Logo após o dia da votação, 03 de Novembro, terça-feira, quando começaram a ser contados os mais de 100 milhões de votos que foram enviados pelo correio ou que foram recolhidos antecipadamente, se percebeu que o democrata Joe Biden estava em condições de recuperar da desvantagem que a votação do dia mostrava, a favor de Donald Trump.

Nos dois dias seguintes, quarta-feira e quinta-feira, as contas foram mantendo um coerente crescimento da votação em Joe Biden, acabando por nas últimas horas se concentrarem todas as atenções nestes quatro estado: Pensilvânia, que, com os seus 20 votos para o Colégio Eleitoral, basta para que o democrata ganhe estas eleições, a Georgia, com 16 votos, o Arizona, com 11, e o Nevada, com seis.

Em todos eles, Trump está a perder e isso mesmo está a ser cada vez mais claro a ponto de o universo dos media de Murdoch, onde pontificam a Fox News, o New York Post e o Wall Street Journal, cujo apoio ao Presidente na campanha e à sua Administração, nos últimos quatro anos, foi massivo, tem estado a divulgar peças contendo a ideia de que o "seu" candidato já perdeu a Casa Branca e que está a chegar o momento de aceitar a derrota com dignidade.

Mas não é isso que parece estar na mente de Donald Trump, que se tem multiplicado em acusações de fraude generalizada, que se fossem contados apenas os votos legais, teria ganho as eleições e a exigir recontagens em pelo menos dois destes estados, nem da sua equipa mais próxima, onde o seu filho Eric, está a acusar o partido republicano de fraco apoio à contestação dos resultados eleitorais e o seu principal conselheiro jurídico, Rudy Giuliani, o antigo "mayor" de Nova Iorque, ter acusado os democratas de "roubarem a eleição" com votos que "podem estar a chegar do planeta Marte", referindo-se aos votos enviados pelo correio.

Esta acusação está a ser contestada por todos os analistas e media norte-americanos, porque se sabia há vários meses que os eleitores democratas iriam votar pelo correio ou de forma antecipada devido à pandemia da Covid-19 enquanto os republicanos, incitados por Trump a ignorar a pandemia, concentraram o seu voto no dia das eleições, terça-feira, 03.

De Wilmington, no estado do Delaware, onde tem o seu quartel-general, Joe Biden, depois de na quinta-feira, de Angola, que não coincide integralmente com os EUA devido à diferença horária e aos diversos fusos horários naquele país, ter pedido calma aos norte-americanos, de ter avançado que não reclamaria a vitória até que todos os votos estivessem contados, e apelando a que os adversários políticos deixassem de ser vistos como inimigos, hoje mostrou-se mais próximo do derradeiro passo que falta: assumir que é o 46º Presidente dos EUA.

"Estamos à frente em todos os estados onde falta concluir a votação, e estamos largamente à frente mesmo naqueles que até há poucas horas estávamos atrás", disse, referindo-se à Pensilvânia, sabendo-se que os 20 votos deste estado fecham a disputa geral, porque, com os 253 votos que já tem assegurados no Colégio Eleitoral garante os 270 que chegam para que tudo fique decidido, o que está por um fio, e ainda a Georgia, para além do Nevada e do Arizona, cuja vantagem é escassa mas sólida e coerente desde quarta-feira.

Recorde-se que o sistema eleitoral norte-americano é substancialmente distinto do angolano, por exemplo, porque os eleitores dos 50 estados votam para eleger os chamados "grandes eleitores", dependendo a quantidade da sua população, que, por sua vez, em meados de Dezembro consolidam o vencedor, que precisa dos 270 votos de um total de 538 grandes eleitores.

Joe Biden e a sua candidata a vice-Presidente, Kamala Harris, estão, face a este cenário, a um curto passo da Casa Branca, que já nem sequer é um passo físico, é mais um passo burocrático, visto que existe ainda a possibilidade de, através de recontagens e batalhas judiciais, os republicanos atrasarem este processo por vários semanas, como sucedeu, por exemplo, há 20 anos, com a disputa entre Al Gore e George W. Bush.

Para já, certo, certo é que estas são eleições históricas, não só porque sucede a rara situação de que um Presidente não consegue a reeleição, como foi, de longe, a votação mais participada de dos 231 anos de história da democracia dos EUA, com mais de 74 milhões de eleitores a escolherem Biden e mais de 70 milhões a optarem por Trump.

Sobressai ainda o facto de mesmo que Trump tivesse ganho com os seu 70,230 milhões de votos, seria igualmente o mais votado de sempre, ficando bastante à frente de Barack Obama, em 2008, que teve então uma votação recorde de à volta de 69 milhões.

A ameaça de perturbações

Nas últimas horas, depois de se temer a saída para as ruas dos grupos armados de extrema-direita que apoiam Trump, apesar de não ter sucedido nada de muito grave ainda, os colaboradores do Presidente, através de uma empresa que é próxima de um dos seus mais destacados assessores, como lembram os media locais, que citam a Associated Press, estão a enviar milhares de mensagens anónimas a apelar aos apoiantes de Trump para se dirigirem em peso aos locais de contagens de votos, em Filadélfia, Pensilvânia, alegando que os democratas estão a falsear os resultados.

Alguns analistas já vieram defender que este tipo de estratégia é "brincar com o fogo" porque numa sociedade como a norte-americana actual, muito dividida e com ânimos à flor da pele, pode ser um rastilho para explodir o barril de pólvora.

Os analistas esperam, contudo, que assim que os votos na Pensilvânia estejam contados e fique claro que a vitória de Biden é inequívoca, Trump, por sua iniciativa ou convencido pelos mais influentes dirigentes do seu partido, venha a público fazer aquilo que é normal acontecer numa democracia madura: aceitar a vitória do adversário e apelar à união em nos dos Estados Unidos.