Com a crise gigantesca gerada pela visita da antiga presidente da Câmara dos Representantes do Congresso norte-americano, Nancy Pelosi (ver links em baixo nesta página), a Taiwan em Agosto de 2022, ainda fresca na memória planetária, que alguns analistas admitem que criou um novo patamar de risco de confronto entre EUA e China, esta ida de Tsai Ing-We a Washington pode ser o derradeiro limite da paciência de Pequim.

Há muito que Taiwan é o foco principal da crescente tensão global entre as duas maiores potências económicas, e não menos importantes no campo militar, do mundo, com os Estados Unidos a usarem esta ilha rebelde desde 1949 como ponto de pressão global sobre a China que há duas décadas que ameaça a hegemonia norte-americana com um fulgurante crescimento económico e um não menos impressionante crescente poderio militar nuclear e convencional.

Quando em 1949, Chiang Kai-sheck, líder do Kuomintang, em fuga após uma derrota militar na Guerra Civil com o Partido Comunista de Mao Tse-Tung, se refugia na Ilha de Taiwan, separada da China continental por um estreito marítimo de escassos quilómetros, e fundou a independentista República da China, acabou por gerar um dos mais tensos status quo militares da História, com a sempre iminente invasão das forças de Pequim, mais incisivamente até 1975, quando morre Mao, mas também depois.

A defesa versátil dos EUA da independência de Taipé (capital da ilha), mas sem reconhecer esse passo, mantendo como política oficial "uma só China" mas disponibilizando caudais gigantescos de armamento para impedir o avanço de Pequim sobre o estreito de Taiwan, tem deixado a República Popular da China (RPC) com os nervos à flor da pele com sucessivas ameaças de que a reintegração de Taiwan, ou Formosa, como também é conhecida a ilha assim baptizada pelos portugueses em 1542, é uma inevitabilidade a bem ou a mal.

A paz escaldante tem sido mantida ao longo dos tempos porque a China Popular só nas últimas décadas conseguiu alcançar o estatuto de grande potência económica e apenas nos últimos dois a três anos conseguiu o estatuto de uma das maiores potências militares do mundo, apenas atrás das EUA e da Rússia, circunstância que tem sido usada para aumentar a pressão sobre Taipé e também sobre os seus protectores universais, os Estados Unidos, sendo agora mais comum ouvir-se em Pequim que se está a encurtar o espaço entre a aceitação da reintegração pacífica e o inevitável recurso à força militar se não houver alternativa.

Com a chegada de Xi Jinping ao poder em Pequim, há 10 anos, o assunto Taiwan tem ganhado impulso e a situação só tem crescido em tensão com Washington, como o demonstrou a visita intempestiva de Nancy Pelosi em 2022, e o está a evidenciar esta incauta, segundo a China, reunião entre a líder taiwanesa e o líder dos Representantes do Congresso dos EUA, que é vista em Pequim como um desafio à beira da insustentabilidade do actual status quo.

E foi face a este novo incidente diplomático, no decurso de uma visita de Tsai Ing-We à América Latina, onde ainda resistem três países com relações diplomáticas com Taipé, Belize, Paraguai e Guatemala, com uma paragem estratégica nos EUA, na cidade de Simi Valley, Califórnia, no "Ronald Reagan Presidential Library - Biblioteca Presidencial Ronald Reagan", o antigo Presidente dos EUA que mais defendeu a independência taiwanesa, tendo, por isso, um valor simbólico, que Pequim definiu uma nova linha vermelha, mas desta vez parece que de um vermelho-vivo.

"A China opõe-se firmemente e de forma veemente a este encontro de alto nível" entre Tsai e McCarthy - o segundo na linha de poder federal a seguir à Presidência -, avisou em comunicado o ministro dos Negócios Estrangeiros Qin Gang, acrescentando que este encontro em solo americano "infringe seriamente a soberania chinesa sobre Taiwan e a sua integridade territorial" e envia um muito mau sinal de suporte dos EUA ao separatismo taiwanês.

Qin Gang avisa ainda os EUA para não "continuarem no muito perigoso e errado caminho" de aproveitarem a questão de Taiwan para a sua estratégia de contenção global da RPC, aderindo definitivamente à política de "uma só China" e acabar com estes encontros oficiais com representantes de Taipé.

A par deste aviso de Qin Gang, Pequim enviou uma parte da sua Armada de Guerra para a região marítima que separa a ilha do continente, incluindo um porta-aviões e diversos navios de guerra, o que levou o ministro da Defesa de Taiwan a anunciar que está a analisar a situação de muito perto e em constante vigilância para quaisquer actividades inamistosas, alertando que os EUA e o Japão têm forças navais substantivas na região também, incluindo o poderoso porta-aviões Nimitz.

Este novo episódio de tensão entre EUA e China por causa de Taiwan é, por si, de extrema importância, devido ao histórico e a densidade das ameaças mútuas - recorde-se que o Presidente dos EUA, Joe Biden, chegou a dizer em 2022 que não hesitaria em usar a força para defender Taiwan de um ataque da RPC -, mas a sua relevância vai muito além do Estreito da Formosa.

A ligação cada vez mais estreita da China à Rússia, no âmbito da sua estratégia de acabar com a hegemonia global dos EUA e dos seus aliados ocidentais baseada da Ordem Mundial baseada em regras desenhada após a II Guerra Mundial, deixa em destaque a ideia, como notam vários analistas especialistas em defesa e geoestratégia, de que o eixo Pequim-Moscovo sai reforçado deste "stand-off" porque a China sabe que precisa do poder de dissuasão nuclear da Rússia e a sua força global para conter os EUA e isso vai-se reflectir forçosamente na questão da guerra na Ucrânia.

Isto, porque, apesar da solidez crescente da parceria estratégica entre chineses e russos, Pequim não atravessou a linha vermelha colocada com cada vez mais insistência pelo ocidente liderado pelos EUA de fornecer armamento a Moscovo, passo que, todavia, pode ser dado com esta crescente tensão no estreito - dois desafios extremos (Pelosi e MacCarthy) em menos de um ano à soberania chinesa sobre Taiwan -, o que colocaria o conflito no leste europeu noutro patamar, bastante mais perigoso e denso, e muito mais difícil de conter na sua temida escalada.