Joe Biden, que o Democrata que procura atirar pela janela Donald Trump, o ainda Presidente Republicano, mostrou-se inusitadamente agressivo e chamou mesmo "palhaço" ao opositor, disse que "ele" é um mentiroso compulsivo e marcou o debate com um efusivo "shut up, man!".

Donald Trump, sublinhando amiúde os 77 anos do opositor, ao longo de todo o debate, o primeiro de dois entre ambos, havendo ainda um entre os seus Vices, para vincar a sua fraca condição física para "responder às exigências do cargo", apesar de o próprio ter 74 anos, procurou colar o Democrata à imagem de quem "nunca fez nada" em 50 anos de política activa.

Pelo meio ficaram tiradas e acusações que fizeram deste debate uma espécie de circo romano sem escudos ou espadas, desde o facto de Trump ter recusado afastar-se da defesa dos supremacistas brancos, importante num contexto de grandes tumultos devido às sucessivas mortes de negros às mãos de polícias brancos, ou do porquê de, apesar de bilionários, fugir aos impostos, até à óbvia dificuldade, embora negando totalmente, que Biden teve em afastar de si dúvidas sobre negócios alegadamente ilícitos na Ucrânia.

Mas vejamos o que dizem alguns dos colunistas que analisaram o debate nalguns dos grandes jornais mundiais, sendo a tónica mais comum o caos, a ausência de qualidade e a rudeza argumentativa de ambos os contendores.

David Smith, no britânico The Guardian, entende que Donald Trump garantiu que o primeiro debate das eleições de 2020 tenha sido "seguramente o pior debate da história dos EUA", uma "humilhação" observada em todo o mundo, o que deverá garantir a atenção "vergastadora" de historiadores de todo o mundo para um momento que foi dos mais baixos da democracia norte-americana.

Para Smith, se Trump ganhar as eleições de 03 de Novembro e for reeleito, "a América estará a assinar o seu obituário" num contexto "horrível" e impensável, sublinhando também que Joe Biden esteve longe de parecer um estadista presidenciável mas, ainda assim, foi quem mais se aproximou dessa condição.

"Trump interrompeu, mostrou raiva, debitou mentiras e perdeu uma oportunidade única de condenar os supremacistas brancos", disse o colunista do The Guardian. Os supremacistas brancos, que defendem que os negros são humanos inferiores aos brancos, estão, na sua maioria, ligados, de uma ou outra forma, aos racistas do ku klux klan.

Dan Balz, no norte-americano The Washington Post, foi igualmente mordaz na análise a este debate histórico, garantindo que "nunca se tinha visto um debate presidencial como este", dizendo que se tratou de 90 minutos de "interrupções abruptas e insultos pessoais" transformando-se num "insulto para o público e um triste exemplo do estado em que se encontra a democracia nos EUA" quando faltam apenas 5 semanas para as eleições.

Mas, apesar da avaliação francamente negativa que faz de ambos dos contendores, Balz admite que, na margem distante da análise, "provavelmente este debate foi mais importante para ajudar Joe Biden do que o Presidente", num momento em que Donald Trump "precisava de mudar o rumo da sua campanha" tendo em conta as sondagens, "mas esse não foi o caso".

"Durante décadas, as eleições permitiram aos americanos a oportunidade de avaliar os candidatos num fórum aos vivo, com moderadores que ficam de forma dos seus caminhos sempre que possível, dentro das expectativas de quem a eles assistiu. Mas neste caso, nada disso sucedeu", apontou o colunista de um dos mais influentes jornais dos EUA.

Gilles Paris, no francês Le Monde, resumiu, na sua abordagem, o debate entre Trump e Biden como uma "tremenda tempestade".

"Os dois homens apresentaram-se em cena sem se cumprimentarem devido à pandemia e de imediato a desordem instalou-se e, em vagas sucessivas de agressividade, atacaram-se mutamente", apontou o colunista do Le Monde, um dos mais influentes jornais franceses.

Pais lembrou que antes do debate, a equipa de campanha de Trump desmultiplicou-se em "metáforas de guerra", dizendo-se mesmo que Trump iria "destruir totalmente" o "idoso Biden", antigo vice-Presidente de Barack Obama, que tem apenas mais três anos que o actual Presidente.

Trump, disse o analista, "interrompeu continuamente o seu adversário, gozando com as suas respostas e com o seu percurso académico", lembrando de forma deselegante que Biden não passou pelas grandes universidades do país, dizendo mesmo que "não há nada de inteligente em si", apontando para Biden, com o objectivo claro de "fazer o adversário deixar o seu espaço de conforto".

O que se passou visto pelo Novo Jornal?

Foi um debate duro para ambos os candidatos, que são apenas os principais candidatos e não os únicos, às eleições presidenciais de 03 de Novembro, e cumpriu com aquilo que se esperava tendo em conta a deselegância com que a equipa agressiva de Trump, e com ele a liderar os ataques, se foi referindo a Biden, antes de ambos chegarem ao palco do confronto, em Cleveland, Ohio.

Não houve momentos, pelo menos nos primeiros 60 dos 90 minutos do debate, sem que Trump não estivesse a tentar falar por cima de Biden, com este a conseguir apenas falar quando o moderador, um jornalista da FOX News, Chris Wallace, grupo de media conservador e próximo dos republicanos, resolvia dizer-lhe para parar.

E foi num desses momentos que Joe Biden acabou por engatilhar um dos momentos do debate, ao dizer ao oponente: "Shut up, man! - Cale-se, pá!"", depois deste procurar, mais uma vez interromper, afastando o olhar da câmara com visível repulsa pelo que Trump estava a fazer.

Com este "Shut up, man!", Biden fez lembrar a famosa tirada do antigo Rei de Espanha para o Presidente venezuelano, Hugo Chavez, numa cerimónia, da Organização Ibero-Americana, em 2007, onde este também não se calava: "Por qué no te callas?"

E depois, Biden foi ainda mais longe: "Mas quem é que consegue dizer seja o que for com este palhaço presente?", atirou o antigo vice-Presidente de Obama, já num momento de evidente exasperação.

Trump acabou igualmente por conseguir os seus momentos, ao seu estilo, agressivo, que usou já em 2016 face a Hillary Clinton, especialmente quando vincou a idade avançada de Biden, o colou a negócios duvidoso na Ucrânia e lembrou que em 50 anos de vida política, não há nada de relevante que se lhe reconheça.

Mas a recusa em se afastar do apoio aos racistas, por lá denominados supremacistas brancos - numa época de fortes tumultos devido à violência policial sobre a comunidade negra nos EUA - e a dificuldade evidente que teve em justificar o porquê de não pagar impostos em 10 dos últimos 15 anos, tendo pagado apenas 750 USD em 2016 e 2017, os anos em que foi eleito e o primeiro de mandato, fizeram com que perdesse de forma clara este debate.

Trump negou tudo, considerou tudo, como era de esperar, fake news, mas o mal estava feito e Biden ainda conseguiu um último golpe ao afirmar do púlpito, com estrondo: "Ele é o pior Presidente de sempre nos EUA!".

Alias, ao tratar sempre e ao longo dos 90 minutos, Trump como "him -ele", sem se dirigir ao opositor directamente, na maior parte das vezes, Biden conseguiu desvitalizar a sua condição de "sujeito", como se o tivesse já dado como um adquirido não assunto, fragilizando a posição de "duro" que o Presidente procura fazer passar.

Os próximos debates, mais dois, um dos quais entre os seus vices, poderão ter pouca relevância porque dificilmente poderão escapar à agressividade vista neste primeiro confronto.

Mas o claramentemais mbativo e, por vezes, mais agressivo, Biden, face a um Trump, nalguns momentos da batalha, inesperadamente à defesa, especialmente se as sondagens lhe continuarem a dar vantagem, poderá dar lugar a um desempenho mais condizente com a de um estadista à beira de assumir oo seu lugar na Casa Branca.

E se Trump não conseguir diluir a diferença para com BIden nos estudos de opinião, o mais natural é que a sua agressividade aumente e opte pelos golpes mais baixos, como, por exemplo, acusar Biden de consumir drogas para aguentar a campanha eleitoral ou ainda as alegadas ligações a negócios menos claros na Ucrânia.