Ao longo dos mais de dois anos de guerra entre a Ucrânia e a Rússia, os países da NATO, que já entregaram cerca de 200 ml milhões IUSD em apoio militar e financeiro a Kiev, têm negado o envolvimento directo no conflito alegando que a Ucrânia não faz parte da NATO.

Além de a Ucrânia não integrar a NATO, o que não permite accionar o Art. 5º dos seus estatutos, no qual todos estão obrigados a defender todos em caso de ataque exterior, os Estados Unidos recusam uma intervenção directa para evitar um confronto aberto NATO-Rússia.

Só que, como Zelensky está agora a evidenciar, no recente ataque iraniano a Israel (ver aqui), os EUA, o Reino Unido e a França colocaram os seus meios aéreos no ar para abater os misseis iranianos, além de estarem a disponibilizar a Telavive uma avalanche de equipamento militar e financiamento.

Isto, ao mesmo tempo que em Washington se repetem os pronunciamentos sobre a necessidade de evitar um confronto com o Irão, tal como tem sido repetido em Paris e em Londres.

Ora, face a este cenário, onde os países ocidentais recusam ajudar directamente a Ucrânia a abater os misseis russos, como fizeram ao lado de Israel com os misseis iranianos, Volodymyr Zelensky usou a entrevista à PBS para questionar a solidez dos argumentos norte-americanos.

Recorreu ainda a um exemplo recente, no ataque russo à principal central eléctrica da região de Kiev, a central de Trypilska, atingida por 11 misseis, que a deixou inoperacional por longos meses, no mínimo, porque "os sistemas de defesa antiaérea locais ficaram sem misseis".

"Porque é que perdemos a maior central eléctrica de Kiev? Porque não tinham sequer um míssil para disparar nos sistemas de defesa antiaérea!", disse o Presidente ucraniano nesta entrevista à PBS.

A dualidade de critérios usados pelos aliados ucranianos, que são os mesmos aliados de Israel, coincidindo ainda que nenhum deles pertence à NATO, serve a retórica de abandono de Kiev pelos mesmos que há dois anos, no começo da guerra com a Rússia, lhe prometeram tudo e durante o tempo que fosse necessário.

E, recorde-se, depois de o então primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, ter, em Março de 2022, destruído as negociações de paz entre Kiev e Moscovo que acabariam com as hostilidades dias depois de erem começado, a 24 de Fevereiro desse ano, prometendo ajuda ilimitada aos ucranianos até à derrota total da Rússia no campo de batalha, esse apoio foi efectivo...

... até ao fim do Verão de 2023, quando a contra-ofensiva ucraniana falhou rotundamente, apesar do gigantesco apoio ocidental, com a evidente supremacia russa que se mantém até aos dias de hoje, onde a resistência ucraniana está na iminência de colapsar.

Apesar das palavras efusivas de apoio continuarem, quer em Washington, quer na União Europeia, como o tem frisado a presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, a verdade é que começa a falar tudo às unidades militares ucranianas, especialmente sistemas de defesa antiaérea, que estão a ser destruídos às dezenas pelos misseis russos.

E isso deixou os céus ucranianos livres para a aviação de guerra russa, tanto no apoio às tropas no solo, como para o lançamento de misseis que, uma após outra, deixam a Ucrânia sem centrais eléctricas, sem estradas viáveis para alimentar o esforço de guerra na linha da frente, sem aeródromos de onde fazer levantar a escassa aviação que resta a Kiev...

E se nada mudar...

... a Ucrânia está condenada a soçobrar perante a supremacia militar russa, não só porque o apoio ocidental para substituir os sistemas de defesa antiaérea, pelo menos actualmente, foi interrompido, especialmente os Patriot, cujo custo por unidade (baterias e radar) é de mil milhões USD, os IRIS-T, alemães, ou os também norte-americanos NASAMS, com custos semelhantes, mas essencialmente porque a Rússia supera largamente a capacidade ocidental.

Mas o problema não é só no volume de misseis, blindados pesados, artilharia e aviões de guerra, o que não falta do lado russo, e quase não existe do lado ucraniano, a questão de maior envergadura é, segundo vários analistas ocidentais, a desesperante falta de combatentes do lado ucraniano.

Sem voluntários, e com milhares de jovens a fugirem do processo obrigatório de alistamento, o regime ucraniano viu-se obrigado a aprovar no Parlamento uma nova lei de mobilização, baixando a idade para essa obrigatoriedade, mas, no passo mais perigoso, porque está a gerar uma vaga de contestação em todo o país, retirou da proposta a alínea que permitia aos militares serem desmobilizados ao fim de 36 meses de serviço.

Isto quer dizer, como, por exemplo, defende o major-general Agostinho Costa, analista militar na RTP3 e CNN Portugal, que, mesmo com fornecimento de equipamento militar sem rupturas, a Ucrânia vai ter sempre dificuldades porque o factor decisivo é a componente humana na frente de batalha.

Ou seja, esse problema de falta de pessoal nas trincheiras tende a agravar-se a cada dia que passa, porque a superioridade russa não significa apenas a crescente conquista de território mas também a redução de efectivos ucranianos, entre mortos e feridos, que somam largos milhares todos os meses.

Mudança de chip no Congresso

No entanto, a questão do apoio militar norte-americano pode estar à beira de ter uma revolução positiva para Kiev, porque Mike Jonhnson, o líder republicano na Câmara dos Representantes, onde a oposição está em maioria, decidiu confrontar o seu partido, alinhando com os democratas do Presidente Joe Biden para levar a votação o pacote de ajuda à Ucrânia.

Johnson, mesmo contra a vontade de Donald Trump, líder de facto dos republicanos enquanto candidato às eleições Presidenciais de Novembro desde ano, e sob ameaça de ver a sua liderança decapitada, acordou com a Casa Branca uma solução de compromisso para resolver o impasse que há meses impede o envio de armas para Zelensky.

Essa solução é um truque antigo nos meandros do Congresso dos EUA, onde é proposto um pacote diversificado de soluções, nestes caso 61 mil milhões USD para Kiev, 14 mil milhões USD para Israel e perto de 15 mil milhões USD para Taiwan, mas que, depois de entrar no alinhamento da discussão na Câmara dos Representantes, é separado e os três itens são votados um a um.

Desta forma, apesar de a oposição republicana estar em maioria nesta câmara baixa do Congresso, e se as verbas para Israel e Taiwan não oferecem espaço para polémicas, já o caso dos 61 mil milhões USD para Israel vai ser um osso duro de roer, se chegar mesmo a ser votado.

Isto, porque basta uma pequena parte dos republicanos votar ao lado dos democratas para o dinheiro "ucraniano" ser aprovado, o que deixaria em evidência uma perigosa falha "sísmica" no seio dos republicanos, numa altura em que decorre uma dramática campanha eleitoral em que qualquer pormenor pode fazer a diferença no dia de ir a votos, a 05 de Novembro.

E se este cenário se verificar, a disputa eleitoral entre Trump e Biden pode sofrer uma evolução negativa para os republicanos que, para já, vêem o seu candidato a liderar as sondagens, embora por distâncias cada vez mais pequenas para o democrata, com o passar das semanas.

Em síntese, já nesta sexta-feira se poderá ficar a saber se a maré de sorte para Volodymyr Zelensky muda ou continua, sendo evidente, até pela fúria que o líder ucraniano demonstra em cada nova aparição pública, que se não houver votação do pacote para Kiev, ou em havendo, este seja derrotado, aquilo que seria a inevitável derrota ucraniana dentro de meses, poderá evidenciar-se em escassas semanas...

Até porque há cada vez mais e mais empenhados esforços para que seja encontrada uma solução negociada (ver links em baixo nesta página), sendo uma flamejante oportunidade para isso a Cimeira de Paz que está a ser organizada, para Junho, pela Suíça e que, embora contra a vontade de Kiev, poderá, finalmente, contra com a presença da Federação Russa.

Além disso, como ficou claro na visita desta semana, do chanceler alemão a Pequim, almé de um telefonema inusitado do secretário da Defesa norte-americano, Lloyd Austin, para o seu homólogo chinês, há um claro esforço para chamar o Presidente da China, Xi Jinping, a assumir um papel determinante na aproximação entre Moscovo e Kiev.