O que é estranho, porque, nas últimas duas semanas, a generalidade dos media norte-americanos noticiaram que o Presidente Joe Biden tinha "autorizado" Israel a invadir Rafah por troca com a anulação do alegadamente grande ataque contra o Irão.

O que é que faz de Rafah uma linha vermelha tão carregada? Numa primeira análise, é porque foi para esta cidade do sul de Gaza, junto à fronteira com o Egipto, que 1,5 milhões de pessoas fugiram da invasão israelita e agora não têm mais lado nenhum para escapar.

Mas então porque é que Joe Biden mudou de ideias, depois de ter emitido um "salvo conduto" para as Forças de Defesa de Israel (IDF) entrarem em Rafah, mesmo que isso significasse mais uns milhares de crianças e mulheres mortas?

O que mudou foi que, de forma surpreendente, o movimento pró-palestiniano nas universidades norte-americanas cresceu, fazendo lembrar a vaga de protestos que na década de 1970 varreu os campus do país contra a guerra no Vietname.

Los Angeles, São Francisco, Nova Iorque, Boston... ou o mesmo é dizer em universidades como Berkley, UCCLA, Columbia... milhares de estudantes, num movimento em crescendo por todos os EUA, apesar de centenas terem sido já detidos pela polícia, são agora campos de batalha contra o apoio ilimitado e incondicional que Joe Biden tem manifestado a Israel, apesar de algumas tímidas chamadas de atenção.

Este movimento das tendas por cada vez mais campus das universidades norte-americanas em defesa da paz em Gaza é um problema para Joe Biden que está a entrar na recta final da campanha eleitoral para as eleições de 05 de Novembro, onde o antigo Presidente Donald Trump ameaça, segundo as sondagens, derrotá-lo.

Há meses de Biden tem sido importunado nos seus discursos por defensores da paz em Gaza, mas esses episódios furtuitos eram apenas uma comichão, estes protestos envolvendo dezenas de milhares de estudantes, podem ser uma séria ameaça à sua reeleição.

Até porque estas manifestações estão a crescer em número de tendas montadas e universidades que aderem a esta "luta, que começou na Universidade de Columbia, há pouco mais de uma semana, e fazem cada vez mais lembrar a luta contra a guerra do Vietname, até porque foi igualmente neste campus que, em 1968, tiveram início.

E a preocupação de Biden, que nada tem a ganhar, do ponto de vista eleitoral, com a violência policial que já levou à detenção de centenas de estudantes, é que a impetuosidade da juventude, aliada à simbologia das lutas de agora e as das décadas de 1960 e 1970, produzam uma avalanche de protestos incontrolável.

Para evitar esse cenário de terror para as suas pretensões eleitorais, Joe Biden e o seu secretário de Estado, e chefe da diplomacia, Antony Blinken, têm estado num carrossel de tentativas de controlo de danos.

A ponto de terem sido obrigados a voltar atrás na palavra dada ao primeiro-ministro Benjamin Netanyhau sobre a carta-branca para invadir Rafah contra a anulação do ataque ao Irão, depois de Teerão ter lançado uma chuva de misseis e drones sobre Israel na resposta do ataque israelita de 01 de Abril ao consulado iraniano de Damasco, Síria.

Com este volte-face em Washington no que diz respeito à entrada das IDF em Rafah, surpreendendo Netanyhau, exigindo que, segundo alguns media ocidentais, Biden tenha sido mais ríspido que nunca com o governante israelita, o chefe da diplomacia norte-americana iniciou um sexto périplo pelo Médio Oriente com a missão de controlar danos.

Para já, Blinken aterrou em Riade, para mais uma conversa com as autoridades sauditas, mas onde também, entre esta segunda-feira, 29 e amanhã, terça-feira, 30, estará na reunião dos países árabes do Golfo Pérsico, na qual o Irão não participa, e na qual o norte-americano procurará, antes de viajar para a Jordânia e Israel, até porque já começou a dizê-lo, apontar Teerão como a origem de todo o mal na região.

Mas vai ter de fazer muito mais para conter a crescente ira no mundo árabe, com a prioridade colocada no desenho de um plano de paz para Gaza, que terá sempre de começar com um cessar-fogo entre Israel e Hamas, e com um plano funcional de ajuda humanitária aos 2,3 milhões de palestinianos em Gaza que estão à beira da segunda catástrofe.

Depois das bombas israelitas, lançadas de artilharia e aviões norte-americanos, que os estudantes nos EUA querem que Biden deixe de fornecer a Israel, terem matado já mais de 34 mil pessoas, na maioria crianças (mais de 14 mil), mulheres e idosos, a falta de alimentos, água potável, medicamentos e assistência médica, ameaçam matar mais que as explosões.

Segundo os media norte-americanos, Biden ligou a Netanyahu em desespero de causa, sendo obrigado a dar o dito por não dito, deixando claro ao governante israelita que se opõe totalmente aos seus planos de invasão de Rafah.

Também Netanyhau está a viver o trauma dos protestos populares nas ruas de Israel, estando colocado perante a fúria popular e a iminente derrota na guerra com o Hamas, claramente assimétrica, onde se confrontam um dos mais bem equipados exércitos do mundo e um bando, apesar de numeroso, perto de 40 mil, combatentes de chinelas e kalashnikovs, como nota o analista militar major general Agostinho Costa.

É que as IDF, mais de 350 mil soldados, uma aviação com dezenas de F-35, os aviões de guerra mais sofisticados do mundo, misseis teleguiados, carros de combate de topo, artilharia inteligente, ao fim de quase sete meses de guerra ainda não conseguiram nenhum dos três objectivos definidos por Benjamin Netanyahu a 08 de Outubro de 2023, logo após o assalto do Hamas ao sul de Israel, onde foram mortos mais de mil israelitas, na sua maioria militares estranhamente apanhados desprevenidos nos quarteis da região.

Netanyahu queria derrotar de forma definitiva o Hamas, para que este movimento não se pudesse reerguer, o que está longe de ter sido conseguido, libertar os reféns levados para Gaza pelo Hamas a 07 de Outubro, tendo apenas regressado a casa os que foram libertados por troca com palestinianos detidos nas cadeias israelitas, e fazer de Gaza uma zona segura e sem perigo para Israel, o que não é ainda realidade porque continuam a ser disparados dali roquetes contra cidades israelitas.

Todavia, da frente de batalha diplomática por um acordo de paz ou um cessar-fogo duradouro, além da melhoria da ajuda humanitária bloqueada por Israel há meses, começam a surgir possíveis soluções.

Mas, como sugeriu no Domingo, o Presidente da Autoridade Palestina, Mahmoud Abbas, só os Estados Unidos podem levar Israel a parar a mortandade em Gaza e a travar a tragédia humanitária em curso em Gaza.

Esta declaração tem claro respaldo na realidade, porque são os EUA que fornecem quase todo o armamento usado pelas IDF na guerra assimétrica de Gaza, são os EUA que apoiam financeiramente Israel no esforço de guerra e são os EUA que sistematicamente vetam as resoluções levadas ao Conselho de Segurança propondo a criação do Estado palestiniano, que desde os acordos de Oslo (1993) mediados por Washington é vista como a única forma de garantir a paz duradoura entre ambos os povos que partilham a grande Palestina.