Mas há algo que não está certo. Em primeiro lugar, o facto de se ter deixado arrastar este processo por tanto tempo. E, logo logo, o de se tratar agora o mesmo com carácter "emergencial". Esta é uma palavra que abunda no léxico oficial. O "emergencial" é, normalmente, sinónimo de coisa mal feita, mal pensada. Implica, mor das vezes, o atalho, o desrespeito pelas regras estabelecidas.

A construção de 1500 casas é um projecto de peso. Um considerável investimento. Obriga a uma extensa infra-estrutura, quer física - estradas, rede de água e esgotos, rede eléctrica -, quer social - escolas, hospitais, creches, jardins -, para além da criação dos outros serviços essenciais para o funcionamento adequado da nova comunidade, tais como a administração do Estado - tribunais, cartórios, impostos e cidadania -, e o comércio e serviços privados. Estamos, pois, a falar em mais uma centralidade.

Quando se anda por Luanda, particularmente pelas suas periferias, que cresceram nas últimas décadas desmesuradamente e ao deus-dará, ficam evidentes as deficiências geradas pelo fraco papel do Estado na garantia de uma rede de infra-estruturas que permita a existência de uma cidade onde seja possível construir um lugar que seja bom para se viver. Falta de acessos adequados, inexistência de redes de esgotos e escoamento de águas pluviais, ausência de infra-estrutura suficiente (quando a há!) de água potável e electricidade, falta de espaços livres de construção (parques, jardins, florestas, e mesmo quintais!) - para que a água das chuvas se possa infiltrar de forma natural -, que se junta à precaridade dos serviços administrativos e ausência de escolas e centros de saúde. Quando chove - o que nos parece surpreender ano-após-ano, como se da primeira vez se tratasse -, todas essas insuficiências se revelam de uma forma aterradora, traduzida por mortes e prejuízos vários, que deixam claramente abalada a comunidade até que o sol volte a despontar, e a trazer a amnésia colectiva que perdurará, quer a nível da comunidade, quer a nível dos governantes, até à próxima época chuvosa.

A pergunta que se impõe é: porque não utilizar os recursos que o Estado aparentemente tem para construir casas, naquilo que é verdadeiramente a sua função, que é o de melhorar as infra-estruturas da cidade? Como é possível que os bairros periféricos fiquem ciclicamente intransitáveis, sem que se implementem estratégias - algumas já pensadas nos variados planos directores nos quais se gastaram rios de dinheiro ao longo dos anos -, que deveriam resolver alguns dos problemas mais candentes, em particular os relacionados com a rede de esgotos e águas pluviais, a que se associam a transitabilidade e o lixo, e, naturalmente, o da saúde da população - em especial a dessas zonas -, para não falar na perturbação que cada dia de chuva traz à cidade, com reflexos evidentes em todos os sectores, nomeadamente o económico?

A construção de 1500 casas, por ajuste directo, claro, parece não ser a melhor solução. Se se infra-estruturassem 1500 lotes, e se desse um financiamento adequado, talvez cada um dos moradores, há anos em situação precária, pudesse encontrar a forma de construir a casa mais adequada para si, e libertasse o Estado para fazer o que tem a obrigação de fazer.