A "autonomia local" comporta cinco dimensões: "organizativa, regulamentar, administrativa, financeira e patrimonial" (artigo 214º, 2, CRA). Pelo lado da dimensão organizativa, o Poder Local assume três formas: "[1] as Autarquias Locais; [2] as instituições do Poder Tradicional e [3] outras modalidades específicas de participação dos cidadãos, nos termos da lei" (artigo 213º, 2, CRA). A Constituição regula de maneira desigual as duas primeiras formas e não diz nada sobre a terceira. Sobre esta a Lei Orgânica do Poder Local (Lei 15/17) define-as como "entidades, entre outras, de natureza associativa, permitidas por lei, para a prossecução de interesses públicos" (artigo 25º, 3, LOPL) e resume-as, de momento, às "comissões de moradores" (artigo 25º, 3, LOPL) que são reguladas por lei própria (Lei nº7/16, de 1 de Junho, Lei Orgânica sobre a Organização e Funcionamento das Comissões de Moradores), onde são entendidas como pessoas colectivas de direito público, "resultante da união voluntária e organização de pessoas residentes num determinado espaço territorial" (rua, prédio, quarteirão, aldeia...) que visam "a resolução de problemas comuns dos moradores; a participação activa na vida da comunidade; a promoção da solidariedade e da cooperação na comunidade; a defesa dos interesses comuns dos moradores e a melhoria da qualidade de vida dos moradores" (Portal das Comissões de Moradores).

As instituições do Poder Tradicional são reconhecidas no seu "estatuto, papel e funções", desde que "constituídas de acordo com o direito consuetudinário" e que não seja conflituante com "a Constituição, nem com a dignidade da pessoa humana" (artigo 223º, CRA). No entanto, estas entidades apenas "personificam e exercem o poder no seio da respectiva organização político-comunitária tradicional", na observância de dois pressupostos fundamentais: "os valores e normas consuetudinários e o respeito pela Constituição e pela lei" (artigo 224º, CRA). No mais, sobre estas instituições do Poder Tradicional, sobre suas "atribuições, competências, organização, regime de controlo, da responsabilidade e do património", bem como, sobre a sua "tipologia", ou ainda "sobre "as relações institucionais destas com os Órgãos da Administração Local do Estado e da Administração Autárquica", Constituição remete para a lei regular (artigo 225º, CRA).

As Autarquias Locais aparecem como a forma-regra da governação local, definidas na Constituição como "pessoas colectivas territoriais correspondentes ao conjunto de residentes em certas circunscrições do território nacional e que asseguram a prossecução de interesses específicos resultantes da vizinhança, mediante órgãos próprios representativos das respectivas populações" (artigo 217º, 1, CRA).

"As autarquias locais organizam-se nos municípios" (artigo 218º, 1, CRA). Mas, sendo este o princípio-regra, podem também ser constituídas autarquias de nível supra-municipal", isto é, a nível da província, "tendo em conta as especificidades culturais, históricas e o [seu] grau de desenvolvimento (conjugação dos artigos 5º, 3 e 218º, 2, CRA), ou ainda, "de acordo com as condições específicas", autarquias "infra-municipais", isto é, a nível das Comunas ou dos Distritos (conjugação dos artigos 5º, 3 e 218º, 3, CRA), pois a organização político-administrativa do país, na actual Constituição, contempla expressamente dois escalões; a província e o município, podendo ainda o território "estruturar-se em comunas e em entes territoriais equivalentes [distritos], nos termos da Constituição e da lei" (artigo 5º, 3, CRA).

A Constituição é clara em relação à definição do espaço de governação, quer do Executivo (isto é, a Administração Central do Estado), quer do poder local autónomo. E, ao nível local, também é clara a distinção entre a Administração Local do Estado (órgão desconcentrado do Executivo) e do Poder local autónomo.

A Administração Local do Estado é assumida pelo Governador Provincial, a quem incumbe "assegurar, a nível local", "a realização das atribuições e dos interesses específicos da Administração do Estado", na respectiva província, sem prejuízo da autonomia do poder local (artigo 201º, CRA).

As autarquias locais dispõem, pois, de "autonomia local" em relação aos órgãos do poder central que se traduz no "direito e capacidade efectiva" de "gerirem e regulamentarem" "os assuntos públicos locais", sob sua responsabilidade e no interesse das respectivas populações", "nos termos da Constituição e da lei" (artigo 214º, 1, CRA). São dois os órgãos das Autarquias Locais: "uma Assembleia dotada de poderes deliberativos [e] um Órgão Executivo Colegial" (artigo 220, 1º, CRA). A primeira constituída por "representantes locais eleitos", pelos cidadãos eleitores da respectiva autarquia (artigo 220, 2º, CRA) e, o segundo, pelo seu Presidente, "o cabeça da lista mais votada para a Assembleia" (artigo 220º, 4, CRA) e por Secretários por si nomeados (artigo 220º, 3, CRA), "todos responsáveis perante a Assembleia da Autarquia" e o seu eleitorado (artigo 220º, 3, CRA). Esta Assembleia, para além de aprovar o Plano de Desenvolvimento Autárquico e os respectivos Plano de Actividade e Orçamento anuais, dispõe de poder regulamentar, nos termos da Constituição e da lei.

Segundo a Constituição, as Autarquias Locais têm património próprio e um "regime de finanças locais" que visa "a justa repartição dos recursos públicos pelo Estado e pelas autarquias" e a "correcção desigualdades entre autarquias", bem como o equilíbrio entre receitas e despesas (artigo 217º, 3, CRA). Nesse sentido o OGE, todos os anos, "apresenta a previsão de verbas a transferir para as Autarquias Locais, nos termos da lei" (artigo 104º, 3, CRA). As autarquias locais tem atribuições em quase todos os domínios, nomeadamente, "da educação, saúde, energia, águas, equipamento rural e urbano, património, cultura e ciência, transportes e comunicações, tempos livres e desporto, habitação, acção social, protecção civil, ambiente e saneamento, defesa do consumidor, promoção do desenvolvimento económico e social, ordenamento do território, polícia municipal, cooperação descentralizada e geminação" (artigo 219º, CRA). Cabe a lei estabelecer outras atribuições não previstas e, sobretudo, definir a densidade destas atribuições, transformando-as em competências concretas.

É já uma verdade a La Palice dizer que o país precisa de desenvolvimento; entendido como crescimento económico, bem-estar das suas populações e participação dos cidadãos na gestão da res publica. É também uma verdade incontrovertida e de aceitação unânime afirmar que as autarquias são um poderoso instrumento de desenvolvimento sustentável. As autarquias municipais são um instrumento de desenvolvimento sustentável por várias razões: porque são uma forma de governação da res publica local mais eficiente e eficaz do que a administração do Estado; porque permitem maior mobilização do capital humano local, das disponibilidades financeiras e orçamentais e mais transparência e prestação de contas dos governantes; porque possibilitam um melhor aproveitamento das disponibilidades infraestruturais do país e uma maior participação dos cidadãos na vida pública do país.

As autarquias municipais não sendo uma solução miraculosa, são uma solução realista, são uma mola impulsionadora de integração, participação e desenvolvimento, um meio de partilha de um sentido de pertença a uma comunidade de destino. As autarquias municipais são, pois, para além de uma obrigação constitucional, uma necessidade nacional.

A questão da implementação das autarquias não pode ser vista como um simples expediente de poder, uma questão táctico-partidária, é uma questão nacional com várias vertentes: constitucional, política, económica, social e cultural, entre outras. Para além de que a ciência do direito deve ser assumida como valor público. A não realização urgente das autarquias torna a Constituição letra morta, desconsidera os imperativos nacionais de desenvolvimento do país, porque não há desenvolvimento que não seja primeiramente local! n

*Investigador-coordenador CEA-UCAN