Ninguém o disse oficialmente, mas assim que o Senado, sem surpresa, mas em tempo recorde, aprovou o pacote de ajuda aos três aliados dos Estados Unidos com acesso quase directo aos seus cofres e aos seus arsenais, em Kiev ficou claro que os 61 mil milhões USD que lhe cabem não são de borla nem sem condições.
Além de terem como novidade face aos restantes pacotes anteriores, que já atingiram, segundo várias fontes, entre 160 mil milhões e 200 mil milhões de dólares, a condição de empréstimo de uma parte deste dinheiro, o Presidente ucraniano ficou ciente de que dificilmente a bonança se repetirá.
São 61 mil milhões que os ucranianos terão de usar como derradeira oportunidade para cumprir os objectivos de Volodymyr Zelensky, que é derrotar os russos em combate, empurra-los para as suas fronteiras e impor ao Kremlin uma condenação histórica nas instâncias judiciais internacionais, incluindo o pagamento da reconstrução do país estimada em mais de 450 mil milhões USD.
Todavia, esse desígnio não será fácil, porque destes 61 mil milhões, apenas 13 mil milhões USD vão para a aquisição de novas armas para Kiev, sendo que, além dos 9 mil milhões que serão destinados em assistência económica, o restante é para reposição de stocks nos EUA e financiamento das forças deslocadas na Europa integradas em exercícios da NATO nas fronteiras da Rússia.
E a tarefa é ainda mais árdua quando se sabe que a prioridade de Kiev é a aquisição de sistemas de defesa antiaérea (ver links em baixo nesta página), especialmente os Patriot, cujo custo por unidade é de 1,3 mil milhões - a Ucrânia já disse que carece de pelo menos sete de imediato -, além de que cada míssil disparado custa em média 4 milhões USD.
Esta distribuição prévia do dinheiro permite ainda perceber que, em grosso, Israel, apesar de no pacote de 95 mil milhões constar apenas a fatia de 26 mil milhões, vai receber, substantiva e comparativamente, mais armas que a Ucrânia, o que já começou a gerar um burburinho em Kiev, embora tímido, por enquanto, mas no seguimento das questões lançadas anteriormente à provação por Zelensky.
Recorde-se que o Presidente ucraniano chegou a dizer publicamente, em entrevistas a media norte-americanos, que não compreendia o porquê de os EUA estarem mais disponíveis para Israel que para a Ucrânia, acusando os aliados de serem responsáveis pela grave falta de defesas antiaéreas e munições nas suas forças.
Isto, porque, no que importa, porque começa a ser, à medida que os dias passam e os analistas fazem contas e observam a realidade no terreno, onde a supremacia russa é gigantesca, evidente que este pacote de ajuda só é grande na forma, mas pequeno e insuficiente no conteúdo.
Seja como for, o grande imbróglio com que Volodymyr Zelensky e os seus comandantes terão de lidar é que, mesmo sendo muito aquém do ideal, é com as armas que vão receber permitidas pelos 13 mil milhões USD que terão de não só travar os avanços russos, como, depois, numa segunda fase, lançar uma contra-ofensiva que permita recuperar os territórios perdidos e que a Rússia está aumentar diariamente.
Depois de Joe Biden assinar a sua lei, aprovada na Câmara dos Representantes e no Senado, ainda esta semana, provavelmente, salvo pequenos remendos, a Ucrânia deixará de contar com o fluxo de armas e dinheiro norte-americanos, pelo menos até às eleições de 05 de Novembro, onde Biden corre o risco de perder para o amigo de Vladimir Putin, o ex-Presidente a agora candidato dos republicanos, Donald Trump.
A Kiev restará, se este "bolo" não for suficiente, contar com a União Europeia, que já deu sinais mais que evidentes de que não está empenhada em manter o apoio registado até aqui, como sem viu no último conclave dos chefes de diplomacia dos 27, onde nem sequer foi possível fechar o dossier do apoio conjunto, restando a ajuda singular dos estados-membros.
A outra "guerra"
Enquanto isso, duas frentes de guerra ganharam fulgor com esta aprovação, a "natural", no campo de batalha da Ucrânia, onde Zelensky procura corrigir o efeito de desgaste das suas unidades, algumas delas em debandada perante o avanço russo, que apeoveita para alargar os seus domínios enquanto os reforços "Made in USA" não chegam, e aa outra, na Câmara dos Representantes do Congresso.
Nesta última frente de "guerra", sob fogo está o líder deste órgão "baixo" do Congresso dos EUA, onde o líder, Mike Jonhnson, republicano, e oposição aos democratas de Joe Biden, corre o risco de ser destituído por proposta da linha dura e próxima de Donald Trump, porque, contra a sua vontade, levou a votação o pacote Biden de ajuda à Ucrânia.
Ora, se tal vier a suceder, o que ainda não é certo, o novo líder, se vier da ala trumpista, terá à sua disposição, se assim o entender, o que seria o mais provável, alguns mecanismos legais para bloquear, pelo menos em parte, o fluxo do dinheiro destinado a Kiev, o que seria uma dor de cabeça gigantesca para Zelensky.
E uma dessas possibilidades será aberta já a 21 de Maio, quando o Presidente Volodymyr Zelensky deixa de estar enquadrado pelo calendário natural do seu mandato, que termina a 20 de Maio, mantendo-se no poder apenas suportado pela Lei Marcial em curso, a qual admite a não realização de eleições face ao contexto de guerra.
Mas a legitimidade democrática de Zelensky ficará ferida e exposta à opinião do poder e da Constituição norte-americana, que tem normas que dificultam o apoio a países terceiros em determinadas circunstâncias, o que os republicanos podem usar para desmontar o pacote agora aprovado.