Provavelmente na próxima semana, o pacote de ajuda à Ucrânia, que foi a votos com parcelas de ajuda a Israel (26 mil milhões USD) e a Taiwan (8 mil milhões USD), estará aprovado, depois de passar no Senado e, por fim, receber a assinatura do Presidente dos EUA.

No entanto, apesar de o Presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, ter vindo a afirmar que esta ajuda americana permite reorganizar as forças ucranianas e enxotar os russos para fora do país, tal objectivo dificilmente será conseguido, como têm vindo a defender diversos analistas militares.

E esta segunda-feira, essa convicção chegou mesmo à redacção do britânico Financial Times, o jornal ocidental mais pró-ucraniano nestes mais de dois anos de guerra, destacando conversas e declarações de fontes do Governo de Kiev e analistas militares nesse sentido.

Em contraste com as afirmações optimistas de Zelensky, vários elementos do seu Governo contaram ao Financial Times outra perspectiva, que passa por duvidar de que o novo apoio norte-americano permita alterar de forma significativa a situação na frente de guerra.

Tal como vários analistas têm referido nos últimos meses (este pacote está para ser aprovado desde Outubro do ano passado), como o major-general Agostinho Costa, que fala regularmente sobre esta guerra nos media portugueses, as armas que vão agora chegar a Kiev podem "apenas" prolongar o conflito, mas não evitar o seu desfecho, que é uma vitória russa.

Recorde-se que este pacote contempla 61 mil milhões USD em apoio a Kiev mas apenas uma parte vai directamente para a aquisição directa de novas armas, sendo o grosso para reposição de stocks já enviados pelos EUA para a Ucrânia e uma parte é para despesas de funcionamento do Estado ucraniano.

Porém, segundo o Presidente Zelensky, o mais importante é que esta ajuda vai permitir repor os paióis de misseis das defesas antiaéreas, que estavam totalmente esgotados, repor os próprios sistemas, como os Patriot, que foram quase todos destruídos pelos russos, e fazer chegar à frente as munições que faltam às unidades que combatem o avanço russo.

Uma nota que é repetidamente pressionada pelos analistas com menos empenho na defesa do ponto de vista ucraniano, é que, além da escassez de armas e munições sentidas até aqui, e que vai continuar ainda durante largas semanas, senão mesmo meses, a Ucrânia bate-se com um problema que pode não ter solução: a falta de voluntários para combater.

Isto, porque, além de os centros de recrutamento de voluntários estarem vazios há muitos meses, são cada vez mais os ucranianos em idade militar que procuram fugir do país, especialmente depois de ter sido aprovada a nova lei de mobilização, que desceu a idade de incorporação dos 27 para os 25 anos, e apagou a clausula que permitia aos soldados há mais tempo em serviço a irem para a desmobilização.

Com a exaustão das unidades de combate ucranianas, muitas delas em debandada face à superioridade russa, que consegue manter a sua aviação de guerra no ar sem oposição ucraniana, o Presidente Zelensky, citado por The Guardian, claramente consciente de que o tempo escasseia para conseguir mudar a face desta guerra, pede urgência ao Senado para aprovar o pacote Biden e que o Presidente o assine rapidamente.

Até porque há uma outra forte preocupação em Kiev, e que explica a urgência do envio das armas e do dinheiros norte-americanos, que é o facto de as eleições americanas de 05 de Novembro estarem cada vez mais à porta e as sondagens, embora com menos distância agora, ainda darem a vantagem a Donald Trump, o republicano que já disse que não vai apoiar Kiev assim que reingressar na Casa Branca.

Outro dado interessante, e neste contexto, foi notado por Volodymyr Zelensky numa entrevista ao canal norte-americano NBC, onde este garante que "a Ucrânia não vai ser um segundo Afeganistão", cujo Governo pró-ocidental caiu assim que os norte-americanos saíram do país, por decisão do actual Presidente Joe Biden, em 2021.

Mas, para que isso não suceda, Zelensky tem de garantir duas coisas: a primeira é que consegue derrotar a Rússia até que este pacote de ajuda norte-americana se esgote, ou que outros se sigam, e a segunda é que consiga resolver o grave défice de mão-de-obra para as trincheiras da linha da frente, para onde cada vez menos ucranianos querem ir.

Outra nota interessante neste contexto de apoio ocidental a Kiev é que o pacote de ajuda norte-americano deverá coincidir na sua chegada à Ucrânia com a entrada em serviço dos aviões F-16, fornecidos por alguns países europeus.

Do lado russo, as palavras também não são meigas, e a porta-voz do ministro dos Negócios Estrangeiros, Maria Zhakarova, já veio afirmar que este pacote atirado de Washington para Kiev mostra que os americanos estão cada vez mais embrenhados numa guerra hibrida com a Rússia.

E que essa guerra vai ter o mesmo desfecho que a do Vietnam ou do Afeganistão, ambas com a humilhação norte-americana como desfecho, apesar de os norte-americanos já terem decidido que a Ucrânia vai combater até ao último ucraniano.

Enquanto isso, na linha da frente, as forças russas avançam todos os dias alguns quilómetros e agregar várias pequenas aldeias e vilas ao seu "mapa" de conquistas na Ucrânia.