Ninguém pode realizar-se como ser humano se não tiver assegurado o respeito ao exercício da sexualidade, conceito que compreende a liberdade sexual, incluindo a liberdade da livre orientação sexual. A sexualidade é um elemento integrante da própria natureza humana e abrange a dignidade humana. Todo o ser humano tem o direito de exigir respeito ao livre exercício da sexualidade. Sem liberdade sexual, o indivíduo não se realiza, tal como ocorre quando lhe falta qualquer outra das chamadas liberdades ou direitos fundamentais.

A realização pela primeira vez no nosso País desta gala Miss Transexual Angola pode ser reveladora de muitas coisas, como de uma sociedade livre, aberta, plural, inclusiva e tolerante. A questão da homossexualidade e da livre orientação sexual é ainda um debate que tem sido evitado, um assunto visto com muitas reservas, com alguma indiferença, estigma e preconceito no seio das famílias, das instituições e da sociedade, em geral. É um tema que ainda divide os angolanos e cria ainda algumas fracturas. Mesmo até no seio do jornalismo e dos jornalistas, é um tema que encontra abertura de um lado, mas também se confronta com várias resistências de outro lado.

Basta ver que este evento passou ao lado das agendas mediáticas dos principais e tradicionais órgãos de comunicação social. O NJ traz este evento nesta editoria de cultura e tem abordagem aqui neste editorial, porque entendemos que não é papel do jornalismo adoptar posturas preconceituosas ou discriminatórias, em função de uma realidade que existe entre nós, de direitos e liberdades de cidadãos. Discriminar um ser humano em função da sua orientação sexual não deve ser postura ou posição do jornalismo, nem da sociedade. Existe o direito de um cidadão não concordar com a orientação sexual de outro. É um direito que assiste a qualquer cidadão, mas existe o dever de respeitar esta mesma orientação sexual. Podemos não concordar, mas devemos respeitar. Devemos ter consciência de que qualquer discriminação baseada na orientação sexual do indivíduo configura um claro desrespeito à dignidade humana.

A homossexualidade existe em Angola, é já um facto que se impõe, é uma realidade dos nossos dias, dos nossos tempos. É óbvio que não é ignorando a realidade, deixando-a à margem da sociedade e fora de qualquer protecção legal que se resolve o assunto. Penso até que pior do que o não-reconhecimento, do que a não-aceitação, é a discriminação, o estigma e o preconceito.

Curioso será dizer aqui que a sociedade que se proclama defensora da liberdade, da pluralidade e da inclusão é a mesma que ainda mantém uma posição discriminatória nas questões da sexualidade, notando-se certa rejeição social à livre orientação sexual. Somos uma sociedade de virtudes públicas e de vícios privados, em que surgem muitas " virgens ofendidas", muitos paladinos da moral e dos bons costumes, mas que, na realidade, carregam consigo práticas e actos abomináveis e merecedores de uma total reprovação. Existem sectores mais conservadores da nossa sociedade de que este assunto está fora de qualquer possibilidade de discussão, também se fala do factor cultural e religioso para justificar/argumentar a necessidade de esses assuntos não merecerem espaço nas discussões de família, nas instituições da sociedade e mesmo na comunicação social. Mas como fica o direito à diferença? O respeito pela opção de cada um?

Há a necessidade de se olhar para o outro como um fim em si mesmo e não apenas como um meio para se atingir um fim. Mesmo a nível do jornalismo e das redacções, esta não é uma abordagem pacífica e que também ainda nos divide. Mas é papel do jornalismo trazer os factos e promover um debate livre, aberto, sério e plural. Mas certo é que, para cidadãos como os membros da Associação Íris Angola que todos os dias convivem com a discriminação, a exclusão, o estigma, a intolerância e preconceito no seio das suas famílias, da sociedade e das instituições, a realização da primeira edição desta gala Miss Transexual Angola foi uma importante conquista e um feito inédito. Também pode ser um sinal de uma sociedade que começa a perceber e a respeitar a diferença, que começa a ser mais tolerante e inclusiva. Podem ser sinais de tempos que não devemos ignorar, sinais de um tempo que vem já a seguir.