A informação consta do despacho do Tribunal Provincial de Luanda (TPL) que fundamenta a providência cautelar que apreendeu judicialmente os bens da filha do ex-Presidente da República José Eduardo dos Santos, do seu marido, Sindika Dokolo, e do principal gestor da empresária, o português Mário da Silva.
De acordo com o despacho-sentença de 15 páginas a que o NJOnline teve acesso, a operação de transferência foi bloqueada pela Polícia Judiciária portuguesa. Os 10 milhões de euros estavam depositados numa conta titulada pelo general Dino e tinham como destino uma conta num banco na Rússia.
Na decisão, que foi tomada a 23 de Dezembro, mas foi apenas tornada pública esta segunda-feira, 30, pela Procuradoria-Geral da República (PGR), o Tribunal Provincial de Luanda dá como provado que a empresária e o marido utilizaram fundos do Estado para fazerem vários negócios, sem que os montantes tivessem sido pagos, e "que os requeridos estão a ocultar o património obtido às custas do Estado", transferindo-o para outras entidades e exportando os capitais.
No documento vem ainda descrito que "por via dos Serviços de Inteligência e Segurança do Estado, tiveram informações de que a requerida Isabel dos Santos pretende vender as participações sociais que detém na Unitel a um cidadão árabe, que já encetou diligência em Angola para aquisição das participações sociais".
De acordo com o documento, um desses negócios partiu da iniciativa do ex-presidente José Eduardo dos Santos (JES).
No despacho-sentença lê-se que JES "decidiu comercializar diamantes angolanos no exterior do País", tendo para o efeito decidido "investir numa empresa suíça, De Grisogono - Joalharia de Luxo" que se encontrava em falência técnica. Depois de ter comprado a dívida bancária da sociedade através da empresa pública Sodiam (que se financiou para o efeito em 120 milhões de dólares junto do banco BIC), o Ex-Presidente terá decidido "oferecer o negócio aos requeridos Isabel dos Santos e Sindika Dokolo, sua filha e seu genro", lê-se na decisão judicial.
Segundo o Tribunal Provincial de Luanda, a Sodiam terá criado uma empresa em Malta chamada Victoria Holding Limited cujo capital foi dividido a meias com a Exem Mining (uma sociedade de Isabel dos Santos e do marido Sindika Dokolo) e foi através dessa empresa que foi comprada a joalharia de luxo De Grisogono, tendo a sociedade recebido 79,5 milhões de dólares da Sodiam e 12,5 milhões de dólares do Ministério das Finanças de em 2012. A Victoria recebeu ainda mais 23,7 milhões de dólares em 2015.
O tribunal dá ainda como provado que "o anterior Chefe de Estado orientou a Sodiam a vender" às empresas relacionadas com Isabel dos Santos e Sindika Dokolo "os diamantes a um preço inferior ao de mercado, causando prejuízos" à Sodiam, e "obtendo avultados lucros sem que o Estado angolano tivesse qualquer parte nos mesmos".
Em causa está também uma dívida de 75 milhões de euros da empresária à Sonangol por causa do investimento feito numa sociedade holandesa, a Esperaza, que detém uma participação na Galp em parceria com o grupo Amorim.
Ao todo, o Ministério Público estima em 1.136.996.825,56, ou seja, mais de mil milhões de dólares, o montante que Isabel dos Santos e Sindika Dokolo têm de entregar ao Estado, dívida "resultante de vários negócios em intervieram empresas do Estado e os requeridos" e em que "o Estado, por via das suas empresas Sodiam e Sonangol, transferiu enormes quantias em moeda estrangeira para empresas no estrangeiro cujos beneficiários últimos são os requeridos, sem que houvesse o retorno convencionado".
Na decisão judicial consta ainda que o Banco Nacional de Angola, na qualidade de Entidade Reguladora de todas as instituições financeiras bancárias, deve fiscalizar a actuação dos bancos BIC, BAI, BFA e BE relativamente ao arresto, impedindo qualquer transferência de valores a partir destas contas seja qual for o motivo.
Relativamente à participação social, o Tribunal nomeia fiel depositário, os Conselhos de Administração das empresas visadas, "ficando estas proibidas de proceder a qualquer cedência ou outro negócio sobre as participações sociais a arrestar e igualmente proibidas de proceder à entrega de lucros aos requeridos".
O despacho do TPL obriga também o Banco Nacional de Angola a não emitir qualquer Licença de Exportação de Capital a favor ou a pedido de qualquer das empresas referidas, abrangidas pelo arresto, bem como a dar conhecimento imediato ao tribunal de qualquer tentativa de realização deste tipo de operações.
O Tribunal dá ainda ordem para que sejam notificados os bancos BIC, BFA, BAI e BE e todas as sociedades referidas nos autos em que os requeridos detêm participação social, para apresentarem cópia do seu pacto ou estatuto social e livro de registo de acções "sob pena de incorrer na prática de um crime de desobediência".