São cerca de 230 milhões, numa população de quase 330 milhões, os eleitores que têm nas mãos - em 2016 foram 139 milhões os que votaram - os destinos da maior economia e a, de longe, mais robusta potência militar do mundo, razão suficiente para que a decisão que sair das urnas tenha também importância para o resto do planeta.
E é isso que todos os media existentes entre o Polo Norte e o Polo Sul têm hoje nos seus cabeçalhos, nos ecrãs ou aos seus microfones nas secções de internacional: A "América" a votar.
Nas últimas semanas, porque o sistema eleitoral norte-americano o permite, cerca de 100 milhões de votos já deram entrada nas urnas ou foram enviados antecipadamente por correio, o que retira eficácia ao discurso mais incisivo e corrosivo de Trump, que aposta claramente no efeito "2016", onde conseguiu reverter nas últimas 72 horas a inclinação que as sondagens atribuíam a Hillary Clinton através de fortes acusações e avisos fulgurantes de que se a antiga secretária de Estado de Barack Obama ganhasse seria o fim dos EUA.
Os 100 milhões que já votaram são quase 70% do total de votos de 2016, o que aponta para uma participação nestas eleições que pode ser histórica, assumindo os analistas que esta corrida eleitoral tende a ser mais um "referendo" a Trump que uma escolha de Biden, que é visto como "um homem bom" mas sem o carisma que lhe permitisse derrotar o actual Presidente, não fora este ter gerido o país ao longo dos últimos quatro anos como se estivesse num "talk show" ao mesmo tempo que deixava a pandemia da Covid-19 galopar pelos seus 50 estados fazendo dos EUA a geografia da pandemia mais saliente, com mais de 230 mil mortos e quase 9,3 milhões de infecções, gozando mesmo com quem fazia uso da máscara e mostrando dúvidas sobre a gravidade da doença.
Para procurar reverter o fluxo contínuo de sondagens que lhe dão uma derrota com mais de 10% atrás de Biden, como o Novo Jornal sintetizou aqui, Donald Trump, conhecido pela fora aguerrida com que se bate nas campanhas, está hoje, num esforço derradeiro, a viajar por quatro estados que podem fazer a diferença, os denominados "campos de batalha", onde estão, entre outros, a Pennsylvania, o Ohio, o Wisconsin, a Florida, a Carolina do Norte ou o Michigan.
Joe Biden, mais confiante de que tudo estará por um fio, aposta na Pennsylvania, como o terreno do tudo ou nada e é ali que vai estar em três pontos distintos, para os três conclusivos comícios da campanha, visto que nos restantes estados balanceantes (swing states), confiando nas sondagens, tudo estará já resolvido e é a partir de Filadelfia/Harrisburg que tudo acabará por se decidir.
Joe Biden tem mantido como estratégia a sua "distância social" de Donald Trump, mantendo o discurso apontado ao futuro do país, especialmente no que diz respeito ao combate a pandemia, mas também nas questões económicas e ambientais ou ainda no subtema que é o desemprego galopante numa economia em declínio pandémico, apostando em frase fortes como esta: "O poder de mudar os destinos do país está nas vossas mãos!".
Mas do lado democrata, essa proximidade cáustica, apesar de o humor estar no lugar que Trump dedica à corrosão das acusações coloridas, tem sido protagonizada por Barack Obama, que, com a sua conhecida ironia, procura desestabilizar Trump, sublinhando os seus mais conhecidos traços de caracter com o lápis corrosivo do humor. Pelo menos mediaticamente, tem funcionado.
E se Trump não aceitar os resultados
Uma das mais complexas situações possíveis no pós-eleições é, como o próprio já deixou claro ser uma possibilidade, é Donald Trump recusar os resultados a partir, por exemplo, da questão dos votos por correspondência que a sua equipa está a tentar inviabilizar na justiça alegando que vão ser, pelo menos uma parte deles, contados depois de hoje, terça-feira, 03, a primeira terça-feira de Novembro que a Constituição dos EUA impõe como o dia das eleições. Até ao momento, os juízes do Supremo negaram e admitem a sua contagem para lá do dia de hoje.
Nesse eventual cenário, e numas eleições que deverão ultrapassar de longe os 139 milhões de votos de 2016, visto que só por antecipação já votaram quase 100 milhões, 62 milhões por correio e cerca de 35 milhões presencialmente, como o fez o próprio Presidente Trump, tudo se poderá complicar, até porque bem fresco na memória ainda está a dúbida frase de Trump no primeiro debate televisivo quando, questionado pelo entrevistador se condenava um grupo violento de extrema direita, os "Proud Boys", este não condenou, pedindo-lhes apenas, como e fosse o seu chefe, que ficassem em "stand by", ou seja, que ficassem a aguardar para ver o que acontece.
Para fazer face a eventuais problemas resultantes de uma igualmente eventual recusa dos resultados se estes derem a vitória a Joe Biden, a Guarda Nacional, um corpo especial federal das forças armadas com vocação para a manutenção da ordem pública, já anunciou que vai estar em prontidão em vários dos estados mais complicados e onde as organizações radicais de extrema direita mais têm estado activas.
O problema em cima da mesa é a possibilidade de Donald Trump, na noite de hoje para quarta-feira, com os votos contados, excluindo os enviados por correio, dando-lhe a liderança, possa tentar um golpe e anunciar a sua vitória com uma percentagem significativa de votos por somar. Isso daria azo a problemas que, como as guerras, se pode saber como começam mas ninguém pode adivinhar como terminam.
E o Presidente já avançou que vai tentar tudo para que os votos contados depois da meia-noite sejam considerados nulos.
Para já, Biden não parece estar preocupado com essa possibilidade de perturbação da ordem e da democracia norte-americana, porque no comício que realizou no Ohio, antes de rumar à Pennsylvania, avisou: "A minha mensagem é simples, faça Trump o que fizer, tente TRump o que tentar, não há nada que ele possa fazer para evitar que as pessoas votem como querem votar em todo o país. O Presidente não determina quem pode e quem não pode votar e são os cidadãos que vão escolher quem será o próximo Presidente dos EUA".
"Quando a América vota, a América faz-se ouvir e quando a América se faz ouvir, a mensagem é clara e em bom som, sendo chegado o tempo de Trump fazer as malas e ir embora", avisou Biden.
A luta renhida nos swing states resulta do peculiar sistema eleitoral norte-americano no qual o Presidente não é eleito directamente pelo voto popular mas sim por um colégio eleitoral resultante desse voto popular estão a estado onde são escolhidos os denominados super-eleitores que compõem o colégio eleitoral onde são necessários 270 votos para garantir a eleição, no caso de Biden, ou a reeleição para mais quatro anos no caso de Trump.
Trump mostra a combatividade que o caracteriza
O Presidente Trump, que corre o risco de ser um dos poucos na história de 231 anos de democracia nos EUA que não consegue a reeleição, tem apostado nestas últimas horas de campanha em denunciar um alegado esquema para manipular os resultados eleitorais a favor de Joe Biden, sem que, todavia, mostre qualquer evidência disso, embora note que essa irregularidade esteja a ser permitida pela decisão do Supremo (que funciona como Tribunal Constitucional) em permitir que os votos contados depois das 24:00 tenham validade igual a todos os outros.
Trump considerou mesmo esta decisão como "fisicamente perigosa", o que é em si passível de múltiplas interpretações mas que ele se recusou a descodificar, deixando no ar a possibilidade de estar a ser gerado um cenário de violência nos bastidores para colocar em marcha se os resultados lhe forem nefastos.
Tem ainda recorrido à acusação a Biden de estar a ser financiado por interesses poderosos tanto internos como externos, apontando as grandes companhias tecnológicas chinesas e os grupos de media estão a desenvolver uma campanha aguerrida para dar a vitória ao seu adversário porque "têm o Joe dorminhoco na mão" e depois "se for eleito, fará tudo o que eles quiserem".
"Ele é controlado pelas empresas tecnológicas chinesas e é por isso que a China quer que Joe Biden ganhe as eleições porque é um político corrupto que está nas mãos deles. É também controlado pelos grandes grupos de media e doadores poderosos que representam interesses especiais que estão desesperados que o dorminhoco ganhe as eleições", acusou.
Acusou ainda a candidata a vice-Presidente de BIden, Kamala Harris, de ser uma "perigosa radical de esquerda" que pretende ser a primeira mulher Presidente dos EUA entrando pela porta das traseiras, sublinhando que só essa possibilidade é uma boa razão para não votar em Joe Biden.
E, sobre o tema pandemia, o elefante na sala da sua campanha, de passagem pela Carolina do Norte, um dos estados na corda-bamba, Trump, percebendo que esta matéria lhe está a tirar o tapete do caminho para a Casa Branca, voltou a pedir aos norte-americanos que recusem que o pais seja fechado em novos e duros confinamentos, gozando de novo com as máscaras gigantes que Biden usa.
E, ao mesmo tempo que aponta a China como a mão que controla a marioneta Biden nos bastidores, ataca os media "corruptos" e "fakes" que estão a noticiar o alegado papel da Rússia na sua eleição em 2016, através de um esquema gigantesco envolvendo as redes sociais, nomeadamente o Facebook e o Twitter.
Mais emprego numa "America Great Again", o seu slogan repetido até à exaustão, o combate contra as intenções chinesas de controlar os EUA e na auto-suficiência energética, são algumas das palavras-chave desta campanha de Donald Trump com que pretende voltar a abrir as portas da Casa Branca para nela morar mais quatro anos. Mas o que dizem as sondagens?
As sondagens mostram Biden em vantagem!
Com cerca de 10% de vantagem, em média, de acordo com as múltiplas sondagens realizadas nas últimas semanas, Joe Biden disfruta de uma clara e confortável vantagem sobre Donald Trump, apesar deste ser conhecido pelas suas proezas circenses de última hora, como sucedeu com Hillary Clinton, em 2016.
Ao surgir na campanha de 2016 com a história dos "mails" que comprometiam Clinton, por ter usado o seu endereço electrónico pessoal e não o oficial quando era Secretária de Estado de Obama, conseguiu uma vantagem que se revelou decisiva: permitiu a Trump apelidá-la, de forma letal e com sucesso entre os eleitores conservadores, de "vigarista".
Mas, desta feita, no último dia de campanha, muito dificilmente conseguirá tirar um coelho semelhante da cartola, até porque já quase 100 milhões de eleitores votaram antecipadamente, na maioria por correio, o que faz com que estes estejam já imunes a eventuais truques de última hora.
Uma das esperanças de Trump era que uma vacina surgisse antes da ida às urnas, como o próprio prometeu de forma veemente e repetidamente, ao mesmo tempo que achincalhava o uso de máscara, especialmente as que usava o seu adversário, o democrata Joe Biden, mesmo quando testou positivo para a Covid-19 e esteve internado no melhor hospital de Washington, o Walter Reed, uma unidade de saúde da Marinha dos EUA.
Nestas eleições, apesar de ter conseguido uma vitória no Supremo Tribunal Federal, ao, após a morte da liberal Ruth Bader Ginsburg, nomear e colocar, Amy Coney Barrett, uma juíza conservadora entre os "9 magníficos", juízes com cargos vitalícios, que lhe vai permitir, admitem os analistas, atacar com sucesso antes de findar o seu mandato, o denominado Obamacare, uma lei que protege os mais pobres em matéria de saúde e que os republicanos pretendem destruir em defesa dos interesses do lobby da saúde privada.
Mas esta vitória é uma faca de dois gumes porque, se por uma lado, pode aspirar a fazer colapsar, pelo menos parcialmente, o Obamacare, por outro, quebrou uma regra de ouro da democracia norte-americana que é nomear juízes para o Supremo a menos de um ano de eleições, sendo que, desta feita, está a suceder a escassos dias da ida às urnas que podem mudar o curso da história no país.
Uma das últimas sondagens tornadas públicas, são várias que surgem diariamente nos EUA por estes dias, da IPSOS, uma multinacional de pesquisas e sondagens de opinião, com fortes créditos e registo de eficácia conhecido, aponta para essa vantagem de Biden sobre Trump: nove por cento.
Os temas que mais inquietam os eleitores são a pandemia, a economia, o emprego e a saúde. Esta sondagem foi realizada entre 16 e 20 de Outubro, apontando para um aumento da vantagem de Biden face à anterior do IPSOS, feita entre 29 de Setembro e 01 de Outubro, onde esta vantagem era de apenas 5%.
Com estes números, os especialistas do IPSOS sublinham que Joe Biden leva uma vantagem mais confortável que aquela que Hillary Clinton dispunha em 2016, especialmente tendo em conta os estados que mais balançam entre eleições, os denominados swing states", e que são fundamentais para definir o vencedor, visto que nos restantes as coisas estão consolidadas para um ou outro lado.
Os estados do tudo ou nada para ambos os contendores são o Arizona, Michigan, Wisconsin, Florida, Carolina do Norte e Pennsylvania.
Nestes seis estados onde tudo será decidido, Trump poderá ainda ganhar, mesmo que por uma unha, a Florida e o Arizona, enquanto Biden lidera as intenções de voto no Michigan, Wisconsin ou Pennsylvania, o que é uma vitória de Biden que recupera assim estas geografias eleitorais para o democratas. Na Carolina do Norte é onde as coisas surgem mais apertadas, embora, ainda assim, com um empate.
O oráculo de Quinnipiac
Também o centro de sondagens da Universidade das California do Sul, um dos mais prestigiados dos EUA, na última sondagem feita, divulgada na segunda-feira, atribui uma liderança nas intenções de voto de 11% a Biden, 53% contra 42%.
Outra sondagem, a da Technometrica, coloca Biden com sete pontros à frente de Trump, enquanto a sondagem da Universidade Quinnipiac, considerada a mais credível e famosa por nunca ter falhado uma eleição, no seu estado divulgado na passada semana, aponta para uma larga e confortável vantagem do democrata de 10%.
A Universidade Quinnipiac já em Junho de 2019, como o Novo Jornal noticiou então, dava Donald rump a perder em Novembro para todos os candidatos que na altura disputavam a nomeação entre o Partido Democrata e Joe Biden era o que tinha a melhor performance contra o republicano.
Sobre estas eleições, a Universidade Quinnipiac já realizou três sondagens nas últimas semanas e em todas elas, Joe Biden leva uma claríssima vantagem, sendo que a folga se mantém coerentemente nos 10%.
Considerada como o oráculo eleitoral nos EUA, a Universidade Quinnipiac não costuma deixar créditos por mãos alheias e os resultados que antecipa são vistos como uma espécie de certidão de óbito eleitoral de Donald Trump.
E, para piorar as coisas do lado do Presidente Trump, o agregador nacional de sondagens FiveThirtyEight, um website especializado em sondagens, aponta para 81 em 100 as possibilidades de vitória de Biden.
Apesar destes indicadores, nem de um lado nem do outro parece haver ou desistência ou descanso, porque as atenções das duas campanhas estão focadas nos denominados estados periclitantes, considerados em linguagem eleitoral local de "campos de batalha", juntando aos anteriores seis o Ohio e o Iowa.
E é para estes oito campos de batalha que Biden e Trump enviaram o grosso dos seus "exércitos", com os próprios a mostrarem uma tenacidade incomum, ao deslocarem as suas caravanas de um para outro lado, de forma incansável, porque o que está em causa é o comando das maior potência económica do mundo, da maior potência militar do planeta e do país que mais pode influenciar o curso da humanidade...
Mas na memória de todos está ainda o facto de, nas eleições de 2016, Trump ter sido eleito apesar de Hillary Clinton ter obtido mais 3 milhões que ele no conjunto dos 51 estados que compõem os EUA, o que deixa claro que uma maioria sociológica e matemática pode não resistir às particularidades do sistema eleitoral dos EUA, onde, no fim, é um colégio eleitoral emanado das eleições que vai decidir o nome do próximo morador no nº 1600 da Avenida Pennsylvania, em Washington DC.
E o Congresso?
No Congresso também vai haver mudanças com estas eleições, sendo que na câmara dos Representantes mudam os mais de 430 eleitos, enquanto no Senado, apenas cerca de um terço dos eleitos está em disputa.
Nos Representantes mandam os democratas e assim vai continuar, dizem as sondagens, enquanto no Senado, pela primeira vez em muitos anos, igualmente segundo as sondagens, podem ser os democratas a mandar também, sendo que actualmente os republicanos de Trump têm mais seis lugares que os democratas de Biden.
Se se confirmar a vitória de Biden para a Casa Branca e os democratas recuperarem o Senado, mantendo os Representantes, o poder estará totalmente nas mãos dos democratas, excepção feita aos estados e ao Supremo, órgão judicial com muito poder nos EUA, onde se deverá concentrar o equilíbrio federal caso se confirme tal cenário.