O projecto Kaombo da Total é encarado no meio petrolífero angolano, admitiu ao Novo Jornal Online uma fonte liga ao sector, como o marco que pode definir o fim do declínio da indústria petrolífera angolana e o retomar do investimento das multinacionais no offshore nacional.
Já não é segredo para ninguém que, com os preços a cair continuamente, as multinacionais foram desinvestindo nos últimos anos a ponto de a Agência Internacional de Energia (AIE) ter divulgado em Março último um relatório que prevê uma queda da produção dos faiscantes 1,8 milhões de barris por dia (mbpd) em 2015 para pouco mais de 1,2 mbpd nos próximos cinco anos, até 2023.
Isto, porque, explica a AIE, o desinvestimento nas infra-estruturas por parte das grandes empresas, em resultado dos baixos preços, com o inerente desmantelar dos equipamentos, ou a sua colocação em "stand by", pode ser feito com alguma celeridade, mas para reatar a normalidade na produção, podem ser necessários anos, devido à complexidade de todo o complexo petrolífero na área da produção offshore.
Nos últimos quatro anos, o sector petrolífero angolano desceu montanha abaixo, da euforia dos mais de 100 USD em 2014 por barril à depressão dos 30 de 2016, estando agora a recuperar a olhos vistos mas ainda longe dos tempos em que Angola surgiu aos olhos do mundo como o novo "el dorado", em 2008, quando, por cada barril, os mercados chegaram a pagar 147 dólares.
Os actuais 73 dólares por barril, pagos no mercado londrino (Brent), que modela os valores diários das exportações nacionais, com as crises internacionais e a estratégia de cortes da Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP)
Kaombo, "l"espoir"
É face a este cenário deprimente para a indústria petrolífera angolana e para a economia nacional, que tem no crude, ainda, o responsável por cerca de 95 por cento do total das suas exportações, continuando uma economia claramente petrodependente, que o projecto Kaombo, da francesa Total, está a ser visto como a esperança de que venha a constituir um ponto de viragem e o regresso de Angola aos bons velhos tempos.
Para já, como a multinacional acaba de divulgar, o primeiro dos dois navios-plataforma, do género FPSO, que agrega à capacidade de extracção, a de armazenamento e distribuição para terceiros, chegou ao Kaombo, onde se perspectiva o início da exploração de facto dentro de poucos meses, que deverá chegar aos 230 mil barris por dia, em plena produção.
Este FPSO tem capacidade para extrair das águas ulta profundas do Kaombo 115 mil barris por dia, o que vai, segundo a Total, que opera o projecto e nele tem 30 por cento de quota, dar o tiro de partido para que, quando estiver em pleno, a companhia francesa veja a sua produção global de petróleo e gás natural aumentar cerca de 6 por cento este ano.
Para além da Total, o Kaombo conta com uma participação de 30 por cento da Sonangol (concessionária), mais 20 da sino-angolana Sonangol Sinopec International, e os restantes são da Esso (15%) e Galp (5%).
Kaombo por dentro
Kaombo é um enorme projecto lançado em 2014 pela Total, o primeiro em águas ultra profundas do Bloco 32, que se estende por mais de 800 quilómetros quadrados ao largo da bacia do Kwanza, e é ligado por cabos e pipelines submergidos com mais de 300 kms entre as duas FPSO previstas para ali operarem.
A operadora do projecto estima que dele venham a ser retirados, ao longos dos próximos anos, mais de 650 milhões de barris, que estão depositados a profundidas enormes, em alguns locais superiores a 2 000 metros.
No global, Kaombo conta com seis campos de exploração e quando foi anunciado, em 2014, a Totalo estimava conseguir o "first oil", ou o primeiro petróleo dali extraído, em 2017, mas a queda abrupta do valor do barril nos mercados internacionais - chegou mesmo abaixo dos 30 USD em Fevereiro de 2016 - levou a companhia a protelar esse momento.
Foi o acordo da OPEP com outros países, como a Rússia, com o objectivo de estabilizar e fazer subir os preços, através de um corte diário na produção de 1,8 mbpd, com Angola a contribuir com 78 mil, que proporcionou razões para a Total voltar a acelerar as coisas, com base na subida do valor da matéria-prima, chegando a quase triplicar o preço do barril do início de 2016 para o início de 2018.
O investimento global previsto para este projecto é de 3 mil milhões de dólares, contabilizando já a novidade que foi o facto de a Total, contrariamente ao que sucedia até aqui, ter apostado na transformação de outros navios, petroleiros, em navios-plataforma (FPSO), como é o caso dos dois que vão operar no Kaombo.
Médio Oriente, extrema ameaça
Um dos grandes problemas que a indústria petrolífera nacional enfrenta actualmente é o relativamente elevado custo da produção, que, apesar de não haver números exactos, rondará os 15 dólares por barril, apesar de a Sonangol ter adiantado que tinha conseguido reduzir os custos de produção para menos de 8 USD/barril nos anos de 2015/16.
Apesar de o país ter conseguido reduzir substancialmente estes custos, a verdade é que o Médio Oriente, onde estão alguns dos maiores produtores mundiais, como a Arábia Saudita (1º) e o Irão (4º), contando ainda com o Iraque (5º), representando a região mais de 30 mbpd do total global à volta dos 92 mbpd, apresentam-se com muito menos custos de produção para as multinacionais do sector.
Esses custos, por vezes inferiores a 5 USD/barril, impõe que, num tempo de grande volatilidade nos preços, e com tendência para descer, devido às grandes mudanças no perfil do consumo - como exige o combate ao aquecimento global/alterações climáticas -, se torne evidente a preferência dos gigantes mundiais para investirem, mesmo que, como é o caso dos dias que correm, os preços estejam a subir com algum vigor e bem acima dos 70 USD/barril.
É neste confronto que Angola, que surge no mapa dos valores de custo/produção com dificuldades de ser competitiva neste domínio, perde e esteja a assistir a um continuado desinvestimento nos últimos quatro ano.
Mas se se olhar estritamente para Kaombo, onde a Total, que é um dos gigantes mundiais do sector, está a apostar de forma inequívoca, começa a surgir no horizonte a possibilidade de que o offshore angolano volte a ser sobrevoado por dezenas de helicópteros, como acontecia até 2014, entre Luanda e as plataformas, que fervilhava de técnicos e o crude jorrava com abundância, tal como o champagne nas petrofestas que iluminavam as noites luandenses.