Claro está que as excepções à regra não são para aqui chamadas. Não porque não têm o peso nem importância para aquilo que tem sido a actuação dos políticos em determinados países e que também servem de exemplo para o mundo, não; mas porque o mundo não pode continuar a ser visto com um conglomerado de casos excepcionais. Que as excepções sejam trazidas a público como espécies raras de achados fósseis num universo onde o desenvolvimento tecnológico ameaça já atingir níveis inimagináveis.

Em época pré-eleitoral, como esta que Angola está a viver, volta-se a viver um certo deslumbramento exacerbado que já vai dando mostras de um infinito lugar para onde irão resvalar todas as trivialidades proféticas e profanas, as marés inumeráveis de promessas vendidas ao desbarato e um arrogante discurso que lembra o vazio e sacode para lá o princípio de igualdade de circunstâncias que a Constituição consagra, pondo em causa aquilo que era essencial discutir-se agora no sentido de as promessas eleitorais não passarem disso mesmo.

Há lições que, por mais evidentes que sejam, dificilmente serão aprendidas quando quem as tem em mãos faz por valorizar, primeiro, a sua arrogante, totalitária e autocrática omnisciência, no sentido de que não tem nada a aprender com as críticas de vozes externas, isto é, apartidárias e longe das agendas pessoais que aguardam ansiosamente pelo volver dos dados em tabuleiro dos jogos de interesses que substituíram as agendas que se propuseram combater as assimetrias sociais e regionais.

Segundo, porque há uma inversão na realidade sociopolítica angolana que substitui os programas de governação por figuras, como se estas, por si sós, uma vez eleitas, constituíssem garantias de realização dos programas normalmente ou quase nunca discutidos durante a campanha e na contenda política que deveria marcar as agendas dos órgãos de comunicação públicos como processos normalíssimos em democracia ou em Estado de direito democrático.

Fica-se igualmente com a impressão - agora que os messias da boa-nova profana afinam o discurso da propaganda e da defesa indefensável das insuficiências de tempos outros agora esquecidos e só muitas vezes lembrados, quando uma desgraça qualquer à nossa porta vem bater - que quem está do lado de fora não vê ou se vê cala-se, com receio de que lhes faltem depois os tachos ou que sejam posteriormente exorcizados pelos anciães do templo assim que forem vistos que não dizem "amém", ou quando não são notados trajados com as vestes da cúria.

É um pouco isso que se vislumbra na situação, por exemplo, do modelo de eleição do PR e do Vice-PR, que não derivam de um processo de eleição directa mas atípica, muito embora os mais arrojados doutores da lei vão depois buscar umas explicações que soam a blasfémia até para quem não é intérprete de Direito. E cala-se perante a vociferação popular.

Mas para além do modelo eleitoral, urdido em moldes que já se "reconhecem" como tipicamente angolanos, como se houvesse de facto alguma doutrinação na forma como se aborda a política em Angola, o próprio exercício político em si não permite que as discussões saltem dos lugares- -comuns das contendas político-partidárias e cheguem ao país com voz e rosto daquilo que de facto são as necessidades primeiras e urgentes, para superar um clima de desgraça que apoquenta as famílias.

Na verdade, vivemos um clima em que de um lado estão os políticos (com poderes, às vezes excessivos) e do outro está a sociedade com aquilo que supostamente seria a sua forma de contra-poder. Mas, contrariamente aos processos de afirmação democrática similares vividos em países com uma história recente comum, todas as vozes de pressão, todas as forças de contra poder estão catalogadas como os ímpios do templo, logo fica difícil promover uma discussão sobre programas eleitorais e o impacto na vida das famílias.

Ficará certamente difícil trazer esta discussão do país e dos programas de governação a debate em esfera pública longe dessa tendência partidocrata, herdada do tempo do partido único, de quase eliminar quem contrariar o disposto na sebenta eleitoralista. Talvez hoje faça mais sentido estimular e instigar uma sociedade civil que deixe de respirar mundo antes de inspirar o ar que o processo democrático angolano oferece.

(Pode ler a crónica integral Papel de Parede, de Nok Nogueira, na edição semanal nº 470, nas bancas, ou em digital, que pode pagar por Multicaixa)