque a AIE estima que alguns sectores vão fomentar o consumo de forma incontornável, com destaque para as actuais economias em desenvolvimento, que não terão alternativas razoáveis energéticas face às apostas que se estão já a desenhar, o sector petroquímico mostra sinais claros de crescimento acelerado neste espaço temporal e ainda um relativamente coerente mas até aqui fora das parcelas principais desta soma, que é o aumento da produção e utilização de veículos pesados de carga.

Estes dados não escondem a esperada crescente utilização de veículos eléctricos ligeiros, que tem um impacto não negligenciável no negócio do petróleo.

Outros recados da AIE

Mas a AIE também não deixou, em Março, de avisar que Angola é uma das grandes vítimas da crise de 2014, quando o barril desceu de forma vertiginosa, dando origem à crise económica que o país ainda atravessa, ao sublinhar que a baixa dos preços levou as multinacionais petrolíferas a desleixar os trabalhos de manutenção das suas infra-estruturas produtivas, desinvestir e procurar alternativas menos dispendiosas.

Face a isto, e apesar dos melhores preços dos últimos meses, a produção angolana vai descer gradualmente até 2023 dos actuais, em média, 1,5 milhões de barris por dia para uns escassos 1,29 milhões.

Quebra esta que não deverá ser compensada integralmente pelas medidas legislativas decididas pelo Governo, nomeadamente a reestruturação da Sonangol, tornando-a mais ágil e focada no seu principal negócio, os incentivos fiscais tornados lei, como, por exemplo, a diminuição das taxas aplicadas a exploração dos denominados campos marginais, ou ainda ao gigantesco investimento da Total no seu Kaombo, que deverá, no próximo ano, acrescentar mais de 200 mil barris à produção angolana.