A noite de Domingo para hoje foi a sexta consecutiva de protestos que se estão a alargar a todo o país, com as principais cidades, desde Minneapolis, onde tudo começou, a Los Angeles, a primeira urbe a "acordar" para esta vaga de contestação à morte de mais um negro nos EUA, passando quase em simultâneo a Detroit, Filadelfia, Boston, Chicago, Seatle, Nova Iorque... mas também, embora pacíficos, além mar, de Londres a Sidney, de Paris a Lisboa, porque a brutalidade policial atingiu um pico nunca visto por tantas pessoas quase em directo nas redes sociais.
Durante nove longos minutos, Derek Chauvin, um polícia do Departamento de Polícia de Minneapolis, manteve o seu joelho esquerdo sobre o pescoço de George Floyd, a centímetros da roda de um dos carros que levaram os agentes até ao local, mostrando, nas fotografias e nas imagens, em letras garrafais, a palavra Minneapolis estampada na viatura, tornando esta a cidade mais falada em todo o mundo na última semana.
Floyd dizia, na voz diluída que conseguia projectar, apesar de notoriamente em dificuldades, que não conseguia respirar, clamando ao agente para, "por favor", o deixar respirar, mas Chuavin, o polícia, impávido perante as palavras do negro de 46 anos que esmagava contra o asfalto e das várias pessoas que à sua volta lhe diziam que o estava a matar, sem se poderem aproximar devido à barreira criada por mais três agentes, manteve a situação por nove longos minutos, tempo suficiente para que o vídeo chegasse às redes sociais quase em directo...
E a abrangência das imagens foi de tal ordem que logo que se soube que um hospital próximo tinha confirmado o óbito de Floyd, as manifestações de repúdio surgiram na cidade e noutras localidades do estado de Minnesota, primeiro pacificamente, depois com violência, alastrando em escassas horas a Los Angeles, e depois, a primeira noite em chamas, com esquadras e carros da polícia e equipamentos públicos a arder...
As últimas palavras de George Floyd antes de morrer "Não consigo respirar - I Can"t Breathe" rapidamente voaram para milhares de cartazes em todos os protestos, tornando-se num dos mais sonantes slogans de protesto, ao mesmo tempo que ressurgia o movimento "Black Lives Matter - As vidas dos negros são importantes", exigindo-se a rápida condenação do polícia Chauvin e dos seus colegas.
Mais tarde, já na quinta-feira, a autópsia feita ao cadáver de George Floyd, revelou que este não morreu devido a asfixia, mas sim por problemas cardíacos relacionados com o trauma que sofreu.
Ficou igualmente claro, pela análise exaustiva dos vídeos, feitos pelas pessoas e pelas câmaras de vigilância situadas nas proximidades, que Floyd nunca resistiu à detenção quando foi abordado por ser suspeito de ter, momentos antes, usado uma nota falsa de 20 dólares para comprar cigarros, numa pequena loja, tendo mesmo mostrado um comportamento colaborante com os quatro agentes que o detiveram.
Sem muito por onde contornar a situação, a polícia de Minneapolis, suspendeu os quatro mas, pouco depois, estes eram compulsivamente despedidos e Derek Chauvin acabou mesmo por ser acusado formalmente de homicídio por negligência.
Não sendo pouco, alias, nunca ocorreu um processo de acusação tão rápido, também não chegou para travar a fúria das ruas, devido ao longo, de décadas, e dezenas de casos onde negros sucumbem a balas disparadas por polícias nos EUA, desde - apesar de a história ser ainda e muito mais longa - 1991, quando, em Los Angeles, o também negro Rodney King foi filmado a ser espancado brutalmente por um grupo de polícias e, no ano seguinte, começaram os grandes protestos porque o tribunal praticamente ilibou ou condenou a penas irrisórios os envolvidos.
Mas há um desses casos, dos muitos ocorridos entre o espancamento de Rodney King e a morte de Floyd, que se destaca, o de Eric Garner, em 2014, em Nova Iorque, um negro, de grande estatura e forte, atirado ao chão por vários agentes da polícia, que se colocaram em cima dele, também no pescoço, enquanto este gritava, pelo menos 10 vezes e durante vários minutos, como os vídeos da altura o mostram, que não conseguia respirar, acabando igualmente por morrer.
Agora, naquilo que está a ser visto como uma derradeira tentativa para que os EUA deixem de ser um vasto campo de morte para negros às mãos de polícias brancos - mesmo que alguns dos episódios mais selváticos tenham envolvido polícias negros a atirar em civis negros, razão pela qual milhares de brancos e hispânicos se estão a juntar aos protestos, grita-se que para que as comunidades possam "respirar", é preciso mudar radicalmente as posturas policiais e as regras internas, porque até aqui todas as tentativas falharam, como a de colocar câmaras de filmar nas viaturas e nas fardas dos agentes.
E nem as dezenas de recolher obrigatórios noutras tantas cidades norte-americanas estão a conseguir travar estes protestos, que se destacam dos anteriores pela abrangência geográfica jamais vista, ou a chamada para as ruas de milhares de homens da Guarda Nacional, milhares de polícias a disparar granadas de gás lacrimogéneo e mesmo balas de borracha, ou mesmo as ameaças de atirar a matar feitas por Donald Trump, ou até os pedidos pungentes de rappers conhecidos, desportistas ou mesmo da família de George Floyd para que a violência termine; sequer os mais de 4 mil detidos; nada parece tratar a onda gigante de protestos que varre os EUA, como que a deixar claro que agora tem de ser diferente.
Face a isto tudo, o Presidente norte-americano, que começou por ameaçar os manifestantes com disparos a matar perante as pilhagens, tendo depois retrocedido, diz agora que tem tudo pronto para esmagar estas revoltas com a chamada à cena do Exército.
E perante a aproximação dos protestos ao gradeamento da Casa Branca, Trump ameaçou que se esta fosse atravessada, os mais "selvagens cães" e as "mais terríveis armas" serão atirados contra eles, garantindo anda que tudo está pronto para o uso de "poder ilimitado e detenções ilimitadas" para travar estes protestos violentos.
Mas há, ao fim de seis dias e noites de protestos ininterruptos, uma ideia a emergir das ruas das grandes cidades norte-americanas, como está a ser sublinhado por analistas ouvidos pelos media do país: a de que já não é só a morte de Floyd e a fúria contra a morte de negros pela polícia, que está a mover tantas pessoas para as ruas, é também já uma acção política contra as políticas conservadoras e, por vezes, racialmente discriminatórias, do Presidente Trump.