Uma inusitada onda de curiosidade cobriu como um manto, todos os habitantes da pacata urbe. Os moradores locais, jamais haviam testemunhado algo semelhante, vindo daquelas bandas do sombreiro. Mal a notícia se espalhou pela cidade, as crianças esvoaçaram em bandos, como os catuituis dos gingolotes do Coringe, em direcção a praia morena e logo se depararam com a bizarra criatura. Ela se encontrava com uma das patas amarrada a um cordel puxado por um rapaz e se ia movendo aos saltitos pelo areal. Foi ali mesmo, que o baptizaram de "Pim" e o elegeram como companheiro para as brincadeiras de jogar "canhé" na água e fazer acrobacias na rebentação das ondas.
Uma pergunta pairava no ar, insistindo por uma resposta plausível: como, exactamente, o "Pim" tinha chegado até ali? Foi quando alguns jovens contaram ter ouvido uns pescadores dizerem que o haviam capturado acidentalmente, numa noite sem lua, enquanto lançavam as suas redes na enseada do morro do sombreiro. Na escuridão, confundiram-no com um pato d"água. E, assim, como um pato, ele foi vendido assim que atracaram a chata na ponte cais, a uma mamã-peixeira, pela soma de 500 kwanzas. A vendedeira colocou-o no cesto que levava à cabeça e partiu alegremente para calcorrear as ruas da cidade, com o seu pregão habitual:

-"Olha o pexe, olha o pexe, hoji temu pato tambééé!"
O dono de uma explanada situada à beira-mar, o senhor Adalberto, se encontrava estirado na sua espreguiçadeira, enquanto aguardava a chegada dos seus habituais clientes de fim de tarde. Ele ficou curioso, ao perceber que o pregão da mamã-peixeira era diferente dos outros dias. Aos sessenta anos de idade, já lhe tinham passado muitas coisas insólitas a frente dos olhos, mas nunca tinha visto peixes e patos misturados e vendidos num único cesto. Resolveu indagar do que se tratava, na verdade. Ele próprio ajudou a baixar o cesto para o chão, quando ouviu a mamã-peixeira a exclamar assustada:
-Aiué mano, essi pato está mi comer o mó pexe"!
- Ó mana, isso não é pato"- retorquiu o senhor Adalberto.
Resolveram retirar o suposto pato do cesto e o que viram a seguir, foi de pasmar. O animalzinho estava bem erguido sobre as patas, todo envolto em areia, algas e barro. Concluíram, imediatamente, que poderia ser qualquer coisa na vida, mas pato , certamente aquele bicho não era.
O bondoso senhor Adalberto foi buscar uma mangueira ligada à torneira para regar as plantas do quintal. Após um jacto de água, a questão da identidade do insólito visitante ficou resolvida: era um pinguim elegante, com o seu tradicional fraque preto e branco.
Logo o baptizaram de "Pim" no meio da algazarra das crianças e sob o olhar curioso dos adultos. "Pim" ficou o seu nome. Assim passou a ser tratado por todos.
No restaurante do senhor Adalberto construíram um tanque exclusivamente para o "Pim". Ele se tornou a atracção da zona e chegou a ter honras de reportagens na TPA. Rebocados pelas luzes da tv apareceram os infalíveis "experts". Uma anciã relatou o caso de dois pinguins que deram à costa ali, há mais de quarenta anos. Ela revelou que, por indicação de um estudioso da época, os dois animais foram colocados numa arca frigorífica para fugirem ao calor e acabaram por morrer...de frio.
Segundo apuramos, a ciência afirma ser raro encontrar pinguins em latitudes tropicais, com excepção dos Galápagos, por onde passa a corrente fria de Humboldt, vinda do Antárctico. A costa ocidental sul-africana poderia ser o origem do "Pim", arrastado em grupo pela Corrente Fria de Benguela, durante uma perseguição à cardumes. Um encontro com focas ou outro predador, poderia ter dispersado o grupo e esse pinguim ficado perdido. Pela sua fisionomia, o "Pim" pertencia ao grupo chamado "Pinguim Burro", que emite um som parecido com o zurrar do jericó. Têm o nome científico de "Spheniscus Demersus".
Afastadas todas as cogitações, o certo é que o bar do Sr. Adalberto passou a ser o ponto de encontro de muitas pessoas ansiosas por contemplar a presença do misterioso "Pim". Enquanto as crianças se deleitavam com bolachas e refrigerantes, os mais velhos ficavam sentados nas mesas a bebericarem cervejas e a falarem de futebol. O negócio florescia por aquelas bandas e a alegria pairava no ar.
O "Pim" alimentava-se de peixe miúdo e era um autêntico comilão. Num único dia chegava a devorar dois quilos de "manjua", o equivalente mais ou menos ao seu próprio peso, o que era impressionante.
Com a chegada de uma inesperada onda de calor, surgiram as duvidas sobre as hipóteses de sobrevivência do pinguim. Um ambientalista de ocasião, vaticinou que a pouca idade favoreceria a sua adaptação ao novo "habitat". Por sua sugestão, o senhor Adalberto passou a proporcionar uns mergulhos de mar ao pinguim. O "Pim" passou a nadar no mar da praia morena e muita gente ia assistir ao espectáculo. Incrivelmente, ele parecia resignado ao seu inesperado destino.
Certo tempo depois, o dono passou a libertá-lo na água do mar. O pinguim nadava sozinho por um determinado tempo, depois voltava para a areia e era levado pelo cordel até ao tanque de água do restaurante do senhor Adalberto. Semanas se passaram assim. O animal parecia estar domesticado e adaptado à sua condição de cativeiro, tql como os burros que passam uma vida a puxar carroças de carga até sucumbirem exaustos, ou os enclausurados animais de circo até se tornarem imprestáveis para os desígnios dos seus proprietários.
Certa manhã, durante o habitual mergulho nas águas do mar, o pinguim não voltou para as mãos de quem o considerava seu dono. Simplesmente desapareceu sem retorno, sob o rendilhado da espuma das ondas. Esperaram minutos, que se transformaram em horas, mas em vão. O sol baixou e se pôs por detrás do sombreiro. Depois, chegou a noite sem notícias para dar. Repentinamente, na linha do horizonte, o mar ficou escuro como breu, como se desejasse ocultar o "Pim" dos holofotes humanos que lançavam os seus feixes para a imensidão salgada.

Nas profundezas do oceano, um ser rompeu as correntes do cativeiro humano e recuperou a sua essência existencial. O "Pim" emergiu triunfante com a conquista do sagrado valor da Liberdade. A sua incrível odisseia ecoa agora como o grito de esperança por um mundo onde todas as criaturas da terra possam viver em harmonia e plenitude. Que a lição que veio do frio sob as asas de um bebé-pinguim, nos possa inspirar a inovadoras reflexões e a partilha de emoções positivas. Apenas por isso, terá valido a pena escrever essa emocionante e inspiradora aventura.

*Advogado e jornalista